05 setembro 2005

Burocracia, desleixo, incompetência - "a never ending story", cap. III

Continuação deste post.

Dizia eu que, decorridos dois meses sobre o início do processo junto do IEFP-Centro de Emprego e obtida que fora (desta feita em tempo adequado!) a rectificação dos erros constantes do parecer positivo por aquele dado à contratação do José, se verificara que, afinal, a categoria profissional constante do dito parecer não correspondia à constante do contrato de trabalho – naquele autorizava-se a contratação para o exercício das funções de…”pau para todo o serviço” quando, neste, a empresa declarara que o José exerceria as funções de “pau para toda a obra”.

É certo que as funções eram aparentadas mas não eram, de facto, as mesmas, o que já determinara a recusa da IGT em dar seguimento ao processo naqueles termos, pelo que, como já se referiu também no anterior post, mais uma vez a empresa disparou para o IEFP-Centro de Emprego, onde a responsável pelo despacho do processo continuava, afinal, de férias, a chefe de serviço iniciara as suas e o director continuava a não estar, tendo a recepcionista tomado nota do assunto e prometido encaminhá-lo a quem de direito, a ver se se consegue resolver isso.

Esse e outro dia passaram, no entanto, sem que ao assunto fosse dado seguimento, porque o dossier estava nas mãos do senhor director que estivera fora, em serviço.
Na manhã seguinte a empresa solicitou então atendimento pelo dito cujo que foi, até, surpreendemente lesto na satisfação do pedido mas, afinal, apenas para informar a empresa que o assunto levaria pelo menos uma semana a resolver. Uma semana??? Mas trata-se apenas de rectificar (mais) um manifesto lapso dos vossos serviços! Trata-se apenas de reescrever um parecer de meia dúzia de linhas substituindo uma palavra!!! Leva pelo menos uma semana. São os procedimentos! Mas… SÃO OS PROCEDIMENTOS! E fim de entrevista.

O tempo urgia (as aulas da filhota do José quase a começar, os procedimentos no Brasil para obtenção do visto sem se poderem, sequer, iniciar) e o director exorbitara na sua arrogância. Chegara a hora. Aquela que, pese embora todas as previsíveis mais as imprevisíveis dificuldades que tinham surgido ao longo de todo o processo ainda em Portugal, a empresa pensara que não chegaria - a hora de ter de pedir ajuda aos amigos, que os tinha, por acaso bem colocados.

Telefonemas para lá, telefonemas para cá, pouco depois a empresa era informada pelos amigos bem colocados que, no IEFP, não conseguiam localizar o processo do José e desconheciam do que se tratava.
Reafirmados os parcos elementos identificativos do mesmo (ou seja, o nome do trabalhador e o nome da empresa, pois na correspondência do IEFP não constava outra referência) e salientado, mais uma vez que, horas antes, o próprio director falara com a empresa sobre o assunto e os termos em que o fizera, mais telefonemas para lá, telefonemas para cá, o IEFP localizou o processo.
Isto há aqui um grande problema, o IEFP não pode pôr no parecer que o trabalhador vem exercer as funções de “pau para toda a obra” porque essa categoria profissional não existe, daí o ter posto outra categoria no parecer. Mas como é que fizeram isso sem falar com a empresa? E como é que não existe essa categoria? Está no Contrato Colectivo de Trabalho! Não existe!!! Claro que existe, a empresa vai já mandar e-mail com o link para o dito CCT!
Mandaram. Ok, realmente existe a categoria profissional de “pau para toda a obra” e realmente não é a mesma coisa que “pau para todo o serviço”. Vamos tentar resolver o assunto.

Mais esse dia e outro passaram. Novos telefonemas para cá, telefonemas para lá, o IEFP está a tentar resolver o assunto, dará notícias em breve, ainda hoje. Não deu.
E a empresa lá disparou de novo para o IEFP-Centro de Emprego.
Foi recebida de imediato, com vénias e continência, por um funcionário que, para além de conhecer efectivamente o processo, conhecia também as démarches dos amigos bem colocados. Mas parecia genuinamente amável. Só que… o IEFP não podia fazer nada, pois embora no Contrato Colectivo de Trabalho realmente constasse as funções de “pau para toda a obra” tais funções não constavam do CNP (lista de Código Nacional de Profissões), pelo que não lhes correspondia um código e sem código as funções, embora existindo, era como se não existissem, sem código nada feito!
E só agora, passado tanto tempo, é que nos dizem??? Pois é, realmente...

