A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer
Sem fé, ouso pensar a vida como uma errância absurda a caminho da morte, certa. Não me coube em herança qualquer deus, nem ponto fixo sobre a terra de onde algum pudesse ver-me. Tão pouco me legaram o disfarçado furor do céptico, a astúcia do racionalista ou a ardente candura do ateu. Não ouso por isso acusar os que só acreditam naquilo que duvido, nem os que fazem o culto da própria dúvida, como se não estivesse, também esta, rodeada de trevas. Seria eu, também, o acusado, pois de uma coisa estou certo: o ser humano tem uma necessidade de consolo impossível de satisfazer.Como posso, assim, viver a felicidade? Procuro o que me pode consolar como o caçador persegue a caça, atirando sem hesitar sempre que algo se mexe na floresta. Quase sempre atinjo o vazio, mas, de tempos a tempos, não deixa de me tombar aos pés uma presa. Célere, corro a apoderar-me dela, pois sei quão fugaz é o consolo, sopro dum vento que mal sobe pela árvore.Debruço-me. Tenho-a! Mas tenho o quê, entre estes dedos? Se sou solitário - uma mulher amada, um desditoso companheiro de viagem. Se sou poeta ou prisioneiro - um arco de palavras que com assombro reteso, uma súbita suspeita de liberdade. Se sou ameaçado pela morte ou pelo mar - um animal vivo e quente, coração que pulsa sarcástico; um recife de granito bem sólido.Sendo tudo isso, é sempre escasso o que tenho!
Sem fé, ouso pensar a vida como uma errância absurda a caminho da morte, certa. Não me coube em herança qualquer deus, nem ponto fixo sobre a terra de onde algum pudesse ver-me. Tão pouco me legaram o disfarçado furor do céptico, a astúcia do racionalista ou a ardente candura do ateu. Não ouso por isso acusar os que só acreditam naquilo que duvido, nem os que fazem o culto da própria dúvida, como se não estivesse, também esta, rodeada de trevas. Seria eu, também, o acusado, pois de uma coisa estou certo: o ser humano tem uma necessidade de consolo impossível de satisfazer.Como posso, assim, viver a felicidade? Procuro o que me pode consolar como o caçador persegue a caça, atirando sem hesitar sempre que algo se mexe na floresta. Quase sempre atinjo o vazio, mas, de tempos a tempos, não deixa de me tombar aos pés uma presa. Célere, corro a apoderar-me dela, pois sei quão fugaz é o consolo, sopro dum vento que mal sobe pela árvore.Debruço-me. Tenho-a! Mas tenho o quê, entre estes dedos? Se sou solitário - uma mulher amada, um desditoso companheiro de viagem. Se sou poeta ou prisioneiro - um arco de palavras que com assombro reteso, uma súbita suspeita de liberdade. Se sou ameaçado pela morte ou pelo mar - um animal vivo e quente, coração que pulsa sarcástico; um recife de granito bem sólido.Sendo tudo isso, é sempre escasso o que tenho!
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Stig Dagerman, A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer- Fenda ed.1995
4 comentários:
Belíssimo Amélia. Até eu já tinha reparado no livrinho (inho porque, em tamanho formal, é de facto muito pequenino... :)
Obrigada pelo belíssimo texto.
A procura da felicidade deve ser quase tão antiga quanto a existência do ser humano. Mas parece-me que o seu formato actual é quase obsessivo. Parece que estar sempre “feliz” é uma obrigação social. Eu compreendo que se veja a insatisfação como impeditiva da felicidade. Todavia, tenho para mim que a insatisfação é um dos motores das vida e esta, para além de ser composta de alegria, êxtase, felicidade, …, é-o também de dor, sofrimento, angústia. Faz tudo parte do pacote. E é isso que é belo. Só por termos frio é que damos valor ao aconchego de uma aragem morna e só porque temos calor sentimos como um alívio a aragem fresca.
...ser descontente é ser homem
triste de quem é feliz
vive porque a vida dura
nada na vida lhe diz
mais que a lição de raiz
ter por vida a sepultura...
Tudo versos de F.Pessoa - na tão mal entendida Mensagem...
Não conhecia o texto, Amélia. Obrigada por trazê-lo.E você tem razão quanto à insatisfação do homem.
Beijos,
Silvia
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