1. A actividade normal dos tribunais reinicia-se num ambiente de grande crispação entre o executivo, de um lado, e os magistrados, os advogados e os funcionários judiciais, do outro;
2. Esta crispação tem sido provocada por uma campanha populista contra a administração pública em geral e em particular contra os que exercem funções nos tribunais, que atinge a sua dignidade profissional e aspectos importantes do seu estatuto sócio-profissional, sem que lhes seja garantido o direito ao diálogo;
3. A atitude que o executivo tem tido para com os profissionais da justiça (por vezes mais o modo de apresentação e imposição das medidas do que o seu conteúdo final), a quem é atribuída, face à opinião pública, a parte de leão da responsabilidade pelo mau funcionamento do sistema, tem contribuído, objectivamente, para a erosão do capital de confiança que os cidadãos ainda depositam nos Tribunais (relativamente aos quais distinguem o prestígio “funcional-institucional” dos problemas de funcionamento, como tem sido constatado em estudos sociológicos recentes realizados em Portugal);
4. Sendo este capital de confiança geralmente apontado como um elemento essencial que confere ao sistema de justiça o espaço necessário à definição e execução de um processo reflectido de superação das disfuncionalidades e dos erros, e de introdução das alterações que se imponham – desbaratá-lo sem que, apesar da cortina de fumo populista, existam sinais de medidas que contribuam de forma séria para superar os factores que geram insatisfação (como sejam os problemas do acesso à justiça, a lentidão, a complexidade e a dificuldade no tratamento das novas realidades), significa enfraquecer de forma não responsável um dos pilares do estado de direito democrático;
5. É um facto consensual que os tribunais são uma estrutura organizativa anquilosada, que a sua chamada modernização tem consistido na introdução de tecnologia que faz a mesma (e às vezes reproduz) burocracia com um aspecto melhor; em que não faz sentido falar genericamente de trabalhar quantitativamente mais, mas de trabalhar melhor; que só não é mais lenta e mais ineficaz pelo empenho, responsabilidade e dedicação profissional da grande maioria dos que lá exercem funções;
6. No que respeita especificamente aos magistrados, sejam juízes ou procuradores, a degradação das suas condições sócio-profissionais e o aprofundamento do seu estatuto de funcionários andam em regra, na história, associados ao perfil de uma magistratura que se pretende submissa e sem opinião e que pratique o culto acrítico da lei;
7. Os magistrados são funcionários do Estado e, simultaneamente, titulares do órgão de soberania Tribunais, pelo que têm todo o direito, e devem, lutar por um estatuto sócio-profissional que, salvaguardado o princípio da solidariedade nacional, corresponda à dignidade das funções que desempenham e que contribua para a eficácia de tal desempenho;
8. Mas porque são os titulares do órgão de soberania Tribunais, têm ainda a responsabilidade de tomar a iniciativa de fazer o diagnóstico dos males de que padece o sistema de justiça e de propor as terapêuticas adequadas para a sua erradicação, colocando o restante poder político perante a responsabilidade de, no que deste dependa, garantir as condições para o seu adequado funcionamento; e, ao mesmo tempo, agirem com rigor e autocrítica no que respeita ao cabal cumprimento das suas funções próprias;
9. As medidas e propostas do executivo não podem induzir respostas que sublinhem o estatuto de funcionário dos magistrados, ou que não tenham em conta o sentido e os seus efeitos sobre a opinião pública. Por isso, as medidas tomadas em Assembleias Gerais das associações sindicais dos magistrados, que se realizaram em Junho, mereceram-me, já então, sérias reservas porque incidindo os seus efeitos sobre os cidadãos que recorrem aos tribunais não foi a estes prestado qualquer esclarecimento que os levasse a compreendê-las, o que poderá, portanto, ter potenciado a sua permeabilidade ao discurso do poder executivo;
10. Quando hoje se fala de greve, apontada como a forma de luta mais radical, estamos como estávamos em Junho no que respeita ao esclarecimento dos cidadãos sobre as nossas razões e sobre as nossas propostas para a melhoria do sistema de justiça, pelo que entendo que se deve reflectir sobre a previsão dos seus resultados antes de tornar a sua convocação definitiva, sobre o depois;
11. Continuo a considerar essencial a realização de uma consistente acção de informação pública, de resto na linha da moção aprovada na AG do SMMP, quando aí se fala em:
“- exigir, porque a preocupação dos magistrados do MP é o cumprimento pelo sistema de justiça das suas funções constitucionais, que sejam tomadas as medidas necessárias a um melhor e mais eficaz funcionamento do sistema de justiça, ao nível da organização judiciária, da formação, da gestão de quadros e da modernização, que dependem exclusivamente do poder legislativo e executivo e sobre as quais não se conhece qualquer iniciativa” ;
12. Claro que se for decidido, tudo ponderado, convocar uma greve, não hesitarei sobre o campo a escolher.
15 setembro 2005
UMA OPINIÃO
Marcadores: Rui do Carmo
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