Resposta do juiz de direito Queiroz ao acórdão da Relação do Porto, que despronunciou o conde do Bolhão:
“Senhor [rei D. Pedro V, supremo magistrado da Nação]: antes de entrar na questão dos autos são indispensáveis algumas palavras porque, para mim, há aqui uma questão de honra. Não sei se ficará ofendida alguma susceptibilidade. Fique ou não fique, desde já declaro que, para quaisquer efeitos, tomo a responsabilidade de todas as minhas ações. No meio da corrupção dos espíritos que lavra neste país e que há-de acabar por envolver na corrente homens, doutrinas e instituições, aparecem felizmente ainda como protesto contra essa extrema depravação moral, indivíduos de cuja probidade não é lícito duvidar. (...). É, pois, desta tribuna judiciária, sempre honrada por mim, que eu quero repelir a afronta e levantar o véu que cobre esta pústula de corrupção, afim de que se alguém puser os olhos neste processo, fique sabendo como um magistrado, honrado e independente, sabe esmagar debaixo dos pés a víbora que teve a imprudência de querer sujá-lo com a sua baba. (...). Não sei se neste país a justiça é igual para todos. Creio que não. Digo, mesmo afoitamente, que não, porque tenho visto a balança da Lei vergada com o oiro dos novos Cresos, a independência dos juízes curvada diante da influência dos poderosos, a consciência dos magistrados humilhada à vista do brilho das fardas agaloadas dos nobres improvisados. (...). Eu, Senhor, como juiz, não conheço pobres, nem ricos fidalgos, nem plebeus poderosos ou desvalidos. No meu tribunal, acusadores ou acusados, não têm nomes nem títulos. Chamam-se réus ou autores. (...). Como há-de admitir-se que, para pronunciar um homem, quando esse homem é conde, rico, poderoso e coberto de condecorações nacionais e estrangeiras, devem os tribunais pedir à acusação mais indícios, do que para pronunciar o deserdado da fortuna, que muitas vezes, merece mais comiseração que rigor? Essa é a desgraça deste país, onde qualquer coisa basta para condenar o desvalido; onde tudo é pouco para condenar o poderoso! (...). Posso sucumbir nesta luta judiciária, mas hei-de sustentá-lo com dignidade e independência. Vencedor não me regozijo com isso; vencido não me entristeço. Há derrotas que honram mais que a vitória. Os louros que eu invejo, colham-nos os agravantes para si. É justo. Ontem as honras no Capitólio! Hoje o triunfo no areópago! Coerência em tudo! Estamos em Portugal no ano da Graça de 1860. Desgraçado país!
Porto, 24 de Agosto de 1860. José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz.
In MARTINS, Rocha (1945) – Os românticos antepassados de Eça de Queiroz. Lisboa: Inquérito, p.234-243. »
Publicado in O Primeiro de Janeiro, de 2 de Maio de 2005
02 maio 2005
PARA REFLEXÃO
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1 comentário:
Bem "apanhado" post... e daqui a mais 150 anos?
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