03 novembro 2005

Diário Político 6

O JULGAMENTO DE JÚDICE
Timeo Danaos et dona ferentes
Virgílio, "Eneida", livro II

Não fora ter lido isto no "Público" (ed. de 14 de Junho) se me contassem não acreditaria. Mais: acharia contraproducente um tal julgamento porquanto pareceria demasiado fácil de rebater pelo presuntivo autor quando se conhecesse a violenta diatribe que se lhe atribui. Todavia, e para coroar alguns dos meus mais longínquos votos (os outros são receber o balúrdio do totoloto e ter permanentemente parceiros para o bridge) a notícia saiu, correu o seu petit bout de chemin, foi confirmada e reproduzida em mais dois ou três jornais.

E é assim: o Dr. José Miguel Júdice afirmou ao "Diabo" que foi a "força de Cavaco" que protegeu alguns ministros que "não lembraria a ninguém que passassem de chefes de Gabinete".

Não referem as minhas fontes quais e quantas serão as criaturas atingidas pelo cruel veredicto. Entre amigos e meros conhecidos atingiu-se uma média relativamente elevada que alguém, que votara PPD no primeiro mandato, qualificou como aquele quarteirão de ineptos. A quantia agradou-me ainda que prefira ouvir a palavra "quarteirão" referida a petingas bem fritas que sempre recorda a Figueira, ocasional e inocente berço desta cavalgata que já leva dez anos.

Que o professor Cavaco trouxe para a ribalta desumana da cena política um bom par de aselhas não era novidade para a oposicrática que, aturdida, foi ouvindo, nas câmaras, uma infinita série de dislates que só à força de voto maquinal conseguiam fazer caminho. Que os jornais bloqueantes nunca tiveram falta de pascigo para a crítica brejeira do executivo também me parece uma verdade digna de La Palisse. Mas que o dr. Júdice, personalidade relevante no PPD, encartado opinion maker com direito a coluna nos jornais, chegue, agora, à praça pública e, na qualidade de conselheiro de Nogueira, venha com dez anos de atraso enviar esta carta armadilhada ao actual molho de brócolos que sob o pseudónimo de "ministério" vai governando o país, eis o que me parece "presente de grego".

Comecemos, porém, pelo princípio como soía dizer um glorioso mestre da faculdade de direito de Coimbra: quem são os réprobos condenados pela pena refulgente do arcanjo (J.) Miguel (Júdice)? Não parece que nesse índex constem os membros do gabinete que apoiaram Nogueira para presidente do partido. Não que não o mereçam, que nesse grupo há um largo par de rapazes que não passaria num concurso para primeiro oficial quanto mais para chefe de gabinete. É que é preciso lembrar que o Sr. professor Cavaco tinha da tropa fandanga que o servia uma noção simples: tratava-se de angariar umas criaturas que fizessem o mesmo que os contínuos mas com mais rapidez, sem se perderem por esconsos a ler "O crime" ou o "Record". Isto para secretários de Estado que para os sub dizem-me que, quando era preciso, se ia por uma carrada deles às secções suburbanas do partido.

O problema maior que se pôs, nesta pesquisa, foi que ninguém, mas mesmo ninguém, sabia os nomes dos inocentes que foram passando pelos pelouros menores. Nem mesmo a minha paciente mãe que, anos a fio, foi o espanto da família por reconhecer, logo que apareciam na televisão, um engenheiro que foi ministro da marinha e um cavalheiro de bigode farfalhudo que praticou na segurança social, foi capaz de ajudar. "Sabes - disse-me, esses dois eu relacionava-os com o gato do merceeiro e com um periquito da vizinha Carmo que te dava arroz doce quando eras pequeno."

O resto da família remeteu-se ao mesmo laconismo com a excepção notável da sobrinha Margarida que, tendo começado a ler, apanhou uma lista dos amigos do dr. Durão Barroso e recitou-a de fio a pavio. Apesar de credível o rol não foi considerado dada a idade da criança e o facto de ela ainda não ser capaz de distinguir, no mrpp de antigamente, a linha negra da linha vermelha. O tio Quim insistiu na homologação dos resultados fornecidos pela sobrinha neta mas os pais observaram que ela chamava barrosão duro ao ministro citado quando o via na tv e isso desqualificava a pesquisa.

Desistiu-se de procurar nomes para as incompetências apontadas por Júdice e passou-se ao capítulo seguinte: estará a lista de deputados a propor pela nova direcção do PPD isenta da inépcia "judicativa"? Embora ainda se não conheçam os nomes não é impensável que nela constarão os principais apoiantes de Nogueira. Se assim for, e será certamente assim, mais de metade do anterior ministério volta às lides pelo menos ao parlamento. Se os amigos do dr. Barroso forem incluídos dificilmente se encontrão as notórias incompetências de que Júdice foi o implacável Vichinsky. Poder-se-á concluir que a inabilidade governativa é como a brotoeja e que passa com duas aplicações de papas de linhaça? Ou que a incompetência governamental se cura com 4 anos de oposição? Ou que, existindo de facto, o partido já se habituou a ela e tenciona, afinal, fazer disso uma bandeira para se opor a uma alegada competência da oposição que, além de inumana, seria contrária aos costumes portugueses e, por conseguinte, indesejável no actual período histórico que se vive, como, já várias vezes, nos avisou o primeiro ministro?

Finalmente, e para terminar, será que a incompetência assinalada por Júdice se estendeu, qual mancha de azeite, a todo o corpo partidário e por isso já não vale a pena denunciá-la em contados casos deixando-lhe os cidadãos entregues e rezando para que da Europa nos enviem uns capatazes para ver se a asneira não ultrapassa os limites do que vem sendo a prática governamental deste ano que vai correndo?

Respondam SS Rufina, Áurea e Justa, virgens festejadas hoje. Ámen.

Texto de 1995 ?

eu não queria bater mais no céguinho que, por ora, está na oposição. Todavia, parece que nos adeptos da actual maioria ainda não há uma Cassandra que diga aos que actualmente mandam que também têm nas suas fileiras umas valentea azémolas. Paciência e que seja pelos nossos pecados...

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