14 novembro 2005

Vidas

O acidente de trabalho que vitimou cinco portugueses nas obras de uma auto-estrada espanhola terá despertado muitas pessoas para uma realidade que até aí desconheciam. A falta de oportunidades e a baixa escolaridade de muitos jovens deste país, sobretudo do interior, acabam por empurrá-los para uma das poucas saídas possíveis: a construção civil. Depois, quando a crise aperta em Portugal e surgem “cantos de sereia” que lhes prometem este mundo e o outro, lá vão esses jovens – e outros menos jovens – para o estrangeiro à procura de melhores salários, correndo muitas vezes o risco de cair na mão de intermediários sem escrúpulos, que os fazem regressar à sua terra “de mãos a abanar”. Conheço mesmo alguns desses casos, pessoas que, depois de vários meses a trabalhar em Espanha, regressaram a Portugal ainda mais pobres do que quando partiram.
Estes jovens vivem perante um dilema que explica, em parte, os elevados níveis de abandono precoce e de insucesso escolar. Sem qualificações não há emprego e sem emprego qualificado não encontram a motivação necessária para estudar. Para quê andar na escola até tarde se, depois, a saída são as obras de construção e outras profissões igualmente duras e indiferenciadas, que já foram o destino dos seus pais e avós? A realidade de Cinfães, de Paredes, de Amarante, de Baião, do Marco de Canaveses e de tantas outras terras deprimidas ainda é esta, o que ajuda a explicar por que razão aqui se encontra um tão elevado nível de abandono escolar.
Os graves problemas económicos que o país atravessa não são alheios aos deficientes níveis de educação e de formação dos nossos activos, pelo que urge ter políticas prioritárias para esta área. Se aceitamos que o desenvolvimento económico é uma condição essencial para o progresso de uma região e para a melhoria das condições de vida da população, a educação e a formação são componentes indispensáveis para atingir esse progresso económico e social.

6 comentários:

Primo de Amarante disse...

Segundo o que ouvi, um dos jovens que faleceu frequentava o 12º ano e era bom aluno. Foi a necessidade de ajudar a família que o levou para Espanha à procura de emprego. E foi este jovem que avisou (sem resultado aparente) os responsáveis pelas obras de problemas de segurança.

o sibilo da serpente disse...

Há uns meses, escrevi aqui um postal em que relatava o que vi dos portugueses que trabalham em Espanha. Das viagens que acompanhei de perto e das circunstãncias em que trabalham. Tentei encontrar o postal, mas não consigo...

O meu olhar disse...

Concordo plenamente consigo caro JCP. Acresce à realidade do abandono escolar, a fuga dos licenciados das regiões do interior. Um pequeno exemplo:
Estou neste momento à procura de um técnico, com determinado perfil, para uma organização situada numa cidade do interior. Há pouco tempo, para uma outra organização sedeada no Porto, recebemos perto de 700 candidaturas. È verdade setecentas (!) de todo o país. Dentre elas procuramos também candidatos para o outro lugar, da mesma função, com residência perto ou na cidade do interior em causa: encontramos uma!
O que acontecesse é que mesmo os estudantes que nasceram e viveram no interior, quando acabam o seu curso ficam no litoral, sobretudo na região de Lisboa e grande Porto.
Havia que fomentar projectos de investimento que enraizassem e atraíssem jovens com bons níveis de qualificação. Isso permitiria aumentar o nível do meio envolvente e cativar a população jovem para a formação, académica ou profissional.
Não é preciso inventar muito. È apenas necessário fazer.

o sibilo da serpente disse...

ENCONTREI O TAL POSTAL. É DE 15 de JUNHO:

Portugueses em Espanha

1. Domingo, ao fim da tarde, saí do Porto com destino a Burgos, com uma breve passagem pelo Marco. Pelo caminho, encontrei, para além dos já habituais numerosos camiões TIR, dezenas de carrinhas de passageiros de matrícula portuguesa e outras tantas de matrícula espanhola (de agências de rent-a-car), todas elas carregadas de operários portugueses. Às sextas-feiras, ao fim da tarde, o percurso é feito em sentido contrário. Param em quase todos os cafés que encontram pelo caminho, bebem cerveja a granel (não sei se os condutores também), e percorrem as autovias a grande velocidade, muito para além do que a lei permite. É preciso chegar o mais cedo possível, seja para lá, seja para cá...
Não espanta, por isso, que em recente acidente de viação ocorrido às portas de Burgos, a maioria dos envolvidos fosse portuguesa. Espanha invade-nos com as suas empresas; Portugal invade Espanha com mão-de-obra barata. Sim. Também estou em condições de precisar que os operários portugueses que trabalham em Espanha às ordens de empregadores portugueses ganham lá o mesmo que ganhavam cá, o que os transforma em trabalhadores de segunda perante os seus colegas espanhóis e gente de segunda, como não pude deixar de registar de cada vez que se notava que eu era português.

Kamikaze (L.P.) disse...

Sera, amigo carteiro, que ja descobriu que o proprio blogger disponibiliza agora um serviço que permite, ate com uma so palavra, pesquisar um texto, p. ex. no Incursoes...:) esta tudo ali mesmo ao cimo da pagina, na nova barra de ferramentas...

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Oportuno postal e comentarios.

o sibilo da serpente disse...

tentei, amiga kamikase, mas não consegui. Tive de ir aos edits e foi fácil :_)