05 julho 2005

Li no barbeiro

No barbeiro lê-se de tudo. Até uma folha solta do “Público”, com um artigo de opinião do Luís Salgado Matos sobre o “Arrastão" do 10 de Junho. Opina o dito que a tal operação (que aliás não houve) tivera lugar no 10 de Junho, porque a segunda geração de imigrantes quisera demonstrar, ao escolher aquela data, a sua rejeição dos valores (ou qualquer coisa assim) cá do nosso Portugal. Como ele conseguiu falar com os ditos, tão rapidamente, para retirar esta conclusão, é que obra. A menos que seja uma chapa, agora muito em voga na Europa. E então é mais ou menos assim : os imigrantes podem viver cá, claro, mas desde que aceitem os nossos costumes (cabelinho bem cortado, como o meu, ver televisão, ler o Expresso e o Público e nada de “raps”, nem outras pretalhadas). Um bom favor, assim até o Klu-Klux-Klan era anti-racista ! Uma das condições pelos vistos é gostar do 10 de Junho. Embora sendo branco (juro que o escuro é da praia !), sinto-me em perigo. É que se há coisa que não gosto mesmo nada é daquele espectáculo grotesco do 10 de Junho, que é e será sempre o “dia da raça”. E para mim, raça só há uma a bovina mirandesa e mais nenhuma !

8 comentários:

M.C.R. disse...

Caro amigo:
Gostaria de estar de acordo consigo e zurzir, uma vez sem exemplo, no L.S.M. mas temo bem que V. tenho lido o texto demasiado depressa. Não que eu o recorde mas tão só porque não é de certeza, e conheço LSM bem, o pensamento do autor. E mesmo que fosse... o problema existe.
V. põe um problema importante em discussão: a 2ª geração e nós. Ou: a 2ª geração e o país onde se encontra. Porque o problema não é intrinsecamente português e tem sido detectado por essa Europa fora. As segundas gerações africanas e árabes ( não só do Magrheb) têm sentido dificuldades em assumir-se como cidadãs dos países ditos de acolhimento. O pior é que também não tem raizes nos países de onde os pais vieram (ou eles próprios ainda bébés).
Pessoalmente só posso falar de França, Alemanha e Itália e, sobretudo, por leitura e por discussões na televisão. Suponho porém que deve chegar para o ponto que, com a sua ajuda, pretendo discutir: como é que se integram as minorias emigrantes que por uma razão ou outra (cor de pele, religião) se sentem inferiorizadas no país onde habitam? O que é que devem os cidadãos desse país (e as autoridades) fazer? Como é que se previne, combate e supera a exclusão?
Entre nós o problema radica quase só nos emigrantes africanos e mesmo aí, se o que leio, e sei, está certo, há que excluir a imensa maioria dos cabo-verdianos.
Comecemos por temperar a minha referência á cor e à religião. De per si não me parecem especialmente importantes. Todavia começarão a sê-lo se lhe juntarmos a pobreza, a falta de escolaridade, o ghetto urbano onde (sobre)vivem. Bairros marginais geram habitantes marginais? Sim se o núcleo familiar não funcionar - e não funciona na esmagadora maioria dos casos - e o sentido comunitário se transferir inteiramente para o gang.
Aliás isto mesmo, ou algo de semelhante, sucedeu, em pequena escala, nas comunidades portuguesas mais pobres emigradas no leste americano. Ou pelo menos foi isso que me pareceu quando li uma série de reportagens sobre jovens açorianos deportados dos EUA para as ilhas.
Claro que quando há actividades criminosas praticadas por minorias, aparece logo quem agite o espantalho xenófobo e racista. São ciganos, são pretos, as putas são brasileiras e por aí fora. A justa indignação contra estas faceis associações pode, porém, fazer esquecer a questão principal: a existência de gangs de jovens negros e percentagem relativamente importante de jovens ciganos no pequeno tráfico de droga. Ou outra coisa ainda pior: a recusa autista em constatar que há um problema de integração e não há - pelo menos visível - um esboço de solução.
Eu não sei se houve arrastão ou não. Se o houve, duvido muito que tivesse quinhentos elementos. Pendo mais para os cinquenta e mesmo assim... Agora que na linha há grupos de jovens negros a roubar com violência, há que já os vi. E nem sequer vivo em Lisboa mas no Porto.
E de novo a integração. Vejamos: V. acredita mesmo que é possível viver num país sem estar minimamente integrado. social e culturalmente? Vamos põr de lado o 10 de Junho e a tese que o "arrastão" foi uma conspiração! Jovens deficientemente escolarizados desconhecem tais subtilezas. E se porventura soubessem o que é o 10 j (coisa que boa parte dos portugueses também não conhece lá muito bem...) duvido que se dessem ao trabalho de o celebrar dessa maneira. O que poderá ter ocorrido - se ocorreu... - foi bem mais simples: num feriado as praias enchem-se. Parece-me uma boa ocasião para roubar. Com ou sem arrastão.
Resumindo: enquanto houver minorias que se identifiquem facilmente, que vivam mal e em situação de de desenraízamento, haverá perigo de marginalidade. Tal perigo será facilmente reconhecido e amplificado por xenófobos sobretudo em épocas de crise económica (roubam-nos os empregos...)
As coisas pioram se, aos olhos dos nativos, as minorias raciais forem comparadas com a emigração de leste (brancos altamente escolarizados, com grande capacidade para aprender português e desejo de rapidamente se integrarem) ou com as outras minorias (indianos e chineses) que tradicionalmente se apoiam em laços familiares muito fortes e em esquemas aperfeiçoados de entre-ajuda.
Por hoje, e a esta hora má, é o máximo que consigo. continuaremos?
um abraço

