Alguns terão ficado surpreendidos com a afirmação do politólogo Luís de Sousa, na Pública de domingo (*), segundo a qual “o convívio entre magistrados e actores políticos inibe-os de actuar”.
Concorde-se ou não com a dita afirmação ela deve, no mínimo, fazer-nos reflectir.
Sobretudo quando se vêem, por exemplo, anunciados encontros anuais do Conselho Superior da Magistratura com jantar oferecido pelo Presidente de uma Câmara Municipal. Nesta confraternização, certamente impensável noutras latitudes, o problema não estará em quem oferece (seria feio fazer juízos de intenção) mas em quem aceita o convite. Nem será preciso convocar o célebre economista que dizia “não há almoços grátis”...
Com estes exemplos, de um órgão judicial de cúpula, bem pode o Sr. Presidente da República continuar a falar de ética republicana.
Casamayor
(*) a entrevista foi transcrita pelo José neste post na GLQL e vai reproduzida em cometário ao presente post
11 outubro 2005
Magistratura e política
Marcadores: kamikaze (L.P.)
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5 comentários:
Ferreira Torres, sempre que havia uma festa do Concelho fazia-se acompanhar por três magistrados (bem conhecidos no mundo do futebol)e de forma ostensiva. Isso tinha um significado que naturalmente levava a que o pessoal tirasse as suas conclusões. E uma delas foi dita em pleno julgamento por um arguído. Afirmou, quando lhe foi dada a palavra no final do julgamento: «enquanto aqui estiver Ferreira Torres não acredito na Justiça». Foi penalizado por isso, mas injustamente, pois penso que ele não queria ofender os magistrados que estavam à sua frente, mas repetir o que dizia a população do Marco em conversas privadas.Alguma prudência nessas confraternizações ostensivas entre autarcas polémicos e magistrados evitaria conclusões que não abonam a favor do papel da magistratura. Penso que os magistrados deveriam sair do futebol e os que fossem para a política deveriam abandonar a carreira.
Não sei se sou exagerado, mas há uma absoluta necessidade de prestigiar as magistraturas. Era impostante que os sindicatos, como orgãos defensores da classe, tivessem este debate. Não podem ter sucesso na reivindicação de melhores condições sociais, se lhes faltar a rede social de apoio que é dada pelo prestigio reconhecido socialmente. Faltando isto, tudo o resto só gera mal-entendidos e é isso que tem vindo a acontecer.
Os senhores juízes estão preocupados é com a mercearia: veja-se como o Verbo Jurídico passou do estilo distanciado que caracterizava os seus recortes de imprensa para o comentário eivado de radicalismo e a proliferação, nos últimos dias, de blogs da autoria de outros tantos juizes (cfr. aqui: http://ciberjus.blogspot.com/2005/10/novos-blogs-jurdicos.html)e, sobretudo, os comentários a este post (http://www.blogger.com/comment.g?blogID=17414594&postID=112880727782352151), onde só um tal jovem moicano parece ter ainda algum pudor!
Vale mesmo a pena ler!
Depois admiram-se do descrédito a que estão cada vez maois votados!
P - Nunca houve tantos candidatos que estivessem a braços com a justiça como nestas eleições. Isto significa o quê? Que existem menos garantias de impunidade, uma vez que se encontram sob investigação, ou que eles só puderam ser candidatos porque algo falhou ?
LS - É uma situação que vai criar problemas bastante graves. Para já cria precedentes, o que é gravoso. Espero que na sequência do que aconteceu se pondere bem e se proceda, por exemplo, a uma revisão constitucional que possibilite a retirada de direitos políticos de modo a impedir candidaturas nestas circunstâncias.
Faz sentido que exista imunidade, que aliás surgiu no Reino Unido precisamente para defender os parlamentares de um poder absoluto do rei, e também em contextos de transição democrática para defender os eleitos e candidatos de abusos de poder. Agora essa definição de imunidade não pode ser desvirtuada em função de impositivismos da lei. Estes assuntos não podem ser tratados com esta pequenez, à letra, à vírgula, como tantas vezes acontece na magistratura portuguesa. Uma situação a que, aliás, não será alheia alguma socialização entre magistrados e actores políticos, que também os inibe de actuar.
P - A nível das autarquias?
LS - São situações muito conhecidas as das relações entre juízes da comarca e autarcas. Mas não é só isso. É preciso ver que alguns destes políticos decidiram ficar-se pelo nível autárquico porque a fonte de rendimentos ilícitos é bem maior aí, sobretudo nas áreas suburbanas da grandes cidades que estão em desenvolvimento, do que num qualquer lugar no parlamento. E estes são indivíduos com peso no partido, porque levam para lá muito financiamento, e que têm os seus mecanismos a nível do poder central para fazer bloquear as coisas. São os processos que desaparecem, as fiscalizações que não se fazem, as nomeações de certos juízes...
