O advogado Marinho Pinto tomou-se no exorcista de serviço às TV, para esconjurar os demónios que se acoitam nos corredores da justiça a atazanar arguidos, queixosos, testemunhas e advogados. Cabe-lhe a honra de ter sido o único a aperceber-se de que a beca é o disfarce ideal para o Mafarrico (pois lhe pois lhe permite esconder a cauda sem levantar suspeitas). As televisões pelam-se por personagens destas, capazes de impedir qualquer debate de resvalar para a monotonia própria das discussões sérias. No momento certo, o moderador pronuncia as palavras mágicas “juiz” ou “magistrado” e desencadeia uma sucessão vertiginosa de reacções pavlovianas no advogado Pinto, que começa a agitar-se na cadeira balançando o tronco para a frente e para trás e pondo e tirando os óculos de ver ao perto, até arrancar como uma locomotiva a vapor, no meio de nuvens de fumaça e chinfrineira de ferragens, investindo contra as Torres Gémeas do eixo do mal, a Magistratura Judicial e a Magistratura do Ministério Público, culpando-as de todos as desgraças que afligem a Humanidade, do buraco do ozono ao pé de atleta e à queda do cabelo. O país precisa de gente de tal têmpera, de gente, como o advogado Pinto ou como Jardim, que nao se cala (o problema é justamente esse, calá-los...)
Manuel António Pina - POR OUTRAS PALAVRAS - JN 31OUT05
2 comentários:
Boas crónicas tem assinado o Manuel António Pina, no Jornal de Notícias!
Para além de escrever de modo enxuto e forma sincronizada com a gramática, diz coisas que vale a pena ler.
Diz no texto e escreve no intertexto. Ou vice-versa.
Retoma alguns temas de uma convivência passada em livros e em círculos de uma certa esquerda que nunca o foi verdadeiramente mas também não mora à direita.
M.A. Pina parece-me antes do mais, um modelo de um certo jornalismo que nunca deveria desaparecer: o daqueles que sabem fazer títulos de jornal com notícias realmente interessantes. Um jornalista escritor, voilà!
Há mais, mas cada vez menos.
Amigo leitor José, não se esqueça do admirável "O Anacronista" (Afrontamento) onde se podem ler textos deliciosos deste enorme poeta e enorme cronista.
quanto ao alvo da crónica, o advogado-jornalista (ou vice versa) Marinho temos dito. A criatura acaba por ser útil: tanta grita, tanto impropério, tanta excitação converteram-no num paladino das magistraturas que ataca. É que a gente não tem pachorra, valha-nos Santa Rita, padroeira dos impossíveis.
O grave é que o desinfeliz toma-se por Catão (delenda est Cartago...) e não passa de uma espécie, aliás vulgar de galispo pedrês a mostrar-se ao galinheiro...
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