19 outubro 2005

Algo me escapa…


Reconheço que a minha cultura relativamente ao processo penal aumentou consideravelmente deste que cheguei a esta praia aconchegada de muitos mares, que é o Incursões. Não posso, todavia, dizer que este aumento de conhecimento foi proporcional a um aumento de segurança e tranquilidade face à justiça. Bem pelo contrário. Vou pasmando com o que me apercebo de certas leis e de certas formas de as aplicar.
Um dos grandes espantos tem a ver com “a questão da total impossibilidade de aproveitamento da prova produzida em sede de inquérito, e da incompreensível obrigatoriedade de apenas ter em conta a prova produzida em julgamento” transcrevendo um comentário de MATA-BORRÃO, que espero não se importe com esta incursão no seu texto. Quando li pela primeira vez sobre este tema, pensei: “percebi mal”. E, talvez para me enganar, a bem da minha tranquilidade, achei melhor não me esclarecer. Mas eis que, nos comentários a um post aqui no Incursões, fui confrontada de novo com esse facto.
O que gostaria é de aperceber. Certamente que a fundamentação deste procedimento terá alguma consistência, espero. Gostaria de a conhecer e, sobretudo, gostaria muito que este tema fosse aqui debatido porque me parece que esta questão é muito, muito importante.

18 comentários:

josé disse...

Caríssima:
A lei processual que obriga a que toda a prova se produza em audiência é esta:
Artigo 355º

Proibição de valoração de provas

1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.

2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes.

Isto implica que tudo o que exista nos autos como elemento de prova de uma acusação deve ser produzido e analisado em audiência de julgamento.
Se existirem milhares de documentos, como facturas, documentos particulares, fotos,etc etc. tudo terá que ser mostrado, examinado e analisado.

Para além da prova documental, há a testemunhal.
Tudo aquilo que os arguidos, ofendidos, assistentes, testemunhas, peritos, etc. disseram ou não disseram no Inquérito ou Instrução ( que é da competência de um juiz e onde há exercício de contraditório com presença de advogados de defesa) terá que ser repetido em audiência.

Compreende-se?!
Por mim, não se compreende inteiramente.
Sempre que as provas de um crime se resumem a depoimentos escritos dos próprios arguidos e testemunhas e eles foram prestados em Inquérito e Instrução,neste caso já na presença de um juiz,não deveria ser totalmente inaproveitável, como o é, essa prova.

Pensemos num crime de violação, sem grandes provas imediatas e apenas com algumas circunstanciais.
PEnsemos num homicídio como o da pequena Joana, no Algarve.
Mesmo que os arguidos tenham confessado, tendo essa confissão ficado gravada, valerá zero como prova en audiência, se não forem validadas pelos próprios arguidos que as prestaram.
Basta ficarem calados...

Isto não está bem e já houve muito tempo para o mudar. O próprio António Costa enquanto ministro da Justiça o disse em público, confrontado com as perplexidades de quem apresentou um ou outro caso concreto que ficou sem poder ser realizada a justiça que se impunha devido a esta particularidade legal.
E esses casos existem- e não são meramente teóricos.

Quanto ao fundamento teórico para tal norma, deixo para quem quiser apresentar.
Aqui, no Incursões,( e no grano salis) há várias pessoas que sabem muito mais disto do que eu- especialistas mesmo!
Tomara que tenham a condescendência de nos ilustrar um pouco.
Por mim, agradeço antecipadamente.

Primo de Amarante disse...

Também eu lhe agradeço, Amigo José, o seu esclarecimento. Agora compreendo melhor a gravidade que envolve a seguinte noticia:

«A Polícia Judiciária de Braga denunciou ao Ministério Público a existência de pressões sobre testemunhas-chave no processo, que passavam pela promessa de entrevistas no canal público, em troca de desmentidos de afirmações feitas durante o inquérito judicial.

«De acordo com a PJ e confirmado por uma dessas testemunhas, as pressões e a "oferta" de tempo de antena no canal de serviço público de televisão envolveram a filha da presidente eleita da Câmara Municipal de Felgueiras, Sandra Felgueiras, jornalista da RTP», refere o requerimento, dirigido ao conselho de administração da televisão pública.

Perante esta acusação da PJ, o PSD questiona a RTP sobre «quais as medidas tomadas internamente para averiguar, de forma cabal, a veracidade dessas acusações graves».

É de lembrar que Fátima Felgueiras está acusada de 23 crimes, seis dos quais de corrupção passiva para acto ilícito e quatro de abuso de poder.

