25 abril 2005

O "DR."

Uma editora de Coimbra - a Minerva - publicou recentemente um livro com o título "O Peso do Dr.", cujos autores, António Paiva e Cláudia Soares, jovens licenciados em Animação Sócio-Educativa, resolveram "indagar qual o peso que tem em Coimbra o título académico nas relações sociais". Queriam eles saber: "Será o "Dr." factor determinante de discriminação social na cidade de Coimbra?".
É evidente, para quem conhece o ambiente da cidade, que tinham de chegar à conclusão que SIM!
Filho de futricas, nascido e crescido na Baixa de Coimbra, conheço este fenómeno desde miúdo. Lembro-me de que quando entrei para o 7º ano do liceu (agora o 11º) já tinha o direito a ser chamado de "Dr." nos cafés - "Ó Dr., é uma bica?".
Na "Coimbra" de Miguel Torga (in "Portugal") está exemplarmente descrito o que, ainda hoje, se percebe na vida da cidade, particularmente com a restauração que desde o início dos anos 80 do século passado tem vindo a ser feita do que de mais bafiento existe nas chamadas tradições académicas.
Os movimentos estudantis de 1962 (era miúdo e lembro-me como se fosse hoje de o meu pai mandar abrir a porta de casa a alguns estudantes que fugiam da perseguição policial), de 1969 (que fui espreitando), e depois os de 1971 e 1972 (em que já participei) foram importantes, não só para o combate nacional à ditadura salazarista e à ilusória primavera marcelista, e estes últimos também na politização e radicalização do movimento estudantil, foram importantes, dizia, para oxigenar Coimbra.
Mas, hoje, Coimbra, agora que perdeu a indústria e a tem substituído por cimento e centros comerciais, é cada vez mais uma cidade de estudantes, de "doutores" e de construtores civis. O desemprego disparou, as bolsas de pobreza avançam no tecido urbano em mancha de óleo, a habitação atingiu os preços mais elevados do país ... mas é cada vez maior o cortejo da Queima das Fitas! Não o público, pois este tem mostrado preferir a procissão nocturna da Rainha Santa.

1 comentário:

M.C.R. disse...

Nasci em Coimbra, nesse sítio ultra-conveniente que se chama Maternidade. Mas sinto-me, se alguma coisa me sinto, perpétuo emigrado que me tornei, figueirense. De Coimbra C como se dizia. Fui para Coimbra fazer parte do 3º e parte do 6º do liceu e depois a faculdade de Direito. A praxe nunca me disse nada que me interessasse e frequentei bastante A Brasileira, um dos poucos pontos de encontro estudantes-futricas. Fui mesmo sócio do Ateneu e criei por aí bons amigos. Dito isto, e agradecendo o texto do Rui do Carmo (eu fui amigo e colega dum Vítor do Carmo, também de Coimbra e também jurista) vou armar-me em desmancha prazeres. eu penso que o futrica é tasmbém uma criação citadina, isto é não é só um revulsivo criado pela estudantada mas também algo segregado por uma cidade que vivia de/e à sombra da universidade e que nunca terá conseguido integrar harmoniosamente o estudante no seu círculo mais íntimo. Claro que o estudante em Coimbra era sempre um turista, vinha pelos estudos e cinco anos depois desandava. Mas isso também sucede com Cambridge ou Heidelberg. Só que nestas últimas, a Universidade não dominava tão completamente a cidade onde estava estabelecida. Eu não vou ao ponto de dizer que a universidade de Coimbra secou tudo á sua volta (e se calhar a ela própria também) mas pouco faltou. E a praxe não foi alheia a isso. Esta discussão tem/deve prosseguir.