10 fevereiro 2005

"Fé e partidos"

por Artur Costa, no JN de hoje:

O pároco da freguesia de S. João de Brito, em Lisboa, na prédica dominical, exortou os seus ouvintes a não votarem em partidos que defendessem formas de casamento não concordes com os cânones tradicionais da união heterossexual ou que não defendessem a vida desde o momento inicial da concepção (aludindo, portanto, à chamada interrupção voluntária da gravidez), ou ainda que fossem a favor da eutanásia (a chamada morte assistida por vontade de quem quer pôr termo à vida, em situações extremas de grande sofrimento e de irreversibilidade de doença incurável). Logo certos órgãos de Comunicação Social deram grande ressonância a tais declarações. Presumo que essa relevância não deverá ter sido dada pela novidade da doutrina sobre tais pontos, visto que são conhecidas, de há muito, as posições da hierarquia da Igreja em relação a essas matérias. O que deve ter motivado o afã noticioso residirá, porventura, no facto de o aludido sacerdote não se ter limitado a defender os mencionados pontos de vista, mas em ter ido além deles, ao exortar os fiéis a não votarem nos partidos que se propusessem fazer alterações legislativas nesses campos. É que, sendo os pontos em causa matéria do foro da consciência de cada um, dir-se-ia que os fiéis que quisessem seguir à risca esses princípios não estariam inibidos de votar em qualquer dos partidos existentes, que, sendo laicos e não devendo ingerir em matéria de consciência dos seus militantes ou simpatizantes, deixam estes livres para tomar as posições que entenderem em matéria de moral, de consciência e de fé. Estas, num Estado de Direito democrático, estão para além dos objectivos político-partidários. A menos que se pretenda confundir ilegitimamente esses objectivos com princípios que dizem respeito à crença de cada qual.

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