As armadilhas para fugir à Justiça são muitas. Por isso, é importante o saber feito de experiência, a competência técnica e a independência dos magistrados.

O meu olhar disse...

Agradeço desde já a si, caro José. Quanto a outros contributos, cá os esperamos, não só no sentido de esclarecer a lei, mas também relativamente ao que fazer com vista a pôr termo a esta situação. Veja-se o oportuno exemplo dado pelo Compadre Esteves...

Primo de Amarante disse...

Meu caro. Eu por vezes coro ao ver os erros que dou. A minha condição de disléxico deixa-me em situações que me criam perplexidades desagradáveis.

Mas vamos ao mais importante, Vou, a propósito do que vem sendo referido, dar um exemplo de um caso passado comigo na única vez que passei pelos Tribunais.

Num caso em que as minhas denúncias foram consideradas difamatórias (agravadas) pela acusação(que considerou que eu "sabia muito bem que estava a mentir" --coisa que eu não sabia!), receando que as testemunhas negassem em julgamento o que já haviam dito no processo, preparei a minha defesa com um argumento inspirado na lógica e que foi o seguinte:

Martinez Arrieta, in “ Colecciõn Cursos” do Centro de Estudos Judiciales, Vol. 12, Madrid. 1993” capítulo, “La Prueba En El Processo Penal – La Prueba Indiciaria”, refere o seguinte:

«(...)constitui indício todo o facto certo e provado com virtualidade para tornar credível outro facto que com ele está relacionado; um vestígio, circunstância e, em geral, todo o facto devidamente comprovado susceptível de levar ao conhecimento de um outro facto desconhecido – conclui que o indício constitui a premissa menor de um silogismo que, associado a um princípio empírico ou uma regra de ciência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto submetido a juízo.»

Martinez Arrieta, como se depreende, inspira-se no Modus Tollens da Lógica, tal como foi usado por KarL Popper (In: Lógica da pesquisa científica. Editora Cultrix Lda. S. Paulo.1993.pp.41-42)

Ou seja, a partir de enunciados particulares deduzir o contraditório de uma posição universal.


Utilizemos o Modus Tollens:
Se p, então q
~q
Não p
Negar o consequente é negar o antecedente

Premissa maior: Se António(nome hipotético) gerisse a Câmara com regras, o caso X,Y,Z seriam falsos.

Premissa menor: Os casos a que se referem os documentos x,y, e z não são falsos (São do domínio público, já foi condenado em alguns, estão publicados nos jornais e não foram negados por António)

Logo, (princípio que resulta de uma constatação empírica) António não gera a Câmara com regras. Sendo assim, o facto (considerado difamatório) submetido a juízo é pelo menos verosímil


O indício funda-se em factos x,y,z , tidos como certos (premissa menor).

Utilizando o argumento por analogia, também nos parece que se pode inferir o mesmo sentido do indício:

Premissa maior: Conforme referem os documentos x,y,z, António gere a Câmara de forma arbitrária e ilegal.

Premissa menor: O facto empírico h–tem a característica dos factos x,y,z.

Logo, é possível que António tenha procedido no facto h (considerado difamatório) da forma arbitrária e ilegal como procedeu em x,y,z..

Acontece que ninguém ligou puto a este argumento (nada tendo contado para a absolvição), o que senti uma certa frustração e ainda hoje não percebo por que o Tribunal não teve em conta este argumento lógico.

É que a avaliação da verdade ou da verosimilhança, não pode, no meu entender, basear-se apenas no que dizem as testemunhas, que muitas vezes dão o dito por não dito (ao sofrerem pressões)

josé disse...

Caro Hóspede:

Vou colocar o seu comentário noutro lado, se nada disser em 10 minutos...
:-)

Primo de Amarante disse...

Caro Hospede:

Não é comissão de ética, mas de para-ética (quer parecer, mas não é). A ética é uma reflexão rigorosa (e, por isso, filosófica) sobre os valores que devem orientar determinados comportamentos ou acções humanas. A ética situa-se ao nível reflexivo, crítico, põe a questão: "o que devemos fazer para tornarmos a nossa vida mais digna". A ética está para lá da moral, porque não se ocupa apenas das soluções que se harmonizam com normas ou valores: atinge a questão fundamental para o homem: como tornar a vida humana, a minha profissão, a minha relação com os outros, mais digna? tem a ver com o sentido, aquilo para onde apontam as minhas decisões.

Primo de Amarante disse...

