A ANGÚSTIA DO ESCRIBA NO MOMENTO DE TELFONAR
Queixam-se os meus amigos (e amigas) da minha absoluta e patética falta de naturalidade ao telefone. Que eu, do outro lado da linha, despacho monossilabicamente a conversa mais amena e respondo com grunhidos, onomatopeias, gaguejos e outros sons de igual e ignominiosa impedância à sua verve solta e amável.
Eu pecador me confesso: nunca atinei com semelhante instrumento em má hora inventado pelo dr. Bell. Assusta-me a som estrídulo da campainha, tenho sempre de fazer violento esforço de meninges para saber para que lado se fala, dou esticões ao objecto, mudo de mão e de orelha várias vezes, tropeço metaforicamente no fio, acendo canhestramente um cigarro, queimo, no acto, um dedo, deixo cair cinza no sofá, faço gestos com a mão que segura o auscultador, seca-se-me a boca, faltam-me o ar e as palavras.
Nunca fui capaz de fazer uma chamada do estrangeiro. À vista de uma cabine com a indicação "internacional" apodera-se de mim uma indizível comoção e um indisfarçável pânico. Começo a suar, aumentam-me, alarmantemente, as pulsações, turva-se-me a vista e zumbem-me os ouvidos.
Uma única vez consegui penetrar numa dessas temíveis jaulas. Foi em Roma, no Verão de 75. Tinha de entrar em contacto, sem falta, com uma habitante de Amsterdão para combinar os pormenores finais de um encontro em Trieste. Que epopeia! Durante cerca de uma hora rondei pela Via Veneto a ganhar coragem, olhando de soslaio, e a prudente distância, a medonha construção que, por seu turno, me escancarava a porta com o mesmo ar de ternura com que o lobo avalia o cordeiro tenro e inocente.
Tomei dois cafés (espressi, stretti) e um campari para ganhar alento. Tropecei num passeio e escrevi, em números garrafais, em meia folha de almaço, o número indicativo do acesso, o do indicativo dos Países Baixos, o da zona e finalmente o do telefone propriamente dito que, para cúmulo, requeria pedido de ligação a uma extensão. Arranjei as moedas convenientes e, conhecedor da minha natural inépcia, dobrei, previdentemente a dose.
Com o bolso da leve camisa de verão quase a rasgar de tanto cascalho entrei, viril e decidido, gaiola adentro, deixando uma xanata a impedir a porta de se fechar completamente. Em má hora o fiz porquanto, com um movimento gracioso mas repentino, dei tal safanão nas listas que, estas se deixaram cair, vingativamente, em cima do pé previamente descalço. Depois dos competentes gritos de dor e de ter apanhado, uma por uma, as listas salafrárias e de as ter colocado em equilíbrio instável na prateleira, comecei a introduzir as moedinhas da ordem no orifício a elas destinado. Algumas cairam para o chão e rolaram para sítios pouco acessíveis de tal modo que, ao tentar apanhar a primeira, embati com a cabeça na quina do sustentáculo do telefone.
Desta vez não gritei. Uivei e disse quatro substanciosos palavrões, em português de Buarcos, dirigidos, respectivamente ao telefone, ao inventor deste, à minha correspondente e a mim próprio. Recontei as moedas, enganei-me duas vezes, mudei de posição e comecei a ter inequívoca, feraz, vontade de urinar. Retirei as moedas, recolhi-as ao bolso já quase roto, saí da cabine, calcei o xanato e manquejei até ao Café de Paris onde me aviei no urinol respectivo, deixando, como é da praxe, uma espórtula à servente, bebi mais um café para justificar a entrada no estabelecimento e regressei ao local de provação. Voltei a meter as moedas, olhei carrancudo para as listas, prevenindo-as silenciosamente do que lhes sucederia se voltassem a acometer-me, peguei no aparelho infame com uma mão, no papel dos números com a outra enquanto, com a terceira, tentava discar. Por razões estupidamente anatómicas verifiquei que não tinha, como deveria (e como os nossos antepassados terão tido) terceira mão. Parei, olhei, meditei no problema e cheguei à conclusão que não conseguiria nunca com um pé, mesmo o ferido, substituir a mão em falta. Além do mais penso que não é legal um cidadão telefonar ao pé coxinho. Ou, sendo-o, não é conveniente. E, muito menos, elegante! Voltei a copiar os números mais abaixo na folha já mencionada, entalei-a, cuidadosamente na periclitante pilha de listas e, trocando os olhos, marquei com dedo tremente a longa teoria de números. Saiu do outro lado uma voz áspera praticando o que, hoje em dia, suponho ser turco do Azerbeidjão. Murmurei um "salaam aleikhoum" e desliguei.
