21 novembro 2005

A minha terra em Londres!

Tem estreia marcada para amanhã na Greenwich Playhouse, em Londres, a peça "O crime da aldeia velha", baseada na obra homónima de Bernardo Santareno. Com tradução, adaptação e produção de Alice de Sousa e encenação de Bruce Jamieson, a peça é apoiada pela Fundação Gulbenkian e pelo Arts Council do Reino Unido.
Como muitos saberão, a história baseia-se em factos verídicos ocorridos nos anos 30 em Soalhães (a minha terra e também do amigo carteiro), concelho de Marco de Canaveses, onde decorreu um auto-de-fé popular sobre uma mulher acusada de bruxaria e que foi queimada viva.

8 comentários:

M.C.R. disse...

É bom saber que Santareno não está assim tão esquecido. nos idos de 60 fiz parte de um grupo teatral de Coimbra (o CITAC) que ainda pensou em encenar Santareno. Porém, pesava sobre ele a sombra da proibição censória e o CITAC já tinha uma larga história de problemas com a repressão. Recordo todavia uma conversa exploratória tida com Santareno numa pastelaria duma sucursal da avenida da Liberdade: ele foi gentilíssimo com o grupo de estudantes amadores de teatro que o procuravam. Como muito dos autores daquele tempo (e sobretudo os dramáticos) Santareno atravessa uma fase de esquecimento. esperemos que se não prolongue.
Meu caro JCP: se bem recordo a peça, a sua terra era naqueles longínquos tempos, um tanto ou quanto selvagem!...

Primo de Amarante disse...

Não sei se poderemos chamar selvagem a esses tempos. As suas crenças é que eram diferentes. O caso ocorreu num lugar da freguesia de Soalhães, chamado Oliveira (?)e foi determinado pela crença numa sugestão do livro de S. Cipriano. A moça era epiléptica, mas pensavam que os seus “ataques” tinham origem num espírito mau que incarnara nela. Para a libertarem desse demónio, o seu tio, com a conivência da família, seguiu a indicação de uma bruxa de Ermesinde que lhe lera uma passagem do livro de S. Cipriano. Acreditavam que depois de ser queimada viva num molhe de palha ela renasceria limpa do mau espírito. Ainda esperaram um dia, mas como falhara a sugestão de S. Cipriano, o tio aguardou que a GNR o levasse para a cadeia. Morreu há poucos anos.
Sociologicamente, não foi um crime foi uma boa intenção inspirada numa má crença e, por isso, com consequências terríveis.
Hoje, há outras crenças com consequências tão perversas como o primarismo obscurantista do crime da “Aldeia Velha”. Por exemplo, invadir o Iraque para promover a democracia. Só duvida que, neste caso, a intenção seja melhor do que a crença.

o sibilo da serpente disse...

Pois +é, JCP, a nosa boa "terra-do-mata-e-queima" nos grandes palcos internacionais... Nem tudo é mau. De qualquer modo, estou de acordo com o compadre esteves quando diz que aquilo não foi bem um crime - terá sido mais - ou menos - do que isso.
Aproveito para informar que para além da peça de Santareno, há um um livro que aborda o lado jurídico da questão - julgo que se chama "A queimada viva de Soalhães" - da autoria do meu saudoso tio António Pereira Coutinho e de Guilherme Pinto (esse, o edil de Matosinhos).
Quanto à selvajaria, caro MCR, julgo que a imagem terá começado por aí, mas o que deu verdadeiro mau nome à terra foram as históricas cenas de pancadaris entre duas famílias rivais lá so sítio.

Primo de Amarante disse...

Não era a Terra que vendia carne de "gado podre", como dizem. Mas, segundo consta, um negociante apoiante do dito AFT.

Reparo que o amigo Hospede está dentro destas questões, mas é preciso fazer a distinção entre o tempo da gente ernesta, descupem honesta e o de outra gente.

o sibilo da serpente disse...

Ah, Ah, ah. Claro, o gado! Mas isso não é pré-história, é a realidade, ainda hoje. Não se se exclusiva de Soalhães, mas que ainda assim, é. Ora, compadre, não sei se é só gente ligada a AFT. Alguns serão. Mas nem todos serão. São muitos, acredite. E também são muitos os que, acossados pela autoridades sanitárias, são avisados antes para se porem a milhas. E os baús com dinheiro vivo? Bem. Sobre essas coisas não posso falar, por motivos profissionais...

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Pois é, a carne! Essa é ainda a realidade de muita gente da terra, que percorre o Norte de Portugal vendendo carne e fazendo dinheiro. É ver os automóveis topo de gama estacionados à porta do "bairro"!

o sibilo da serpente disse...

O "bairro", aquele verdadeiro Cambodja pejado de topos de gama...
Que raio de terra tinha que nos sair na rifa, rapaz... Mas nem tudo se perdeu. Ainda te temos e a mim e a alguns outros. Mas, bem feitas as contas, não houve muitos mais. Nem haverá, parece-me. Gerações e gerações perdidas. Começo a acreditar que a maldição começou mesmo com o estigma da terra do mata e queima a que nunca soubemos dar a volta.
Lembro-me de que, tinha para aí ins 14 ou 15 anitos e jogava futebol por Soalhães num torneio inter-freguesias (eu, que sempre fui um craque), saí das 4 linhas do velho campo da Tapadinha durante o jogo para dar um estalo num desgraçado que estava farto de nos chamar "mata-e-queima"... Ficamos mesmo enredados nisso...

Leonor Areal disse...

Existe também o filme de Manuel Guimarães a partir da peça de B. Santareno, aqui um excerto: https://www.youtube.com/watch?v=I_yb-3fc2jI