05 abril 2005

Farmácia de serviço nº 5

A Espanha no coração

"Espanha
alguns de nós já têm sessenta outros mais e outras há muito
que não são mais do que um punhado de ossos

Espanha é a nossa juventude

Espanha é uma rosa de sangue aberta no nosso peito

Espanha é a nossa amizade na escuridão da morte

Espanha é a nossa amizade á luz da esperança que
não pode ser vencida

e as enormes oliveiras dilaceradas e a terra amarela e a terra vermelha e
esburacada

alguns de nós já têm sessenta anos outros mais e outros há muito
que não são mais do que um punhado de ossos

Madrid caiu em 1939

Desde então até hoje por quantas coisas agradáveis ou tristes
passou a humanidade

Espanha caiu em 39

Em 62 das minas das Astúrias chegam-nos vozes iradas
e calorosas

a luz da esperança não pode ser vencida em Bilbau

Espanha foi a nossa juventude Espanha é a nossa juventude

Espanha é o nosso destino"

(Moscovo, 20 de Maio de 1962)

1. O poema que acima se transcreve é de Nazim Hikmet, imenso poeta turco, de que, julgo, já existe uma edição portuguesa (“& etc..”). O título da receita de hoje é de Pablo Neruda. A propósito deste, dá-se aqui a grata notícia da existência de um disco de Neruda e Theodorakis (Canto General: (BMG ND74883-1 e 2) com cantores sublimes, uma música épica que nos lava a alma ou o espírito – a escolha é vossa, leitores e amigos). Não percam esta preciosidade: aquilo tira-nos 10 anos ou 20 quilos de cima de nós! E depois que bom que é juntar no mesmo pobre texto um grego e um turco, um chileno que não cheire a Pinochet e a memória recobrada de uma Espanha que entre 36 e 39 foi o rosto da liberdade contra a tirania.

2. E é disso que este prático de farmácia vos vem, hoje, dar conta: A revista "La Aventura de la Historia” começa este mês a publicar uma “historia de la guerra civil española” simultaneamente em livro e em dvd. Tudo (revista, disco e livro) fica por cerca de € 8. Neste exacto momento ainda não sei se o livro e o dvd poderão ser vendidos em Portugal (ah esta anedota de mercado comum!!!). Pelo sim pelo não metam os dedinhos ao teclado da internet e vejam em “revistadehistoria.com” o que se passa.

3. Esta guerra de que só agora se começa a dar a versão dos vencidos permite com o atraso de mais de 50 anos conhecer a verdadeira epopeia dos resistentes espanhóis por essa Europa fora: sabiam que os primeiros blindados da Divisão Leclerc que entraram em Paris eram todos tripulados por espanhóis republicanos e tinham nomes tão evocativos como “Madrid” ou “Brunete”? Sabiam que mais de cem mil republicanos participaram, depois da derrota da República, no combate contra o Eixo, quer na guerrilha, quer integrados em exércitos regulares (fundamentalmente o francês e o soviético)?
É por essas e por outras que aqui se dá conta de recentíssimas publicações: "La ultima gesta", Secundino Serrano, edit. Aguilar, e "La guerra en singular (testimonios de combatientes españoles en la liberacion de Francia (1039-1945)" de Antonio Arevalo. A editora chama-se “El Cruce” mas a livraria espanhola de Paris também vende o livro. Diz quem sabe que o livro é simplesmente emocionante.

4. Quem, de passagem por Paris, se habituou a dar uma volta pela velha Librairie Espagnole da rue de Seine (6º bairro) e terá lamentado a sua desaparição, que se regozije: reabriu um pouco mais longe na rue Littré ao nº 7. E tem e-mail: librairie-espagnole@wanadoo.fr.

5. Só para o nosso LC a quem as bexigas doidas e a mosca tsé-tsé não deixam em paz (mas podendo repartir com as pessoas de bem, claro) esta inscrição num monumento em Prayols (sul de França): Caminante: di a nuestro pueblo que los españoles supieran combatir por la libertad y morir por ella.

PS: permitam os meus escassos clientes que dedique esta “farmácia” a Jorge Delgado (“Sérgio”), Joaquim Namorado e Paulo Quintela. Também eles souberam honrar a liberdade e combater por ela. A anterior ia obviamente dedicada ao Manuel Simas Santos, leitor viciado em policiais ultra-clássicos.

PPS: o modesto grumete desta barcaça que vai correndo os portos da vida cultural é, como dizia um seu amigo, "cão que conhece dono!". Ou seja, agradece as amabilidades e gentilezas com que o brindam: saravah companheiros R. Sousa e J.C.P., tomem lá um segredo em primeira mão: a próxima farmácia vem com gregos tonitruantes, um gostinho de Prévert, discos e uns fabulosos dvd de jazz.
mcr

1 comentário:

Silvia Chueire disse...

é belo , o poema. obrigada.

silvia chueire