Sabia, compadre Hóspede, sabia! E sabia desde o tempo em que foi criada.Faz dela parte um amigo de há muitos anos! A criação das comissões de ética que, hoje, proliferam em muitas profissões, para além da AR.,correspondeu a uma "moda" que veio de Itália. Sempre que o labirinto das leis acaba por se tornar ineficaz, criam-se comissões de ética. Mas, na verdade, de ética têm muito pouco. Servem mais para "lavar" comportamentos pouco claros que para os constranger. Veja, o que tem acontecido na Itália do Berluscon! Tenho da ética uma outra concepção. A que referi no meu comentário último.

josé disse...

Compadre:

Essa ética que enunciou é a que me vai fazendo escrever contra o Estado a que vamos chegando.
E me faz dizer que há muitos anos, mesmo com o ´fassismo` que por cá era simplesmente o salazarismo e o caetanismo ditatoriais, essa ética que enunciou era norma mais em voga do que hoje.
Talvez por influência da antiga educação religiosa, católica apostólica, hipócrita qb, mas refreadora de comportamentos abertamente dissolutos, como hoje em dia é usual e corrente.
Seja como for, os costumes eram genralizadamente outros e, para mim, melhores um pouco do que hoje no que se refere ao respeito à respublica.
Tome-se o caso da advocacia de negócios em que o Estado entra.
Tome-se precisamente o caso de António Vitorino, Lamego, Alberto Costa e outros advogados:
O que se passou com a indemnização que esses advogados conseguiram obter do GOverno de António Guterres em 2001, a favor da firma que representavam, foi muito bem descrito por Fernando Rosas num artigo que escreveu no Público, há dias e que me parece um obituário perfeito à ética republicana apregoada pelos mesmos. Uma vergonha ética.
O FR chamou-lhes "borboletas de asas de ouro" !
Sabe, compadre: dinheiro! O dinheiro cega a ética.E se os princípios não vêm do berço, a ética nãos e adquire por infusão da opinião pública.
Aí, passa a valer o dito de uma velha raposa republicana e laica que agora quer ser outra vez presidente de todos os portugueses: os políticos para se safarem têm de fazer como os gatos que fazem e tapam logo...
É essa a ética republicana laica, hoje em dia.
Uma tal Teresa Guilherme que apresenta programas de tv o que só por si, é garantia segura para eu não ver, disse uma vez que a ética não dá de comer!
COmer, como todos sabem,é das necessidades fundamentais.
E como também dizia não sei quem, "primum vivere, deinde filosofare".
Vidinhas, é o que é.

O meu olhar disse...

A ética, ou antes, apresentar-se com princípios de ética pode ser, e é-o muitas vezes, uma forma de tapar o sol com a peneira. E isso não se passa apenas com a AR e com muitos outros políticos, passa-se também no mundo empresarial onde essa bandeira virou moda de gestão sem, muitas vezes, corresponder a uma prática consequente e servindo também para baralhar a opinião pública, nomeadamente numa altura em que se fala tanto de branqueamento de capitais. Há casos desses. Felizmente, também há empresas que têm, de facto, uma política de responsabilidade social e de ética.

Primo de Amarante disse...

Não sou tão radical como os meus amigos. A chamada ética republicana apoiava-se nos imperativos categóricos de Kant e foi desenvolvida por Max Weber (A ética protestante e o espírito do capitalismo).Na modernidade tardia em que nos encontramos (ou pos-modernidade)os modelos tradicionais do conhecimento, da politica, da tecnica, da ciencia, etc. estão postos em causa. Compreendeu-se que a complexividade e o avanço da tecnociência criavam questões dilemáticas que não eram resolvidas pelo princípio das convicções na ética. Tinha de se avaliar consequências e, por isso, a ética das convicções deveria ser orientada por uma ética da responsabilidade que avaliasse consequências previsíveis da acção humana. A partir deste pressuposto surgiu a ética aplicada: á economia, às empresas, às profissões (deontologia) ao direito, à politica, à ecologia, à biologia, à cidadania, etc. Eu penso que esta reflexão é importante, mas não pode ser a solução dos grandes problemas que se colocam ao homem. È preciso que os imperativos da lei acompanhem os constrangimentos éticos. Não sendo assim, os "chicos-espertos" batem palmas.È que a flar em ética há quem vá "fanando" as carteiras dos mais incautos.

Primo de Amarante disse...