Sem código, a existência inexistia. Perante este arrasador obstáculo burocrático, melhor, esta evidência dos progressos já alcançados com a desmaterialização, nem os amigos bem colocados da empresa lhe podiam valer.

Mas havia ainda uma saída: alterar de novo (a promessa de) contrato de trabalho. Alterou-se. E lá foram (pela 3ªvez) mais 20 € - vinte euros! - para o reconhecimento de uma assinatura… (vá lá que que não se tratava ainda d'O contrato de trabalho, pois nesse caso teria que ter sido devolvido ao Brasil para aí ser aposta e reconhecida a assinatura do José e ser de novo enviado para Portugal, onde o pagamento do imposto de selo teria de ser novamente efectuado... e, numa perspectiva optimista, mais 15 dias teriam, entretanto, decorrido).

E a empresa lá disparou de novo para a Delegação da IGT - onde, por via dos amigos bem colocados, a esperava já a respectiva Directora - desta feita não para solicitar parecer positivo à contratação de um “pau para toda a obra”mas sim de “um pau para todo o serviço”.

Pelo caminho, vá lá saber-se porquê, não conseguia deixar de cantarolar aqueles versos (*) do António Variações:

Maria Albertina deixa que eu te diga
aaaaaaaahhhhh
Maria Albertina deixa que eu te diga
Esse teu nome eu sei que não é
um espanto
mas é cá da terra e tem
tem muito encanto
Esse teu nome eu sei que não é
um espanto
mas é cá da terra e tem
tem muito encanto
Maria Albertina
como foste nessa
de chamar Vanessa à tua menina...
Maria Albertina
como foste nessa
de chamar Vanessa à tua menina...
Maria Albertina deixa que eu te diga
aaaaaahhhh
Maria Albertina deixa que eu te diga
aaaaaahhhh


Não imaginava que a saga da contratação do José, que parecia finalmente perto de (bom) termo, havia de exigir ainda, para o alcançar, para além de mais um exercício de determinação da empresa, a conjugação de várias outras boas vontades no ultrapassar dos intermináveis lapsos dos serviços que potenciam os bloqueios burocráticos que quase parecem estar no código genético dos serviços públicos portugueses...
Seguir-se-á assim, em breve, neste blog perto de si, mais um próximo capítulo.

(*) clique aqui e depois na música 6, para ouvir...

3 comentários:

José António Barreiros disse...

Mas não lembra o diabo contratar mão de obra imigrante legal! O que «está a dar» é arrebanhá-la ilegal e clandestina. É fácil, sai barato, dá milhões! Isto o vício de legalidade traz destes dissabores! História sinistra, narrativa exemplar!

O meu olhar disse...

É inacreditável essa história que bem poderíamos apelidar de interminável. Trabalho no sector privado há já 17 anos, mas fui funcionária pública durante 10 e percebo bem essa construção hermética de procedimentos que alguém um dia inventou e que foi sendo engordada e cimentada por outros burocratas que defendem um poder. De facto, a burocracia serve para alimentar empregos impensáveis e para exercícios de poder pequeninos, mas nem por isso menos castradores do desenvolvimento.
Já agora, obrigada pela dica dos Humanos que foram meus companheiros de viagem de férias, com grande agrado.

assertivo disse...

Tem Vexa toda a razão, caro JAB, dá milhões às empresas contratantes, que não há fiscalização que valha (já se sabe que os inspectores são poucos, são ínfimos)e vale a pena arriscar, que o que se ganha com o que se paga a menos aos trabalhadores e à segurança social e às seguradoras dá para as multas, se vierem, e ainda sobra...
Aqui pelas minhas bandas a delegação da IGT tem de facto no terreno 2 inspectores (claro que, no quadro, ainda que diminuto, há mais)e as empresas de prestação de serviços de limpeza estão a pagar à hora às trabalhadoras ilegais - à hora e menos de metade do que o preço normal!

Entretanto, nos Centros de Emprego,continua a não se encontrar quem aceite as ofertas de trabalho que vão aparecendo...