Verifiquei, então, que do inicial pé de meia já só me restavam as moedas estritamente necessárias para uma chamada ultra-rápida. Refiz, já num estado segundo e deliquescente, todas as anteriores operações, rezando com muito brio e unção um "Salvé Rainha" e consegui a ligação internacional, a Holanda florida, a opulenta Amsterdão, o número certo e mesmo, imagine-se!, a ligação à extensão. Todavia a intercessão santa não teve em conta o meu já depauperado fundo de maneio e a ligação caiu por falta de metal sonante.
Desesperado emergi do ventre agoirento da cabine internacional e calcorreei ruas e praças, sob um sol de chumbo, até ao posto de correios da estação central de Roma e enviei um telegrama urgentíssimo com copioso texto onde indicava o dia de chegada a Trieste, o hotel e demais pormenores. Ficou-me a aventura canalha num pancadão de liras que, mesmo ao câmbio saudoso de quarenta centavos, depauperou a minha bolsa peregrina e lusitana. Durante dois dias angustiosos vivi o terror de não saber se o telegrama entregue à aleatória bonomia dos correios italianos chegara à destinatária e se, tendo chegado, esta conseguiria estar em Trieste no dia, hora e local indicados.
A padroeira dos telefonicamente ineptos lá se terá amerceado deste pecador em romaria pela Trieste de Svevo e Joyce (e do imperador Maximiliano, se faz favor). Tudo se compôs apesar de, quando no auge do reencontro, comíamos um gelado propiciatório, a minha prática e eficaz amiga holandesa me exprobar a desfaçatez do ultimato telegráfico. Paguei o gelado, evidentemente. E um grande ramo de flores que pelo preço deviam ser de uma colheita vintage. Sem falar na vergonha que senti quando, explicadas as minhas relações conflituais com o telefone, ela, ferina e nórdica, me lançou: "E a fechadura da tua casa, abre-la tu ou chamas o porteiro?"
Neste ponto do folhetim, perguntar-me-ão com delicado sarcasmo: "E a chamadinha caseira, vulgar, nacional, nossa, feita em casa, no choco, sem moedas nem indicativos difíceis?"
Humildemente responderei que embora sem o sofisticado grau de complexidade da internacional, sempre apresenta os seus escolhos. Eu explico-me: incapaz de decorar sequer o meu próprio número de telefone, quando pego na velhaca invenção de Bell para "comunicar" com alguém sou, da mesma feita, obrigado a socorrer-me da lista para tentar obter o número desejado. Uma vez obtida tal indicação, tenho de manter o volumoso calhamaço nos joelhos não vá eu, na minha imoderada aflição, esquecer algum dos algarismos. E começa aqui outra via sacra dado que as duas únicas mãos com que Deus e a minha mãe me fizeram estão respectivamente ocupadas com o discar e com o auscultador. Regra geral, executo uma arriscada e deprimente posição yoga fixando entre o joelho e o cotovelo esquerdos a lista enquanto o indicador da mão esquerda disca os números. A mão direita segura obviamente o auscultador, agarrando-o bem não vá o miserável esgueirar-se. A cinza acumula-se na ponta do cigarro, faz que cai mas não cai, e tomba, no preciso instante em que, num gesto audacioso mas não isento de graça, tento atirá-la para o cinzeiro inclinando a cabeça para a frente. Entretanto os olhos choram com o fumo e a "pirisca", cola-se-me aos lábios. Uma vez estabelecida a ligação ocorrem factos diversos: atendem de um armazém de grossistas de ferragens, está interrompido, é engano, caio no meio de linhas cruzadas, tocam à porta da rua...