P - Quer dizer que os partidos políticos, em termos de financiamento, estão muito dependentes dos seus autarcas, das suas autarquias?
LS - Os bastiões, sim. E até foi difícil, se calhar, para o PSD agora ter de abdicar de alguns deles, porque são fontes de financiamento para o partido.
P -É provável que hoje sejam eleitos esses candidatos que estão a braços com a justiça. Existe um divórcio entre a justiça e o estado da opinião?
LS - É a velha questão da eficácia/legalidade. Podemos ter um autarca que é muito corrupto e deixou obra. E as pessoas, que estão ainda numa fase desenvolvimentista, são capazes de optar por ele. Como se pensassem - está bem, ele fez ali umas trafulhices, mas tem embelezado a cidade, tem trazido indústria, empresas, etc. Mas o que os eleitores têm que vir a perceber é que existem custos de oportunidade em tudo isto. Por exemplo, o autarca trouxe um centro comercial, mas colocou-o em cima de terrenos que integravam a Reserva Ecológica.
O que é que isso significa? Que amanhã, quando o eleitor quiser ir passear com o filho ou neto, vai ter que ir passear com o carrinho à volta do centro comercial. Que por cada elemento que o autarca colocou devido à cor partidária ou a laços familiares, houve 20 com mais competências que ficaram de fora e que isso tem custos. E acumula uma série de injustiças que não faz bem sequer para a própria comunidade. Vê-se a curto prazo, sem se aperceber que se alimenta assim certos cancros da democracia local a longevidade no poder, a concentração de poderes, que podem levar aos abusos de poder.
P - Quem é que financia as campanhas destes candidatos que se apresentam fora dos partidos?
LS - As fontes de financiamento para um candidato apresentado por um partido ou independente são quase as mesmas. O dinheiro vem muito de contribuições agora individuais, porque as das empresas passaram a estar proibidas. Mas estão proibidas no papel, o que não significa que empresas não continuem a financiar. Existem vários meios para o fazer. Hoje as operações financeiras fazem-se com um clic em casa, com a internet ligada. Mas também ainda há muito financiamento dentro do saco de plástico, sobretudo a nível autárquico, ainda se faz muito em numerário.
P - Em troca de favores futuros?
LS - Os empresários procuram por vezes um favor de uma coisa que lhe é de direito. É o caso de um empreiteiro que esteja a realizar várias obras no concelho e que se encontra nunca situação financeira de ruptura. O Estado paga mal e paga tarde. As autarquias também. E isso pode colocar o empreiteiro numa situação muito difícil. Neste cenário a sua contribuição pode ser, por exemplo, para garantir que o primeiro pagamento, quando chegarem as verbas, seja feito para ele. É uma questão de posicionamento na lista de prioridades. Mas existem muitos outros favores que não são de direito. É o que se passa quando um empresário financia uma campanha para garantir vantagens futuras. Por exemplo, uma alteração ao Plano Director Municipal que viabilize uma determinada urbanização. A maior parte destes favores dos autarcas está ligada ao sector imobiliário, mas existem também em relações a outros segmentos que são fundamentais para as cidades como é o caso da recolha e tratamento de lixo.
P - Este financiamento em troca de favores é entendido como corrupção?
LS - Não creio que haja uma posição única da opinião pública sobre esta matéria. O financiamento, as contribuições de privados, podem constituir uma estrutura de oportunidade para a corrupção. Se alguém viola as suas obrigações para favorecer este ou aquele. Até mesmo o desenvolvimento de uma determinada política, feita dentro da lei, pode vir a favorecer um determinado jogador e aí é difícil julgar onde começa, onde acaba, essa corrupção. Mas a definição legal que temos de corrupção não inclui as contrapartidas que possam existir derivadas de financiamento ilícito. Isso é matéria que é tratada dentro do regime de financiamento dos partidos políticos. O financiamento por parte das empresas está proibido, se de facto se verificar teoricamente será punido, e agora até dá cadeia.
P - Então o que se entende por corrupção?
LS - É óbvio que a definição de corrupção vai além daquela que temos no Código Penal. As próprias leis não são monolitos, evoluem. Nós não tínhamos um crime de tráfico de influências até 1995 e passámos a ter. Porquê? Porque houve uma reacção da opinião pública em relação a esse tipo de práticas que puxou o legislador a criar uma penalização. Existe uma definição penal, legal, e depois uma definição mais ampla que vai sendo dada pela opinião pública conforme vão surgindo as ocorrências, certos factos. Há coisas que eram perfeitamente toleradas há oito, dez anos, e que hoje já não o são. Por exemplo, as questões ligadas ao financiamento político. Ninguém debatia esta questão nos finais de 70, anos 80, era uma coisa que passava ao lado.
