14 maio 2005

título qualquer serve

Algumas notas sobre a poesia que hoje se vai lendo por aí
1 Numa breve passagem por uma livraria portuguesa poder-se-á notar que raros são os livros de poesia à venda. Na mais importante livraria do Porto, e uma das maiores e melhores do país, o leitor mais curioso verificará que a estante de poesia ocupa eventualmente 2 a 3% do espaço disponível.
2 Verificará ainda que mais de 50% dos títulos em venda são edições de autor; dessas 90 a 95% são livros de estreia.
3 Prosseguindo essa melancólica pesquisa notará que os restantes volumes à venda dizem respeito a um restrito número de autores, mormente os mais prolíficos e/ou conhecidos e que eles próprios estão sub-representados, ou seja que é impossível, normalmente, comprar desses autores uma amostragem suficiente das suas obras.
4 Se porventura o leitor for por um clássico, redobrarão os seus trabalhos e aumentará o seu mal-estar: é duvidoso que arranje, p.e., uma edição das canções de Camões, sequer alguma recolha dos seus sonetos. Encontrará sobretudo poetas do século XX, não todos, claro, nem sequer muitos e provavelmente nem de Fernando Pessoa encontrará as obras completas, seja em que edição for, desde a da Ática até às mais recentes.
5 Sempre dentro desta livraria, a melhor, repete-se, do Porto e uma das duas ou três melhores do país (exceptuamos o caso especial da Atlântica, da Madeira), poderá o leitor cabisbaixo encontrar duas ou três revistas de poesia ( vg a Relâmpago, se tiver saído ultimamente algum número, ou então mais uma dessas marginais e clandestinas que some durar o tempo de um suspiro) mas de certeza que não encontrará mais do que isso.
6 Mas suponhamos que antes, o leitor, tenha tentado saber o que é que se publica no ramo “poesia & correlativos”. Suponhamos, ainda que, dementado pela idade ou por exemplos malsãos vindos da estranja, queira o leitor consultar um jornal, ou vários, e procure o que costumava chamar-se o suplemento literário. Descobrirá estupefacto que anda à procura de gambuzinos (é com u ou só com o?) e que fora o caso pobre, pobrete, tristonho e toleirão do “Público” suplemento literário é mais raro que o lince da Malcata.
7 O mau humor que insidiosamente o vai tomando crescerá quando notar que mesmo no pomposo mil folhas, poesia é quase tão rara quanto receitas de cuscus à Narcisa. Ou melhor, pode ocorrer que se fale de algum poeta, mormente dos do costume (Ramos Rosa, Hélder, Cesariny Júdice, Graça Moura et alia) se porventura publicaram alguma coisa e há espaço de sobra no jornal por falta de editora que queira pagar a publicidade de alguma última pachochada que publicou. E quando se fala de poesia não se está a falar da publicação de um poema mas apenas da notícia critica de um livro. Poemas é coisa de que o cronista já se não lembra de ver em letra de jornal.
8 Esta litania lúgubre demais para madrugada de Sábado podia ir até ao numero 100, o mesmo é dizer, ja que estamos em Maio, que dava para um terço inteiro bem puxado por duas tias velhas e respectiva empregada de dentro. Vem um pouco a propósito da confissão do Anto que tem na gaveta ( e eu bem o sei…) poemas que enchiam uma camionete de carga.
9 Os incursionistas tiveram oportunidade de o ler, anda por aí um poema dele com mais comentários que o Mourinho e o Chelsea juntos, o homem publicou um livro na falecida mas saudosa Centelha que em poucos anos e à sua conta pariu umas seis ou sete dezenas de livros de poemas, em edições generosas ( entre 1500 e 2000 ex) a preços de saldo, unindo fraternamente gerações, escolas e estilos. A crítica foi simpática, e justa, há que dizê-lo, pelo que tudo levaria a pensar que bastaria ele querer publicar e zás apareceria um editor, um pouco alucinado, claro mas editor apesar de tudo, fazendo as suas contas e achando que valia a pena correr o risco.
10 Mas não. Neste momento em Portugal tirando a Assírio e Alvim e a Caminho não há editora que se atreva com a poesia. Bom, há, de facto, escondidas pela província, umas pequeníssimas casas de poesia que editam. Normalmente editam os poetas do seu circuito, muitas vezes em sistema de auto-edição. Trata-se de iniciativas estimáveis, que merecem apoio ( e o apoio é comprar-lhes os livrinhos…) mas que lutam contra tudo. Não têm distribuidora, e se a têm lá se vai quase todo o “lucro” (isto é um modo de falar: lucro, o que se chama lucro, népia… mas vocês percebem…), as edições são minúsculas e o cansaço chega ao fim de poucos anos ou mesmo de alguns meses.
Ora:
Se não há editoras
Se só se editam os consagrados
Se não há revistas onde se publique um poema, uma nota de leitura, sequer um aviso: “comprem que é bom”
Se não há páginas literárias nos jornais
Como é que querem que se saia do deserto em que estamos a perder-nos?
Como é que um jovem poeta pode saber se o que escreveu vale a pena, se escreve para a gaveta, para a namorada que o acha esquisito, para a tia velha que preferia um soneto, para um par de caridosos amigos que lhe recomendam faz antes uma letra em inglês para uma banda que desafina em vilar de mouros?
Como é que se afina a pontaria, se obtém oficina, se apanha um porradão, vá mas é escrever recitas de bacalhau à biscainha, seu palerma!… ?