A propósito da ética, 4 citações que resumem as diferentes reflexões filosóficas sobre a ética

1ª“Os sistemas anteriores da ética procuram a moralidade no fim dos actos; quer dizer, fizeram radicar a bondade na sua adaptação a um fim concreto determinado. Mas aquele que assim age, não age por razões morais, mas por algo alheio à própria moral; a verdadeira moral não é heterónima, mas autónoma.”

Kant. in: metafísica dos costumes

2ª“A consciência não é um micro-chip com o qual julgamos moralmente: é uma faculdade dinâmica e instável”.
A.Domingo Moratalla

3ª“O cidadão moralmente consciente acha que a promoção dos valores da justiça, da solidariedade e da paz faz parte dos seus deveres. Pelo contrário, quem age só por interesse pessoal fará o que acha certo para o seu “ego”. Agir assim não é agir imoralmente, mas sem um horizonte maior do que a sua própria sombra. ”
Olinda A. Pegararo

4ª "Na Ética a Nicômaco, Aristóteles define como horizonte ético viver uma vida boa, numa sociedade justa, solidária e pacífica. A sua ética aproxima-se, por isso, de uma teoria da felicidade. No nosso século, a genética e a tecnociência colocam-nos problemas que nos obrigam a reformular o conceito tradicional de horizonte ético e talvez a contentarmo-nos com projectos de uma ética mínima aplicada a questões concretas".

José Maria Garcia Gomes-Heres, in: Ética y hermenéutica

M.C.R. disse...

chego já tarde a esta estimulante discussão mas sempre adianto que independentemente da variação o conceito central de ética mantem-se. Ou seja nós naturalmente dizemos que NÃO FICA BEM AO VITORINO ou a outro rapazola, com passado goverrnamental abotoar-se dos dois lados. Se bem recordo isto em direito no 1º ano era chamado a posição do bonus pater familiae ou seja aquilo que instintivamente achamos bem ou mal,
E, aqui para nós: se os vivaços achassem que nenhum de nós repontaria, perderiam, acaso, tempo em defender-se?
Veja-se a carta de Lamego aos jornais, os protestos virtuosos dos restantes quando os acusam de servir dois senhores.

O terrívl problema é que com a repetição descarada destas habilidades a malta vai ficando habituada, a consciencia embota-se, achamos que já não vale a pena protestar, calamo-nos e... pode até chegar um momento em que o nosso relativismo "adquirido" condsidere aquilo "ético"!!!...
ainda bem que tenho já idade suficiente para não correr o risco de me habituar. Mas que o caminho está aberto, ai lá isso está...

victor rosa de freitas disse...

Oh "O meu olhar"! Por que é que não pergunta à PGR por que é que tem Inspectores que, quando fazem participações disciplinares e criminais, mesmo contra "colegas", omitem, de certidões de processos em Tribunal, mais de 20 documentos autênticos? E, depois, por que é que há Inspectores que, quando ouvem, em "interrogatório", o colega visado e este lhes chama a atenção para a falta de documentos, os mesmos Inspectores, DEPOIS de fazerem a acusação,e só então, juntam documentos em falta (com excepção de alguns outros)POR APENSO aos autos e NÃO os INCORPORAM nos mesmos, como manda a LEI? Quando souber responder a estas questões, eu próprio lhe darei uma achega sobre a questão de por que é que a prova deve ser feita em julgamento!!! Por agora deixo-lhe apenas uma LUZ: quando deixar de haver qualquer "vigarice" na "instrução" de processos (mas em TODOS), e só então, se poderá equacionar a validade da prova, para os juizes de julgamento, feita em "inquérito". O legislador lá sabe por que é que a prova tem de ser feita em julgamento...Pense nisso...

O meu olhar disse...

Se assim é, estou esclarecida, lamentavelmente esclarecida…
Estou esclarecida mas não convencida que este processo bata certo, ou seja, algo me continua a escapar para atingir a essência do problema.

O meu olhar disse...

Para não falar dos custos que tem para o Estado a fase do inquérito para depois servir apenas, calculo eu, para formalizar a culpa. È de facto um desperdício incompreensível.

victor rosa de freitas disse...