Amélia disse...

...mas qual arrastão? Afinal aconteceu ou não?E a responsabilidade dos jornais, TVs em caça ao «escãndalo» e ás emoções fáceis? E a responsabili
-dade de tantos comentadores?

josé disse...

Pois cá voltamos à "charla", caro MCR.
Concordo com o que escreve no texto, para acresentar que há um aspecto prosaico que merece atenção e algum desvelo sociológico: por que razão, certas minorias étnicas, como uma boa parte dos pretos e ciganos, são avessas ao trabalho braçal e mesmo intelectual intensivo?
Será apenas porque se sentem excluídos?! Ou haverá algo mais, provindo de uma ancestralidade cultural, feita de valores e códigos diferentes?
É sabido que na África o problema da exclusão assume contornos diferentes e o modo de viver é diferente e não passa pela azáfama diária de um ritmo de trabalho intensivo que faz de nós escravos do labor e que originou a palavra trabalho, vinda directa e encobertamente de "tripalium".
A natureza é generosa demais, para os padrões europeus e ocidentais e no entanto, morre-se de fome...

Por cá, as primeiras gerações que vieram de Cabo Verde, não tinham desses problemas, contudo. Tinham outros e seriam mesmo o exemplo literal do original significado, literal,da palavra trabalho, pela ausência de direitos e regalias sociais.

O que se passou entretanto, para que hordas de jovens adultos não se inserissem no "mercado" de trabalho e prefiram deambular por locais mais aprazíveis e de esforço zero?
Parece-me que essa parte do problema nunca tem sido abordada e pelo contrário, numa noção de um politicamente correcto que já se vai tornando tarde em abandonar, procura-se focar o problema do ponto de vista de certas ideias de igualdade e solidariedade e de miopia social que tudo nivela e desculpa para que ninguém possa sequer ser suspeito de xenofobia e racismo que como todos sabem são as novas palavras proibidas e usadas a la gardére pelas anas dragos deste país á beira-mas plantado.
Fico por aqui, para acrescentar apenas este ponto de reflexão:
Alguém, alguma vez, a sério se preocupou com a integração social dos ciganos, para além do bodo que consiste o rendimento mínimo que agora até se chama de inserção social?!
Porquê?!

M.C.R. disse...

