07 dezembro 2005

Uma reflexão a propósito de um debate

O blog não tem sido apenas uma instância de reparação (uma vezes mais reconfortante do que outras) : é também um espaço de debate e reflexão. Um dos debate que em comentário travei, fez-me lembrar o que há tempos escrevi sobre um “livrinho” (no seu tamanho) que li. Foi escrito pelo Prof. Arnaldo de Pinho, um teólogo, catedrático da Universidade Católica, que foi secretário de D. António Ferreira Gomes. O titulo da obra é “Jesus Cristo: Quem é?”
A obra é de oportuna leitura nesta época de Natal. Numa escrita penetrante, o livro sai fora do estilo da tradicional vulgata e, contextualizando a vida e a mensagem de Jesus, oferece-nos referências para uma reflexão sobre temas tão actuais como o da liberdade, da verdade e da justiça. O sentido que promove essa reflexão está, como bem assevera o autor do livro, na postura de Jesus perante as situações do seu tempo, “a maneira como se coloca no centro das opções”. Compreende-se, então, que o mais importante não sejam as palavras, mas a postura que faz a elevação moral do homem. E é desta forma que a liberdade, a verdade e a justiça deixam de ser “palavras-armadilhas”, como eram utilizadas pelos fariseus, e se transformam em “energias” de vida que convergem num mesmo sentido: o do progresso moral dos povos. Só quando o homem se desprende do egoísmo, a liberdade se torna um valor; só quando o homem deixa de ser prisioneiro de mesquinhos interesses, a verdade faz a concórdia; e, só quando há homens justos para defender a justiça, a justiça se torna no princípio da harmonia. A justiça pertence à moralidade antes de ser afirmação da legalidade. Por isso, os justos fazem a justiça e não a justiça faz os justos.
Foi a defesa desta atitude que se tornou no combate mais importante que Jesus travou contra escribas e fariseus. A justiça não pertence a ninguém, em particular, não pertence a nenhuma ideologia ou partido – todos somos moralmente obrigados a lutar por ela.
A leitura desta obra, mesmo para um agnóstico como eu, é reconfortante e tem sentido fazê-la nesta aproximidade do Natal.
Naturalmente, é um ponto de vista, mas um ponto de vista reconfortante sugerido pelo estimulante debate que tive neste blog com o compadre Delfim Lourenço Mendes (que motivou este post).

8 comentários:

C.M. disse...

Eu já abro o “Incursões” de manhã, antes de mergulhar na luta do quotidiano, em busca, curioso...da verdade, sempre da verdade...a verdade da justiça, nos processos que tenho, a verdade que pode ali estar, na exposição de um cidadão, em busca da “sua” justiça... mas dizia eu, abro o “Incursões” à espera de alguma maravilha que ali esteja...e, não sei como dizer isto, fiquei tão emocionado pelo teor do “post” do Compadre Esteves!

Com efeito, nem de propósito, ainda hoje ao pequeno almoço dizia a minha mulher que muitas vezes fazem-se afirmações e profissões de fé e, não obstante, não existe coerência de vida com essas mesmas afirmações!

O Compadre Esteves veio colocar, como se costuma dizer, “o dedo na ferida”.

De modo insuperável, ele soube interpretar o rosto íntimo da liberdade, verdade e justiça: “Só quando o homem se desprende do egoísmo, a liberdade se torna um valor; só quando o homem deixa de ser prisioneiro de mesquinhos interesses, a verdade faz a concórdia; e, só quando há homens justos para defender a justiça, a justiça se torna no princípio da harmonia.”

Eu creio que para um “agnóstico” (ele gosta de se afirmar assim...) não está nada mal a definição: não vejo qualquer diferença entre esta sua definição e a essência do Evangelho...

Se todos nós, crentes e não crentes, aplicássemos no nosso dia-a-dia a essência destas palavras, certamente que estaríamos a cumprir o desejo de Deus e a aplicar os ensinamentos de Jesus Cristo, quando Ele andou pelas margens do Lago Tiberíades...: rejeição do egoísmo, a liberdade enquanto sinónimo de respeito mútuo e não sinal de libertinagem ou imposição ao outro de tiranias; a concórdia, a justiça.

O Compadre Esteves (não sei se ele se deu conta) acaba de dar uma imagem de Jesus Cristo cheia de poesia, terna, plena de amor...


Obrigado, Compadre Esteves, pelas suas palavras, cheias de ternura, verdade, paz e justiça!


Jesus, nesta manhã, deve estar a sorrir...


Delfim Lourenço Mendes

Primo de Amarante disse...

Um dos filósofos que mais admiro é o estóico filosofo-escravo Epitecto. Os seus pensamentos estão publicados com o título “Manual de Epitecto" (edit. Passagens). A propósito das suas, meu caro amigo Delfim, considerações, adverte-me Pitecto: “Não dês atenção ao que digam de ti, pois o que de ti disserem nunca depende de ti”.

De facto, as pessoas simpáticas e amigos encontram em nós as virtudes que não temos (ou se temos é em quantidade reduzida e, por vezes, com manifestações paradoxais).

C.M. disse...

Meu caro Amigo, eu apenas posso afirmar que todos nós sofremos de imperfeições...

Contudo, por tudo aquilo que escreve, mormente o texto desta manhã, o meu amigo afinal assemelha-se com a doutrina de São Francisco: a sua prosa é um evangelho de amor fraterno...

Um abraço

Delfim

Primo de Amarante disse...

São Francisco nunca foi um caçador e este desporto é um vicio que ganhei nas terras do meu AvÔ, mesmo na fronteira entre o Marco e Amarante, nas fraldas do Marão. Foi aqui que também nasceu o desejo de ser lavrador e me persegue ainda hoje.

C.M. disse...

Sim, meu Caro, São Francisco até defendeu o lobo de Gúbio perante a população amedrontada...

Mas deve ser lindo, percorrer essas serras, em liberdade, longe da cidade...em comunhão com a Natureza...mesmo nada caçando...
Um Abraço, nesta manhã de sexta-feira, com Lisboa deserta...

Primo de Amarante disse...

Nada caçando! È verdade.Mas, o Marão, proporciona, de facto, uma vivência que só Teixeira de Pascoaes soube traduzir no seguinte verso:

"No alto templo de saibro, onde o luar
É tão saudoso canto, que os penedos
E os lobos ficam tristes, a cismar"

C.M. disse...

Ó Compadre, essa é boa...nada caçando...digo eu...ou seja, mesmo que nada se caçe, deve ser mágico percorrer essas serras, sem destino...

Primo de Amarante disse...

Isso mesmo, com uma vantagem: fugir ao reboliço da vida na cidade e viver as emoções que uma cadela perdigueira nacional (pura) desenvolve, ziguezagueando nas arribas da serra, com o nariz entre o mato, sempre na esperança de alcançar um horizonte indefinido.

Um abraço