Felizmente, dirá alguém, há um blogue amigo, aí ao menos há um par de leitores, sempre é melhor do que nada… bla, bla, bla.
Claro que também há outra receita para o candidato a glória das letra pátrias: mete-se na quinta do não sei quê ( e não sei mesmo, desculpem lá, mas falo daquela onde andou o malacueco do Marco de Canaveses e onde anda a Cinha Jardim) e à saída basta dizer que tem um livro que logo aparece editor. Ou ir para modelo, com mamas exuberantes e siliconadas, que são dois argumentos de peso para qualquer editor. Ou frequentar as revistas do coração… Ou ser locutor ( melhor locutora) de televisão.
Tirante isto o melhor é dedicar-se à prosa. Escreve a lista das compras uma vez por semana e munido desse precioso pedaço de papel vai ao hiper mais próximo, merca o que tem de mercar e no fim deita a folha inútil e imprestável no recipiente onde também se põem uns bilhetes com o nome e morada para nos sair uma viagem ida e volta à dominicana com meia pensão. Às tantas pode mesmo sair e já se ganhou qualquer coisa.

PS: de vez em quando sinto saudades do desaparecido Carteiro que agora, parece, está de recoveiro lá pelo Marco. É que ele, de vez em quando, aparecia assim: amarelinho e merencório como hoje apareço.
Se isto fosse a farmácia ou o Bonheur, proporia, como antídotos: o Le Monde das sextas feiras e respectivo suplemento literário. O El País de sabado e o suplemento Babélia. O ABC dos sábados e o suplemento cultural. Etc... etc...
Frau Kamikaze: Haben Sie das gesehen? Diese schoene Farben?
Isto é para prevenir os incautos que vem aí poesia da Alemanha. Viel Gluck! Schuss!

8 comentários:

M.C.R. disse...