P - Não se discutia porque essas questões não eram encaradas como um problema ou porque existiam menos casos do que agora?
LS - A maior parte dos problemas que hoje estamos a viver derivam desse período. São práticas que se foram consolidando, cristalizando e que se tornaram num "modus operandi” para os partidos, como se fossem normais. Mas as coisas mudam, às vezes também por via de exemplos que chegam de outros países. E a verdade é que, nos finais de 80, começámos a ser bombardeados com os escândalos de Mitterrand. Depois, e sobretudo, no início dos anos 90, começa a operação "mãos limpas" em Itália, que foi o pontapé de saída de toda esta reacção em relação à corrupção a nível europeu. Por outro lado também houve actores internos que tiveram um papel fundamental. É o caso do jornal "0 Independente", que tinha como propósito esse tipo de jornalismo de exposição de casos de corrupção que estivessem ligados a personalidades, altos funcionários políticos. E aí avançou-se um bocado com a investigação. Mas havia coisas que já eram conhecidas de longa data - as malas de dinheiro para os partidos, as ligações com Macau, as ligações com os empresários locais. O que não faltavam eram exemplos, mas passava-se ao lado.
P - Hoje há menos tolerância?
LS - Sim, mas também há muita hipocrisia.
P - A corrupção é um mal Inevitável das democracias?
LS -A corrupção existe, continuará a existir, está connosco. A questão é saber como controlar o fenómeno, de modo a contê-lo em patamares que não criem grandes disfuncionalidades, e insatisfação e desencanto com a democracia, como se tem verificado nos últimos anos. Tomemos um caso - o esbanjamento de dinheiro nesta campanha autárquica. O dinheiro tem de vir de algum lado e como geralmente a maior parte das pessoas pouco ou nada contribui, lá voltamos à mesma tecla : há-de vir de quem tem expectativas de contrapartidas futuras. Por muita monitorização que possa fazer uma entidade de contas, a solução do problema está, por um lado, nos partidos - é uma questão de auto-limitação; e, por outro, nas pessoas, condenando por exemplo estas campanhas festivas, demasiado dispendiosas.
P - A eficácia das medidas de controlo da corrupção não exige então mais alterações legislativas?
LS - No que respeita ao que a OCDE chama de infra-estrutura de ética, Portugal não anda longe do que têm os outros Estados membros da União Europeia. Em alguns aspectos até os ultrapassa. O problema é que a maior parte dessas medidas ou não é implementada como deve ser ou o modo como são desenhadas faz com que já venham minadas desde o princípio. Por exemplo, quando foi debatida a questão do tráfico de influências saiu uma versão bem mais limitada do que aquilo que deveria ser ou quando da adopção do último regime de financiamento, em 2003. No fundo a grande alteração foi subir os limites de despesa e introduzir um sanção que nunca nos nosso dias vamos ver ser aplicada, Ver alguém ser preso por financiamento ilegal em Portugal? Quando até as multas não são cobradas. O legislador já foi autarca ou tem amigos que já o foram ou ainda são. Estamos a falar da classe que tem poder, da classe política, que adopta medidas defensivas e, por vezes, por causa disso, as leis são publicitadas com muito alarido, mas saem já sem dentes. Foi o que se passou com a decisão de colocar sob a alçada do Tribunal Constitucional a nova entidade das Contas e Financiamento Políticos. Foi uma escolha tampão. Por outro lado, as próprias entidades com competências nesta matéria também se deviam pronunciar sobre os problemas que surgem. A Comissão Nacional de Eleições raramente se pronuncia, tem uma jurisprudências das mais medíocres que conheço. E não por falta de queixas. Pergunto-me porque é que não se cria uma grande CNE, um corpo administrativo com pessoas competentes e que não tenha por lá, na direcção, os meninos com crachá.
In: Agência Brasil, 17/8.
No fórum da Associação dos Magistrados Brasileiros, os Magistrados, promotores e procuradores de Justiça divulgaram, como conclusão, um manifesto intitulado Carta aberta à Nação, onde se afirma, por exemplo, que "diante deste grave quadro de denúncias de corrupção e de emprego irregular de dinheiro, a Magistratura e o Ministério Público defendem que os factos sob investigação jamais serão tratados pela Magistratura e pelos membros do Ministério Público Federal sob o prisma ideológico, devendo preponderar o interesse público e a defesa do Estado Democrático de Direito".
Os Sindicatos não poderiam promover,entre nós, uma iniciativa do género?!...
Aqui fica então a entrevista de LS ao DN (c. r. l.):
"Muita da corrupção está associada a cargos de nomeação política"
DN - É possível fazer uma caracterização da corrupção em Portugal?
