21 abril 2005

NOTICIAS DO ANTIGAMENTE - 10

Image hosted by Photobucket.com


um notícias do 'antigamente' especial...

Há 30 anos...o meu Liceu:crónicas contra o esquecimento

Testemunho da Professora Maria Madalena Morna

Andei num Liceu daqueles de arquitectura estereotipada do antigo regime.Era no Porto - um liceu estritamente feminino, que, por descuido do planificador destas coisas, distava apenas cerca de 1 quilómetro de um outro liceu, esse, claro, estritamente masculino.E essa perspectiva assustadora de encontros e cruzamento de sexos era diligentemente resolvida pelas prevenções cooperantes da Reitoria e da PSP: nenhum jovem rapaz podia entrar em conversações com qualquer alegre menina a menos de 500 metros de distância da porta do Liceu .E se as regras eram cumpridas!...

1 de Outubro, recomeço das aulas.

Éramos religiosamente recebidas no Ginásio, numa cerimónia abrilhantada pela presença da abundante Reitora, mulher de grandes alturas e superfícies, de que até o nome, que por respeito omito, enchia e dilatava a já de si roliça pronúncia do Norte. E então era o discurso monocórdico de boas vindas, bons conselhos e boas regras.Tive um episódio de pavor com essa imensa reitora. Num dia de frio a sério, atrevi-me a vestir o casaco sobre a bata.
[A bata era uma instituição. Havia-as de folhinhos para os primeiros anos, de escapulário e pregas para as adolescentes e, já mais crescidinhas, de franzidos para as debutantes finalistas.]
Pois, ia eu ainda na fase dos folhinhos achatados pelo casaco, quando fui chamada à Reitoria. Foi a derrocada: - ir àquele gabinete significava sempre um castigo, fosse ele disciplinar, uma bofetada ou um raspanete. Que teria eu feito?
Tinha os trabalhos de casa em dia, não falava nas aulas, não respondera a essa verdadeira instituição de autoritarismo que era o jardineiro (maldosamente chamávamos – lhe o 'senhor Reitor'...), não ultrapassara ninguém na fila da Cantina, não...não...não... E, mal entrei, a Grande Senhora desabou o seu terrível raspanete: - eu, pecadora, tinha ousado tapar os folhinhos, cedendo à cobardia; e para cúmulo, manchara os sapatos no pátio em correrias impróprias de meninas...
Que vergonha para a instituição! E que alívio para mim!...
Das aulas lembro apenas 3 ou 4 professoras, mas era tudo tão igual que pouco me marcou. Mas não esqueço as «sessões».
Ah! que inefáveis dias, esses em que, uma vez por mês, éramos levados para o Ginásio e sabíamos da nossa pátria, das nossas colónias agradecidas; onde víamos filmes do Chefe Gungunhana, inimigo terrível, que, mostrado num filme a sépia de péssima qualidade, nos horrorizava de tal modo que, à noite, deitada no escuro do quarto, tinha visões aterradoras em que o pançudo selvagem saía pelo espelho do guarda-vestidos para me atacar, a mim, vestida com a farda de jovem defensora dos valores nacionais!
E os feriados? Divinos! Éramos canalizadas para a Biblioteca, onde nos sentávamos calmamente à espera dos livros, que não escolhíamos. De uma das vezes, em que já era "pregueada", lembro-me de ver essa 'jóia'- de - empregada – que – resmungava - sempre - que - entrávamos, subir ao escadote, pegar numa braçada de livros e começar a distribuir. - Pega e lê, toma lá... calhou-me o Conto das Botas Altas. E assim se promovia em mim o gosto pela leitura!...Depois lembro as aventuras loucas de quem não podia andar em sítio nenhum e, então, explorava todos os sítios, relembro as aulas de Ginástica, em que tudo se praticava, e bem ,-trave olímpica,plinto, espaldares, cordas móveis...Lembro-me do oásis: as actividades voluntárias - música e voley. Quantas festas a cantar, quantos jogos disputados!
E, finalmente, o começo super - proibido e, claro que nem imaginado, da militância Pró-Associação de Estudantes. Eram minhas colegas algumas das mulheres 'políticas' de hoje.
E como sofremos a passar folhetos clandestinos sobre a necessidade de inovação e liberdade!Como nos tremiam as pernas ao avistar um polícia! A quem passar a pasta comprometedora? Em quem confiar'?
E o medo, e a coragem, e de novo o medo, e finalmente o alívio - e 20 anos depois, a nostalgia divertida que tudo isto gera!...


Maria Madalena Morna
(F.1996)
(Escito em 1994, 20 anos depois)
Amélia Pais - 31 anos depois,em 2005


Nota: termina aqui a publicação das «minhas» crónicas contra o esquecimento. Nada impede, porém, antes pelo contrário, que outros amigos escrevam as suas lembranças e as coloquem aqui. Preservar a memória é olhar de frente o passado, encarar igualmente o presente - mesmo que por vezes nos pareça de «nevoeiro» ou «de vil tristeza» - e preparar o futuro com esperança reforçada.

1 comentário:

Silvia Chueire disse...

Obrigada , Amélia. Muito.
gostei tanto de lê-las e admiro a sua dedicação na preservação destas memórias.

Beijos,
Silvia