Em África, ou na áfrica que conheci de lá ter vivido e de, depois, lá ter regressado em férias prolongadas, os nativos trabalhavam que nem mouros. Duramente!...
Os negros que fui conhecendo depois eram obviamente intelectuais pelo que era esse o seu trabalho. Nada despiciendo.
Em África a generosidade da natureza é balela. A terra é pobre, e por isso a agricultura deveria ser feita, como recomendava R. Dumont (L'afrique noire est mal partie) por afolhameento e com recurso a instrumentos leves. Pouco ou nada de tractores, por exemplo. O que acontece é que a África fornece um determinado número de produtos que a Europa não tem e que por isso foram, em seu tempo, caros: como a África os fornecia ficou a ideia de que lá tudo crescia á tripa forra. Tal ideia consolidou-se com as notícias dos "colonos" que enriqueciam depressa. Enriqueciam é um facto mas á custa duma mão de obra barata e em regime de trabalho quase forçado. Quando quiserem, falaremos também disso.
É natural que trabalhar muito para receber pouco despertasse a resistência passiva do "preto" "preguiçoso".
Meu caro José V. nem imagina o trabalho duma lavra africana... claro que são muitas vezes as mulheres quem se entrega ao trabalho agrícola preferindo so homens as actividades piscatórias e venatórias ou actualmente a indústria. Mas posso garantir-lhe que trabalhar trabalham.
Claro que há uns espíritos bondosos anti-colonialista que acham o preto um coitadinho mesmo quando este arreganha o dente e morde. É o sindroma Anadrago. Deixemo-la de lado e continuemos: a Europa precisa de emigrantes como de pão para a boca. Nem que sejam pretos! Agora se os quer tem de os integrar. Como eles, aliás têm de se integrar. E de não fazer apelo às culturas como se isso fosse um talismã. Por exemplo na Europa não deve ser permitido a ablação do clitoris seja isso o mais sagrado (e não é) de certas culturas.
Pela mesma razão sou contra o uso de simbolos religiosos na escola, sejam eles o lenço na cabeça, a boininha do judeu ou a cruz ostensiva.
Por isso mesmo dou razão a um qualquer governante belga que se recusou a almoçar com uns iranianos que não bebiam cerveja nem aceitavam que a bebessem á frente deles. À mãezinha que os põs. E depressa. Eu, se fosse a um país desses que proibem o álcool, também não ia exigir que mo dessem a beber.
Ou por outras palavras: não faças aos outros o que não queres que te façam e não deixes que te façam o que os outros não querem que lhes seja feito. De acordo?
NB: a Lagardère: desenvoltamente.
Vem de Lagardére, nome de um herói de Paul Féval, espadachim destemido e conhecedor do bote de Nevers. Sou mesmo capaz de o emprestar a quem provar ser pessoa de bem... Também tenho, compradas pela mesma altura, na Barateira de Lisboa, as obras de Ponson du Terrail. Ah o que eu li quando era menino, na biblioteca municipal da Figueira da Foz...

josé disse...

Ora bem. Lagardère, sim senhor! e não a la gardère, não senhor.Embora a la, seja à maneira de...e a la La....oh la la!

A sério:
Nunca estive em África, pelo que falo de cor e de acordo com o que ouço e leio. O meu pai esteve e conta-me o que eu sinto que poderia ser o que escrevi. Alguns familiares directos, passaram anos e anos na Zâmbia colonial do tempo de Ian Smith e fizeram a transição para o poder actual. A impressão que têm é a mesma! E contam histórias que me convencem do que escrevi.
A África sub sahariana, em geral, tem um problema e não é da terra...mas dos seus habitantes.
A riqueza só se produz com trabalho, quando não existe à mão de semear, parece-me bem. Em Moçambique não existe. Em Angola e na Nigéria existe, à distância de uns furos na terra e no mar. A África do Sul é um exemplo do que se fez com trabalho.

Demasiado simplista ou apenas realista?

M.C.R. disse...

Ora bem: a Zâmbia.Meu caro V. estará enganado. O Ian Smith é do Zimbabwe. A Zambia é um país mineiro enquanto o Zimbabwe é um país essencialmente agricola.O primeiro chamava-se Rodésia do Norte e o segundo, penúltimo grande bastião de um racismo a outrance, chamava-se Rodésia do Sul e faz fronteira com Moçambique. Aqui, se é deste que se fala, é verdade que a terra (as altas terras) eram bastante produtivas o sistema das farms era de facto notável. Por acaso havia uns trabalhadores pretos e uns patrões brancos. Quanto ao regime, punhamos que na Africa do Sul havia mais esperança para os negros...
Actualmente o Zimbabwe é dirigido por um canalha por acaso preto retinto chamado Robert Mugabe. O país está a ser sistemáticamente destruido por este ditadorzeco que é um acabado exemplo de f.d.p.. A partilha das terras que se está a levar a cabo é uma enormidade jurídica, política e económica. As farms eram entidades vocacionadas para uma espécie de agro-indústria que. divididas em pequenos lotes, serão ruinosas.
Como V. vê eu não alinho com burrices mesmo se disfarçadas por um discurso pretensamente de esquerda.
O que penso é que estas farms deveriam e poderiam continuar a ser geridas pelos antigos patrões a que se associariam os trabalhadores necessários. As reformas agrárias só são boas se contribuirem para a riqueza geral e individual.
Quanto ao problema da África sub-sahariana é só um: tem uma dívida imensa que já pagou onze vezes. Todavia a dívida cresce. Tem outro problema: os tiranetes prosperam com apoios vários sobretudo europeus e americanos (para já não falar dos saudosos soviéticos e dis chineses de outra época). De vez em quando aparece um tipo exclarecido que pode ganhar a primeira mas que será liquidado á segunda. Basta ler os jornais. é claro que às vezes há um Mandela mas isso releva do milagre.
Mas na Europa também não vejo grandes milagres e os americanos têm o Bush.

josé disse...