Quando, por infinita graça, acerto começa segundo calvário: digo bom dia e já é noite cerrada, apresento-me num fio de voz e quando me retorquem "como?" sai um som esganiçado que arrepia os tímpanos do mais valente. Do outro lado vem um "Ah" misericordioso e sofrido. Entretanto espirro. Depois com a fácil eloquência de um peixe espada preto, tartamudeio ao que venho. Do outro lado sucedem-se, pressinto-o varado de vergonha, o silêncio compassivo, o riso abafado, e, por vezes, a caridade de uma frase dita lenta e distintamente como quem explica a um catatónico terminal o modo mais prático de comer a sopa sem espirrar para a toalha nem acertar com a colher no queixo.
Falam-me com uma ironia leve e contida e eu ouço-os, compungido e psicologicamente destroçado, a mão no auscultador como quem agarra uma cobra surucucu logo abaixo da cabeça tentando, desesperadamente, evitar a mordidela rápida e fatal. No meu pobre cérebro sopra um antiquíssimo simoun que varre ideias, palavras, frases deixando, em troca, uma esteira miserável de apáticos gargarejos.
Depois deste rosário de amargas recriminações, desta autocrítica instrumental é chegado o momento de inverter a jeremíada a ousar lutar e ousar vencer o comité central tecno-estrutural: "Le bigophone a la lanterne! Ah ça ira, ça ira, ça ira ..."
Pela parte que me toca, recuso-me a telefonar. O mastronço preto e tilintante está degredado. Quando me ligam atendo com brusquidão e se a voz que o fio transporta é masculina e desconhecida, informo placidamente que deste lado fala a embaixada do Irão.
As minhas relações com os CTT/TLP pautam-se por princípios simples e deflaccionários: gastam mais eles no papel da factura do que eu em chamadas locais.
É esta a minha maneira de lutar contra os monopólios.
Este texto não é inédito. Vai todavia assim mesmo para o éter e é dedicado, prima facie a Manuel Abrunhosa, meu primo que faz o favor de lhe achar alguma graça.
Vai depois, mas com a mesma dignidade ofertante, para o alegre e amável grupo de incursionistas que lhe afinfaram forte e feio no Tromba Rija. E eles são sem ordem estabelecida, Frau Kamikaze, o trio de “o meu olhar”, o casal Ana e José, Nicodemus, JCP e Rui Cardoso. Foram excelentes surpresas, e bela/os companheira/os de ágape. Espero que a minha proverbial verborreia não tenha tido a sorte auspiciada pela minha enteada Ana que, pressentia que eu regressaria a casa rouco e eles surdos. Não foi assim, pois não?
Eu pecador me confesso: nunca atinei com semelhante instrumento em má hora inventado pelo dr. Bell. Assusta-me a som estrídulo da campainha, tenho sempre de fazer violento esforço de meninges para saber para que lado se fala, dou esticões ao objecto, mudo de mão e de orelha várias vezes, tropeço metaforicamente no fio, acendo canhestramente um cigarro, queimo, no acto, um dedo, deixo cair cinza no sofá, faço gestos com a mão que segura o auscultador, seca-se-me a boca, faltam-me o ar e as palavras.
Nunca fui capaz de fazer uma chamada do estrangeiro. À vista de uma cabine com a indicação "internacional" apodera-se de mim uma indizível comoção e um indisfarçável pânico. Começo a suar, aumentam-me, alarmantemente, as pulsações, turva-se-me a vista e zumbem-me os ouvidos.