O texto está cheio de gralhas pelo que vos peço as maiores desculpas. Se calhar foi da minha má disposição...
Não me atreveria a comentar-me a mim próprio não fora dar-se o caso de, hoje, com o Público, oferecerem aos leitores "os poemas da minha vida", no caso a do dr Mário Soares.
Tenho por esse Grande Senhor um enorme respeito, muito carinho e uma dose cavalar de reconhecimento. Fui seu adepto desde o primeiro momento da célebre campanha, fiz comícios, escrevi no "Belém", chorei como um carneiro quando ganhámos, enfim, um desastre. Quando o encontro atiro-me ao pobre cavalheiro que lá me vai fazendo o favor de se lembrar do meu nome e me dizer duas a abater.
Mas o que é demais, é demais! Agarrarem num homem inteligente e, provavelmente, no único político português conhecido e reconhecido além fronteiras e pedirem-lhe uma escolha de poemas que aprecia, não lembra ao mafarrico. O Dr Soares, coitado, lá se desenvencilhou como lhe foi possível e o resultado é uma (muito) pouco exaltante escolha do que de mais óbvio há na nossa literatura. Com duas excepções ( ou três, que estou generoso...) cabia no livro de português do antigo 2º ciclo dos liceus, no tempo da velha velhíssima senhora. Trata-se de uma receita de facilidade que não valia a pena editar por serem estes justamente os poemas que mais aparecem por aí...
E se o respeitável (e acocorado Público) gastasse este cacau num concursinho aberto à rapaziada que anda por aí inédita ou quase, sendo o prémio justamente a edição dos versinhos concorrentes?
Porque esta colecção é para continuar, mas desta vez, pagantibus, claro, que os cavalheiros do eng. Belmiro não andam aqui a dar bodos aos pobres.
Sabem que mais? Apetece-me terminar com uma citação de uma versalhada muito pândega e muito obscena:
,,mas lembrando-se da
esmerada educação
que recebera na Suiça
engoliu o "porra"
e disse "CHIÇA"!!!

mcr, pregador em desertos pátrios

Primo de Amarante disse...

Oportuno. Um abraço

Amélia disse...

Bem, aqui na pequena cidade de Leiria há boas livrarias onde se encointra relativamente bem representada a poesia...não tanto como a prosa, mas pode encontrar-se
a muito boa e a muito má poesia que se vai publicando...
Lembro também que hoje já há mais editoras a apostar na poesia,para além da Caminho e da Assírio que refere - por exemplo, a Relógio d'Água, a Cotovia e, mais a norte, a Quasi,só para lembrar algumas...
E suponho ter lido haver no Porto
uma livraria só de poesia...Ou será noutro sítio?
Bem certo que nem todos conseguem publicar a boa poesia que fazem - e outro publicam, sabe-se lá como, a muito má...
Não sou assim tão pessimista, como vê...:)
E depois há excelentes poetas a publicar na blogosfera...espaço de liberdade.Também aí há muito maus...Mas garanto ter conhecido alguns de excelência ainda não publicados em livro.E há as pequenas revistas de poesia que vão sobrevivendo, a custo.Cito, por exemplo, a DiVersos, de que saiu já um nº8 e está ligado a poetas portuenses, por sinal.Um pouco artesanal -não tem distribuidora, funciona muito à besse de assinaturas, mas persistente e de qualidade.E aberta a autores inéditos.

Um abraço amigo

Primo de Amarante disse...

Geralmente, as edições de livros de poesia são de 1.500 exemplares. Depois de se retirar os que por lei é obrigatório oferecer (cerca de 200)ficam 1300. Destes, estão vendidos 700. Há no País este número de leitores "compulsivos" de poesia. Naturalmente, isso reflecte-se na oferta das livrarias.

M.C.R. disse...

Não citei de facto a R.A e aCotovia,simpatiquissimas tão pouco a Quasi e mais as que ficam no tinteiro. Ocorre, porém, que em comparação com os anos 60/70 (Portugália, Morais etc...), publicam metade ou menos. E nas revistas não citei a Mealibra ou as institucionais Colóquio e Tabacaria. Mas, de facto, o problema subsiste: há cada vez menos edição de poesia. E, compadre Esteves, essas edições de 1500 andam a reduzir-se e de que maneira. Já me falaram em 500 ex.!!! Quinhentos.
Depois, nada substitui os pequenos espaços de jornal onde a medo se publicava, entre amigos quase, mas com imediato feedback. Isto é que dava oficina, permitia corrigir erros, aprender. Foi isso que se perdeu.
Folgo em saber que Leiria foge á regra de estupidificação massificante e que, milagre, tem livrarias que se podem visitar. Não tarda nada vou aí em peregrinação jubilosa porque as livrarias são um pouco a minha casa e um dos sonhos que tive e que muito imperfeitamente cumpri, ainda que por pouco tempo.
Quanto á blogoesfera, claro que é bom, mas há que ter em conta que ainda está muito compartimentada e que, por isso, não substitui o suplemento cultural de jornal pequeno, médio ou grande.
Um abraço

M.C.R. disse...