Tem razão em parte, meu caro MCR.
A Zambia só o passou a ser, depois de 1964. Mas antes fazia parte da grande Rodésia, neste caso do Norte e será ainda desse tempo que me contam histórias. O Ian Smith surge nessa altura a tomar as rédias da Rodésia do Sul, tornando-se independente do colonizador. O nome Zimbabwe, para o sul da Rodésia surge apenas no final dos anos setenta, com a independência e o fim do Ian Smith, o grande rodesiano que queria ser um Pedro o Grande e acabou afastado pelos Mugabe e outros N´Komo. Mas isso só aconteceu em 1980 e o que me contam, ainda ressoa ao tempo em que começavam os primeiros "turras" no norte de Angola...

A terra a que me referia era mesmo a Zambia, de Lusaka, antiga Rodesia do Norte, do tempo do Ian Smith.
Sobre este e para não me enganar, consultei este sítio onde se pode ver que em 1962 já o Smith tinha um pé bem assente na política rodesiana com a formação de um partido e em 1964 acabou primeiro ministro da Rodesia do Sul, tornada Zimbabwe em 1980!

Obrigado pelo esforço que me obrigou a fazer.

M.C.R. disse...

E continuo a obrigá-lo para me "vingar"do que V. me faz passar. Ora e por partes:
a) as Rodésias separarm-se em 1924...
b) o Ian Smith é e foi sempre sul rodesiano, não tem nada a ver com a R do Norte, hoje Zambia.
c) a Zambia é do ponto de vista agrícola, pobre.
d) do ponto de vista mineiro, a RN ou Zambia deve a sua prosperidade anterior á independência ao trabalho mais ou menos forçado nas minas. Para isso basta ler os relatórios publicados pelo conspícuo ministério das colónias britanico.
e) eu já aqui disse, oh que risco!, que a situação dos negros nestas duas parcelas do sonho de Cecil Rhodes era pior do que na pátria do apartheid, onde este permitia (!!!???) a eclosão de uma burguesia negra separada.
f) um trabalhador forçado, na África, na Rússia, ou em Portugal é sempre um trabalhador pouco diligente (e meço as minhas palavras...). a preguiça negra é um tópico. Igualzinho à preguiça das 2classes baixas" durante a era vitoriana.
g) dêem a um trabalhador, negro, branco ou verde, uma hipotese de ganhar bom dinheiro se trabalhar bem e digam-me depois o que acontece. aliás, os meus pais viveram em Moçambique 18 anos, sempre com os mesmos tr~es serviçais que eram ligeiramente mais bem pagos que os dos vizinhos. toda a gente nos invejava: era o cozinheiro que era óptimo, o mainato que passava a ferro como ninguém, o moleque que trazia a casanum espelho etc,. etc... A minha mãe nem sequer respondia a estas burrices. Sabia que não valia a pena. Também nem já informava que lá em casa não se tratavam os empregados por tu, que eles comiam o que nós comíamos e que se lhes pedia qualquer coisa por favor...
Ai,meu caro José se eu lhe contasse o que vi nos poucoa anos que lá passei. V. nem ia acreditar...
Tudo isto dito, não quero porém deixar de lhe dizer que também eu me espanto da falta de políticas positivas (toma lá dá cá) que permitam destrinçar o trigo do joio e recompensar quem merece. Mas isso custa-me diz~e-lo não se aplica apenas ás minorias raciais. Estamos na época do bodo, da desculpa, da não cidadania, do facilitismo. e isso vê-se em tudo: na escola, no emprego, na aceitação das pequenas patifarias que nos fazem diariamente as repartições, a EDP aTelecom, a Optimus, a Netcabo ou a lojeca da esquina.
às vezes penso que é uma sorte não ter filhos. Veja lá, um tipo de esquerda a dizer esta barbaridade. Um abraço