Uma única vez consegui penetrar numa dessas temíveis jaulas. Foi em Roma, no Verão de 75. Tinha de entrar em contacto, sem falta, com uma habitante de Amsterdão para combinar os pormenores finais de um encontro em Trieste. Que epopeia! Durante cerca de uma hora rondei pela Via Veneto a ganhar coragem, olhando de soslaio, e a prudente distância, a medonha construção que, por seu turno, me escancarava a porta com o mesmo ar de ternura com que o lobo avalia o cordeiro tenro e inocente.
Tomei dois cafés (espressi, stretti) e um campari para ganhar alento. Tropecei num passeio e escrevi, em números garrafais, em meia folha de almaço, o número indicativo do acesso, o do indicativo dos Países Baixos, o da zona e finalmente o do telefone propriamente dito que, para cúmulo, requeria pedido de ligação a uma extensão. Arranjei as moedas convenientes e, conhecedor da minha natural inépcia, dobrei, previdentemente a dose.
Com o bolso da leve camisa de verão quase a rasgar de tanto cascalho entrei, viril e decidido, gaiola adentro, deixando uma xanata a impedir a porta de se fechar completamente. Em má hora o fiz porquanto, com um movimento gracioso mas repentino, dei tal safanão nas listas que, estas se deixaram cair, vingativamente, em cima do pé previamente descalço. Depois dos competentes gritos de dor e de ter apanhado, uma por uma, as listas salafrárias e de as ter colocado em equilíbrio instável na prateleira, comecei a introduzir as moedinhas da ordem no orifício a elas destinado. Algumas cairam para o chão e rolaram para sítios pouco acessíveis de tal modo que, ao tentar apanhar a primeira, embati com a cabeça na quina do sustentáculo do telefone.
Desta vez não gritei. Uivei e disse quatro substanciosos palavrões, em português de Buarcos, dirigidos, respectivamente ao telefone, ao inventor deste, à minha correspondente e a mim próprio. Recontei as moedas, enganei-me duas vezes, mudei de posição e comecei a ter inequívoca, feraz, vontade de urinar. Retirei as moedas, recolhi-as ao bolso já quase roto, saí da cabine, calcei o xanato e manquejei até ao Café de Paris onde me aviei no urinol respectivo, deixando, como é da praxe, uma espórtula à servente, bebi mais um café para justificar a entrada no estabelecimento e regressei ao local de provação. Voltei a meter as moedas, olhei carrancudo para as listas, prevenindo-as silenciosamente do que lhes sucederia se voltassem a acometer-me, peguei no aparelho infame com uma mão, no papel dos números com a outra enquanto, com a terceira, tentava discar. Por razões estupidamente anatómicas verifiquei que não tinha, como deveria (e como os nossos antepassados terão tido) terceira mão. Parei, olhei, meditei no problema e cheguei à conclusão que não conseguiria nunca com um pé, mesmo o ferido, substituir a mão em falta. Além do mais penso que não é legal um cidadão telefonar ao pé coxinho. Ou, sendo-o, não é conveniente. E, muito menos, elegante! Voltei a copiar os números mais abaixo na folha já mencionada, entalei-a, cuidadosamente na periclitante pilha de listas e, trocando os olhos, marquei com dedo tremente a longa teoria de números. Saiu do outro lado uma voz áspera praticando o que, hoje em dia, suponho ser turco do Azerbeidjão. Murmurei um "salaam aleikhoum" e desliguei.
Verifiquei, então, que do inicial pé de meia já só me restavam as moedas estritamente necessárias para uma chamada ultra-rápida. Refiz, já num estado segundo e deliquescente, todas as anteriores operações, rezando com muito brio e unção um "Salvé Rainha" e consegui a ligação internacional, a Holanda florida, a opulenta Amsterdão, o número certo e mesmo, imagine-se!, a ligação à extensão. Todavia a intercessão santa não teve em conta o meu já depauperado fundo de maneio e a ligação caiu por falta de metal sonante.
