06 fevereiro 2005

As coisas que eu não percebo...

Estou triste: a cada dia que passa, sinto que cada vez sei menos de direito e cada vez percebo menos de justiça.
Estou obcecado: tenho passado horas na vã procura de jurisprudência que me ajude a perceber o que não percebo. Ainda estarei a tempo de mudar de vida? Ou devo continuar a insistir, fazendo como muitos outros, para quem o que conta é, apenas, ir andando? Independentemente do caminho ou de saber ou não o caminho que percorro?

Talvez eu esteja completamente enganado e o episódio que se segue seja normal e a estranheza seja apenas produto da minha ignorância.

O que se passou? Há dias, um dos meus colegas de escritório deslocou-se a uma comarca do norte-interior, longínqua, expressamente para produzir as alegações finais (e orais, diz a lei), num processo em que o nosso cliente era acusado pela ex-mulher de maus tratos. À hora marcada, foi avisado pelo funcionário judicial de que a colega que patrocinava a alegada vítima estava atrasada. Pouco tempo depois, o mesmo funcionário avisou o meu colega de que, afinal, a mandatária da alegada ofendida não iria comparecer. Mas que tinha enviado as alegações por fax!

O Mmo Juiz deu como justificada a falta da ilustre advogada da parte contrária (não se preocupou em explicar os motivos). E, logo a abrir, decidiu - ele próprio - ler as alegações enviadas por escrito pela advogada da alegada ofendida. Depois, disso - alterando a ordem normal das coisas -, deu a palavra ao representante do MP para alegações. E, depois, ao advogado do arguido. Sem perceber muito bem o que se estava a passar, perplexo e sem tempo para consultar a lei, o meu colega de escritório ditou um requerimento para a acta a arguir a nulidade de tal expediente. O Mmo Juiz não viu nenhuma nulidade e despachou no sentido de que o meu colega devia concretizar a nulidade. Lá teve que repetir o que já tinha ditado para a acta, com a nuance de que, se não havia nulidade, haveria pelo menos uma irregularidade.
O despacho - irónico - indeferiu. O M.P. não se pronunciou sobre a questão.

Tudo isto deve ser normal, mas eu nunca tinha visto. E, porque sou curioso, continuo incessantemente à procura de doutrina e jurisprudência que me esclareça a dúvida. Entretanto, vou pensando em todas aquelas madrugadas em que percorro as difíceis e perigosas estradas deste país para chegar a horas aos julgamentos. Afinal, tenho feito sacrifícios desnecessários. Estou a pensar muito seriamente em mudar de estratégia: deixar de ir aos julgamentos. Na véspera ou no próprio dia, envio por fax ao Mmo Juiz as perguntas que quero fazer ao arguido, ao ofendido e às testemunhas e ele que as faça.
Obviamente, que isto corresponde a um acrescido esforço para o julgador. Mas não há problema. Como sou solidário, em contrapartida, eu prolato a sentença...

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