Não citei de facto a R.A e aCotovia,simpatiquissimas tão pouco a Quasi e mais as que ficam no tinteiro. Ocorre, porém, que em comparação com os anos 60/70 (Portugália, Morais etc...), publicam metade ou menos. E nas revistas não citei a Mealibra ou as institucionais Colóquio e Tabacaria. Mas, de facto, o problema subsiste: há cada vez menos edição de poesia. E, compadre Esteves, essas edições de 1500 andam a reduzir-se e de que maneira. Já me falaram em 500 ex.!!! Quinhentos.
Depois, nada substitui os pequenos espaços de jornal onde a medo se publicava, entre amigos quase, mas com imediato feedback. Isto é que dava oficina, permitia corrigir erros, aprender. Foi isso que se perdeu.
Folgo em saber que Leiria foge á regra de estupidificação massificante e que, milagre, tem livrarias que se podem visitar. Não tarda nada vou aí em peregrinação jubilosa porque as livrarias são um pouco a minha casa e um dos sonhos que tive e que muito imperfeitamente cumpri, ainda que por pouco tempo.
Quanto á blogoesfera, claro que é bom, mas há que ter em conta que ainda está muito compartimentada e que, por isso, não substitui o suplemento cultural de jornal pequeno, médio ou grande.
Um abraço

Amélia disse...

Se, e quando, vier a lewiria, contacte-me.Não há livrarias com grandes fundos antigso, mas, como disse, não preciso de me deslocar a outros lados para comprar o que quero - em cada tr~es dos muitos livros que vou adquirindo,dois são, seguramente, de poesia.Eu sei que as edições de poesia s~ºao, regra geral, de reduzido nº de exemplares.Mas a verdade é a que de romances não promovidos pelos l´media e os críticos ao serviço dos grandes editores, também não se fazem, regra geral, mais de 2000 exemplares...segundo me consta.E depois, há, como para os romancistas,os mais ou menos «oficiais» promividos, muitas vezes sem grandes méritos ou mesmo nulos, a grandes da poesia ou da prosa actuais...e não digo nomes, pois cada um de nós saberá a quem é possível aplicar o que digo...

M.C.R. disse...

Vamos por partes, companheiros leitores (mais do que eu esperava...)A vossa memória é eventualmente curta e esquecem duas coisas: as editoras do "antigamente" tinham verdadeiras secções de poesia e isso dava para cada uma mais de uma dúzia de edições novas por ano. Se quiserem exemplos eu dou. As revistas, por todas a Vértice saíam mensalmente. Mensalmente!!! Os suplementos dos jornais eram semanais!!!
Há 25 anos também, já havia a & etc... e, caríssimo Rui do Carmo, chegou mesmo a haver uma belíssima revista com o mesmo nome. A simpática quasi, como a extinta Pedra Formosa e outras que por aí andem publicam anualmente um terço do que, por exemplo, publicava a Moraes.
Desculpem a insistência: eu sou um leitor compulsivo e um comprador ainda mais...E não falo apenas de poesia portuguesa, falo da francesa, roída pelo mesmo mal e da italiana, idem. Os espanhóis, vá lá que se aguentam: muita revista, boa parte delas institucionais, e apreciavwel numero de colecções. tomaramos ter cá por exemplo uma "Visor de Poesia"...
Por outro lado decresce absolutamente o número de livrarias e as grandes (Fnac ou Bertrand) limitam as compras, seleccionam os autores em nome do lucro possível.
Dests panorama salva-se quase sozinha a Leitura no Porto.E não me estou a esquecer da "ler devagar" nem da Buchholz.
digam-me quantos estreantes, em edição pobrezinha conseguem encontrar, vá lá façam esse exercício...
De todo o modo aagradeço as vossas correcções. Acho que ainda vou ter de estudar isto muito a sério.
abraços