O Julgamento serve para julgar pessoas e não, formalmente, "processos". Há que apurar, em fase de Julgamento, se certos Factos se verificaram e se foram praticados pelo Arguido. Vigora, entre nós, o princípio do Acusatório (a Acusação delimita o âmbito dos factos a serem apreciados e o(s) Arguido(s) a ser(em) julgado(s)) e não o princípio do Inquisitório, sendo que, neste, o "investigador" e o "julgador" são os mesmos. Defender que as declarações prestadas em Inquérito devem valer, sem mais, em Julgamento, é defender resquícios atávicos do princípio do Inquisitório em que o julgamento não é da pessoa (Arguido) mas do próprio "processo" que originou a Acusação. Se o processo é "homologado" o Arguido é condenado. Se não é "homologado"...que fazer? Vale, então a prova produzida em Julgamento? Porque não, então, começar por aqui?, isto é, só vale, em princípio, a prova produzida em Julgamento e a do Inquérito só é "apreciada" se todas as partes estiverem de acordo. É este o critério definido pelo nosso Legislador. E bem, a meu ver. Este critério do Legislador não apareceu do ar, nem por capricho, mas antes por anos e anos de acumulação de saber judiciário, de apreciação de critérios de "investigações" e de critérios e métodos policiais. Os critérios e métodos da "investigação" policial (mesmo da 100% honesta) não são os mesmos do Julgador. A polícia tenta reconstruir uma realidade em que houve crime e avança com uma "tese". O Acusador deve assegurar-se de que tal "tese" tem probabilidades fortes de levar a condenação. O Julgador julga pessoas e exige, para a sua condenação uma certeza (ao menos MORAL) de que essa realidade existiu. Seguir, pelo Julgador, os passos e métodos da "investigação" policial pode levar a erros incompatíveis com tal certeza. Daí que a realidade deve ser reconstruída em julgamento, com as provas produzidas em julgamento, sem qualquer desvio àquela certeza MORAL que se visa obter e que legitime, não só uma reconstrução duma realidade mas uma condenação do culpado. Se há, na sociedade, crimes, não esqueçamos que nas polícias e investigadores também há, designadamente quando "investigam". A gravidade de uma condenação e o evitar qualquer erro judiciário impõem o critério do legislador de que a prova deve ser feita em julgamento e que só deve ser aproveitada a "prova" constante do "inquérito" quando todas as partes estiverem de acordo. Esta a "caricatura", e correcta, a meu ver, do nosso sistema. É falacioso o pensamento que parte da premissa de que um crime se verificou de certa maneira e de quem é o seu culpado. Essa é, apenas, a questão que o Tribunal de Julgamento vai apreciar. (Basta ver quantos e quantos já não foram absolvidos depois Acusados...). Para o Julgador, nada se terá passado antes de começar o Julgamento, a não ser uma Acusação que delimita o "thema decidendum". E este vai ser apreciado com as provas produzidas em Julgamento. Até lá, e como bem diz a nossa Constituição, todo o Arguido é presumido inocente!

O meu olhar disse...

Inteiramente de acordo Mata-Borrão. Foi exactamente essa a minha conclusão a partir dos comentários até agora efectuados.

victor rosa de freitas disse...

As razões formais têm que ser respeitadas em todo e qualquer Julgamento, por isso que a LEI é geral e universal. Apontar apenas o "senão" para dizer que não há BELA é falacioso, ou não será? É que não há BELA sem "senão"! Porque, num certo Julgamento, houve um "senão" baseado no formalismo da LEI, deve-se acabar com esse "formalismo" que é, a final, essencial para a maioria dos Arguidos efectivamente INOCENTES. Ou devem-se suprir as garantias porque as pessoas do lado de cá (leia-se, da Acusação) sabem a verdade material antes de os juizes se pronunciarem? Sabê-lo-ão num caso ou outro (porque a vítima ou ofendido é parente ou vizinho) em que a questão é simples e clara...Mas não para os Juizes, que julgam muitos e variados casos e que não conhecem nenhum com essa proximidade, nem podem conhecer. UMA PERGUNTA BASILAR SE IMPÕE: PARA QUE EXISTE A FASE DE JULGAMENTO? POR QUE NÃO DEFENDER O PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO?(Torquemada diria que é o melhor!...) Pergunto de boa-fé!Os "democratas" costumam defender, convictamente, que mais vale um Culpado absolvido do que um Inocente condenado! Afinal o que é melhor? A lei processual penal deve ser respeitada em todos os casos e não "violada" quando o caso, para os de fora e do lado da Acusação, é simples, na determinação da verdade material. A verdade material não pode ser obtida sem regras. Se as regras (processuais) são violadas, o Julgamento não vale! Com ou sem apuramento da verdade material! Parece-me JUSTO!Num Estado de DIREITO,é óbvio! Ou será que se deve defender outro? Novamente pergunto de boa-fé!