LS - É difícil fazer uma radiografia precisa da corrupção num determinado sistema político, num determinado momento, porque as manifestações do fenómeno variam no espaço e no tempo. Na administração central, as grandes compras do Estado, como, por exemplo, a compra de material militar, implicam quase sempre o pagamento de comissões por parte de empresas estrangeiras (e com alguma conivência dos seus governos), que tanto podem ser pagas em contas offshore ou através de donativos para as campanhas eleitorais.
DN - E no caso das autarquias locais?
LS - Nas autarquias, as áreas de urbanismo e licenciamentos são também as que mais oportunidades criam para a corrupção de quadros técnicos e eleitos locais. E não se trata apenas de casos de corrupção; há também situações de concessão, quando o autarca exige aos empresários que lhe paguem para que possam aceder ou estar listados para determinados concursos ou para que lhes sejam aceleradas decisões de direito e pagamentos em atraso. Há ainda a recolha e tratamento de lixos. A concessão destes serviços a privados tem gerado, em alguns casos, rendas ilícitas para os eleitos, e que estão a passar para as mãos de privados. Existe também a socialização entre os actores, que diminui, em muito, a necessidade de linguagem explícita. Cria--se um clima de negócio, de omertà entre as partes subentende-se o que é preciso fazer e conhecem-se os ganhos para cada um dos players implicados.
DN - A situação em Portugal pode considerar- -se preocupante?
LS - O que eu acho preocupante é a falta de sentido de serviço público, aquilo que os britânicos chamam de civil service spirit. O sentido de servir o público e não apenas de funcionar ou gerir o que é público. A própria atitude dos portugueses em relação ao conceito de bem público também está na base do problema o bem público é, vezes sem conta, interpretado como um património sem dono e não como um património colectivo. Por outro lado, o não haver uma condenação sistemática da corrupção por parte dos colegas dentro de uma instituição permite que estas práticas e condutas se tornem um modus operandi. Veja-se o caso da Brigada de Trânsito se os indivíduos que entraram nesses esquemas fossem "condenados" pelos colegas, o problema resolvia-se, até, internamente.
DN - A aprovação de códigos deontológicos para a administração pública poderia ajudar a implementar essa cultura de autocensura?
LS - Ajudam. Mas há duas questões a jusante a formação e o recrutamento. Se este não for na base do mérito e do profissionalismo, é possível que essa cultura exigente nunca se consolide. Muito dos problemas de corrupção no sentido lato que têm surgido na administração pública, no sector empresarial do Estado e nas autarquias estão associadas a cargos de nomeação política. Em alguns casos, essa influência partidária levou à criação de "sacos azuis" nesses organismos para o financiamento de campanhas eleitorais e dos próprios partidos.
DN - Ou seja, acaba tudo por bater no financiamento partidário?
LS - Fala-se que o problema é sobretudo de enriquecimento pessoal, mas esquece-se que em Portugal a distinção entre os partidos e as pessoas que os integram é muito frágil. O facto de haver um secretário de Estado que tenta criar uma fundação, que não se sabe bem o propósito, mas que alegadamente seria o financiamento político, temos aqui os dois casos. As tais "pistas de rodagem", isto é, o membro do aparelho partidário que tenta criar um "pista de rodagem" dentro do partido através do abuso das prerrogativas que lhe são inerentes ao cargo. Muitos destes indivíduos, que proliferam nos partidos com um capital próprio baixo, tentam angariar meios financeiros para ter peso dentro do próprio partido. Se ele for identificado dentro do partido como o homem do dinheiro, ou o homem que tem acesso a meios e influências, é procurado pelos seus pares.
DN - Ou seja, é "natural" que as pessoas subam à custa do dinheiro.
LS - Hoje temos uma nova classe de arrivistas que entra na política para fazer dinheiro. Parte do problema reside no facto de os partidos, enquanto instituições, não exigirem critérios de seriedade, integridade e transparência aos seus membros e candidatos. Mas há também uma quota-parte de culpa dos eleitores, que não só não penalizam certas condutas como ainda as premeiam .
DN - Que avaliação faz do combate à corrupção feito pelo sistema judicial?
LS - Era bom que os magistrados se chegassem à frente e se fizessem ouvir quando ocorrem as reformas penais. Em França, quando o legislador, em 1990, decidiu passar uma nova revisão da lei de financiamento de partidos, os magistrados viram- -se impossibilitados de actuar numa série de processos de corrupção ligados ao financiamento ilegal dos partidos. O que é que fizeram? Descobriram um atalho já que não se pode ir atrás dos políticos, vamos atacar a origem. Utilizaram um crime de 1935, o abuso de bens sociais das empresas, e através dele foi criada pressão sobre os empresários. Em Portugal, a maioria dos magistrados é bastante conservadora e pouco assertiva em relação a casos de corrupção que envolvam figuras políticas e altos empresários.
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