Desesperado emergi do ventre agoirento da cabine internacional e calcorreei ruas e praças, sob um sol de chumbo, até ao posto de correios da estação central de Roma e enviei um telegrama urgentíssimo com copioso texto onde indicava o dia de chegada a Trieste, o hotel e demais pormenores. Ficou-me a aventura canalha num pancadão de liras que, mesmo ao câmbio saudoso de quarenta centavos, depauperou a minha bolsa peregrina e lusitana. Durante dois dias angustiosos vivi o terror de não saber se o telegrama entregue à aleatória bonomia dos correios italianos chegara à destinatária e se, tendo chegado, esta conseguiria estar em Trieste no dia, hora e local indicados.
A padroeira dos telefonicamente ineptos lá se terá amerceado deste pecador em romaria pela Trieste de Svevo e Joyce (e do imperador Maximiliano, se faz favor). Tudo se compôs apesar de, quando no auge do reencontro, comíamos um gelado propiciatório, a minha prática e eficaz amiga holandesa me exprobar a desfaçatez do ultimato telegráfico. Paguei o gelado, evidentemente. E um grande ramo de flores que pelo preço deviam ser de uma colheita vintage. Sem falar na vergonha que senti quando, explicadas as minhas relações conflituais com o telefone, ela, ferina e nórdica, me lançou: "E a fechadura da tua casa, abre-la tu ou chamas o porteiro?"
Neste ponto do folhetim, perguntar-me-ão com delicado sarcasmo: "E a chamadinha caseira, vulgar, nacional, nossa, feita em casa, no choco, sem moedas nem indicativos difíceis?"
Humildemente responderei que embora sem o sofisticado grau de complexidade da internacional, sempre apresenta os seus escolhos. Eu explico-me: incapaz de decorar sequer o meu próprio número de telefone, quando pego na velhaca invenção de Bell para "comunicar" com alguém sou, da mesma feita, obrigado a socorrer-me da lista para tentar obter o número desejado. Uma vez obtida tal indicação, tenho de manter o volumoso calhamaço nos joelhos não vá eu, na minha imoderada aflição, esquecer algum dos algarismos. E começa aqui outra via sacra dado que as duas únicas mãos com que Deus e a minha mãe me fizeram estão respectivamente ocupadas com o discar e com o auscultador. Regra geral, executo uma arriscada e deprimente posição yoga fixando entre o joelho e o cotovelo esquerdos a lista enquanto o indicador da mão esquerda disca os números. A mão direita segura obviamente o auscultador, agarrando-o bem não vá o miserável esgueirar-se. A cinza acumula-se na ponta do cigarro, faz que cai mas não cai, e tomba, no preciso instante em que, num gesto audacioso mas não isento de graça, tento atirá-la para o cinzeiro inclinando a cabeça para a frente. Entretanto os olhos choram com o fumo e a "pirisca", cola-se-me aos lábios. Uma vez estabelecida a ligação ocorrem factos diversos: atendem de um armazém de grossistas de ferragens, está interrompido, é engano, caio no meio de linhas cruzadas, tocam à porta da rua...
Quando, por infinita graça, acerto começa segundo calvário: digo bom dia e já é noite cerrada, apresento-me num fio de voz e quando me retorquem "como?" sai um som esganiçado que arrepia os tímpanos do mais valente. Do outro lado vem um "Ah" misericordioso e sofrido. Entretanto espirro. Depois com a fácil eloquência de um peixe espada preto, tartamudeio ao que venho. Do outro lado sucedem-se, pressinto-o varado de vergonha, o silêncio compassivo, o riso abafado, e, por vezes, a caridade de uma frase dita lenta e distintamente como quem explica a um catatónico terminal o modo mais prático de comer a sopa sem espirrar para a toalha nem acertar com a colher no queixo.
Falam-me com uma ironia leve e contida e eu ouço-os, compungido e psicologicamente destroçado, a mão no auscultador como quem agarra uma cobra surucucu logo abaixo da cabeça tentando, desesperadamente, evitar a mordidela rápida e fatal. No meu pobre cérebro sopra um antiquíssimo simoun que varre ideias, palavras, frases deixando, em troca, uma esteira miserável de apáticos gargarejos.
Depois deste rosário de amargas recriminações, desta autocrítica instrumental é chegado o momento de inverter a jeremíada a ousar lutar e ousar vencer o comité central tecno-estrutural: "Le bigophone a la lanterne! Ah ça ira, ça ira, ça ira ..."
Pela parte que me toca, recuso-me a telefonar. O mastronço preto e tilintante está degredado. Quando me ligam atendo com brusquidão e se a voz que o fio transporta é masculina e desconhecida, informo placidamente que deste lado fala a embaixada do Irão.
As minhas relações com os CTT/TLP pautam-se por princípios simples e deflaccionários: gastam mais eles no papel da factura do que eu em chamadas locais.
É esta a minha maneira de lutar contra os monopólios.
Este texto não é inédito. Vai todavia assim mesmo para o éter e é dedicado, prima facie a Manuel Abrunhosa, meu primo que faz o favor de lhe achar alguma graça.
Vai depois, mas com a mesma dignidade ofertante, para o alegre e amável grupo de incursionistas que lhe afinfaram forte e feio no Tromba Rija. E eles são sem ordem estabelecida, Frau Kamikaze, o trio de “o meu olhar”, o casal Ana e José, Nicodemus, JCP e Rui Cardoso. Foram excelentes surpresas, e bela/os companheira/os de ágape. Espero que a minha proverbial verborreia não tenha tido a sorte auspiciada pela minha enteada Ana que, pressentia que eu regressaria a casa rouco e eles surdos. Não foi assim, pois não?
6 comentários:
Nestas coisas de magistrados, caro MCR, é preciso alguém de fora que fale muito. DE outro modo, eles arrancam por aí adiante com as questões sindicais, o PGR e coisas do género e ninguém os pára. Então nesta fase do campeonato, em que andam "crispados"...
MCR, faça o obséquio de dizer à Ana, da minha parte, que Vexa levava o sermão tão bem interiorizado que até ficámos um pouco augados, de tal sorte que o stock de pastilhada para a afonia está a salvo.
Ao Carteiro relembro que os magistrados há muito estão em claríssima minoria neste blog e assim foi também no repasto... :)
Não posso deixar de agradecer aos companheiros de repasto a gentileza e já agora explicar que a historieta com que os "brindo" é passada na Itália como de resto foi insistentemente pedido por todos ou quase. Acrescente-se que ao revelar a minha fragilidade telefónica dei armas fortes á nossa caríssima Fraulein K que se ri velhacamente da minha inépcia computacional-bloguista. Aos faltosos LC e Rui do Carmo só me resta desejar rápidas melhoras tanto mais que os males que os afligem são só e apenas de natureza física.
Caro Carteiro: "eles" portaram-se lindamente e comeram ainda melhor... felizmente que aquilo tinha preço fixo...Um abraço
Pois, quanto a nós, depois do excelente repasto, num sítio de excepção ( e de surpresa, pois esperava um lugar mais rusticano e ribombante e encontei um serviço subtil e simpático), só temos a dizer do alto mérito da concentração de espíritos, memórias, referências e opiniões de viva voz. Foi um prazer numa tarde de eleição!
Caros amigos, também para mim foi um enorme prazer. Meu bom MCR, sossegue a sua Ana porque não houve roucos nem surdos por Leiria. Apenas bons conversadores e excelentes degustantes!
Mas esquecemo-nos de beber um copo à saude da Sílvia que de certeza estaria presente, não fora o facto de o Rio de Janeiro ficar um bocado á desamão.
- Sílvia, a menina foi recordada apesar de ter sido esquecida nas "degustações" (ah este JCP acerta na mouche como poucos: lá degustar degustámos...)
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