«Le système d'enseignement, c'est-à-dire l'enseignement
du système», a fait de l'étudiant un être à la minorité
prolongée, irresponsable et docile[...] il faut
«transformer le monde et changer la vie».
Le Manifeste de Strasbourg, 1966
Ah! Maio de 68! A data já está no sótão mais soturno da minha memória recém saída da escola primária e se me falarem no San Francisco( be sure to wear some flowers in your hair) do Scott McKenzie, talvez lá consiga chegar. Mas apenas por lampejos breves em que se sobrepõe talvez O Rapaz da Camisola Verde do Frei Hermano da Câmara e a lembrança do Marcello Caetano a tomar conta do poder, na vez de um Salazar a poucos meses de ficar moribundo. Mas, recordação vívida, é a carrinha da SAPP ( Serviço de abastecimento de peixe ao país) , com pescada congelada e a cortar na hora e no frio - pela menina pescadinha, como se dizia na publicidade que um puto já absorvia ao ritmo de colecção cromos de ciclistas da volta a Portugal.
O slogan “make love not war” também era fresquinho e o símbolo hippie, perigosamente parecido com o logotipo da Mercedes ( Oh Lord! want you buy me...da Janis Joplin, saiu três anos depois) fazia furor nas sacolas da escola em scritti politi de grafitti a condizer.
Lá dentro, entre as lousas e os livros únicos, anichavam sempre alguns “Condor” e “Mundo de Aventuras”, com o Luís Euripo e Major Alvega, para não falar do Texas Jack, por obra e graça da Agência Portuguesa de Revistas, a quem nunca ninguém agraciou com uma Ordem de Mérito bem merecida .
Para além disto, já a Diana Andringa e outros se afadigavam na tradução de artigos do Le Nouvel Observateur e do L´Express ( sim! Vinha quase tudo de França, essa pátria um pouco esquecida, mas de cultura sólida e referências valentes).
Essas traduções bem esgalhadas e em perfeito português, como hoje não há, apesar dos especialistas de línguas moribundas, encontravam acolhimento nas Publicações D. Quixote que em Cadernos de uma centena de páginas, ao preço de 20 escudos, punham à disposição do leitor, as opiniões dos especialistas: “ O conflito Israelo-Árabe” ; Bolívia- Um Segundo Vietname?” ; “A Revolta dos Negros Americanos”; “Grécia 67”; “ Biafra” ; “ E.U.A.- Ano de Eleições”, este por Marcuse, Mailer, Salinger e outros.
Sobre o Maio de 68, apareceu em Novembro desse ano, “ A Revolta de Maio em França”, o caderno nº 11, com artigos de Jean Paul Sartre, Daniel Conh-Bendit e entrevista de Henri Lefebvre.
Numa passagem da entrevista, sublinhada a lápis, já esbatida pelo tempo,diz o filósofo :
“Julgo que este movimento se deve integrar no de uma sociedade. Não há pròpriamente( ainda levava acento...) uma crise económica, uma crise na base: as superestruturas é que entraram em crise. Este termo concentra qualquer coisa de muito lato, ideias, ideologias, instituições e, em particular, as que tocam naquilo a que se chama cultura ou universo de conhecimentos. Tais superestruturas estão frágeis, podres; basta um pequeno golpe para que desabem. É precisamente aí que se encontra a Universidade e foi onde começou toda a agitação...”
No mesmo livrinho de capa verde, um dos principais líderes do Maio de 68, Daniel Conh-Bendit e um dos principais inspiradores do movimento, Jean Paul Sartre, entrevistam-se mutuamente, na Sorbonne, com afirmações espantosas para os dias de hoje: J.P.S. – “ O que muitas pessoas não compreendem é que vocês não tentem estabelecer um programa, dar uma estrutura ao vosso movimento. Acusam-vos de quererem ´destruir tudo` sem saber- ou sem o dizer- o que querem pôr nos locais que demoliram. “ E responde D.C-B:
“ Evidentemente. Todo o mundo se acalmaria e Pompidou ( o PR da França de então) principalmente, se fundássemos um partido anunciando: ´Todas estas pessoas nos pertencem. Eis os nossos objectivos e como pensamos atingi-los...`Saber-se-ia com quem se lidava e era possível encontrar o jogo. Não se teria pela frente a `a anarquia`, `a desordem`, `a efervescência incontrolável`. A força do nosso movimento é precisamente o facto de se apioar numa espontaneidade ìncontrolável`, que torna impulso sem tentar canalizá-lo, sem usar em seu proveito a acção que provocou. Para nós, agora, há duas soluções. A primeira consiste em reunir cinco pessoas com uma boa formação política e pedir-lhes que redijam um programa, que formulem reivindicações imediatas que pareçam sólidas, e dizer: `Eis a posição do movimento estudantil, façam o que quiserem.` Esta é a má. A segunda consiste em tentar fazer compreeender a situação não à totalidade dos estudantes, nem mesmo à dos manifestantes, mas a um grande número deles. Para isso é preciso evitar criar imediatamente uma organização, definir um programa que seriam inevitàvelmente paralisantes. A única chance doo movimento é justamente essa desordem, que permite às pessoas falar livremente e que pode conduzir a uma certa forma de auto-organização. Por exemplo, é preciso agora renunciar aos meetings de grande espectáculo e chegar a formar grupos de trabalho e acção. É o que tentamos fazer em Nanterre.”
Nanterre! Nestes dias, a brasa voltou ao local! Sob o pretexto ligado a um futuro incerto, e a contratos com promessas em papel molhado, os estudantes, -sempre eles na vanguarda de quem se sente insatisfeito,- manifestaram-se ruidosamente mais uma vez, com desacatos previsíveis e intervenção também mais do que previsível das “forças da ordem”. Desta vez, não são CRS mas são na mesma da segurança interna.
Para mim , o espírito de Maio de 68 que hoje se tenta revisitar, em fantasma ou mesmo espectro, ficou sumaria, mas bem descrito nesse livrito despretensioso da D. Quixote, editado em tempo de censura prévia…
O D.C-B ainda descreve no artigo “ A Nossa Comuna de Maio” o seguinte: “ As autoridades sustentaram também que nós éramos ´manipulados`por ´pró-chineses`que pretendiam comprometer umas negociações que não são aprovadas por Pequim. É grotesco. Se estivessem bem informados, seberiam que os marxistas-leninistas não consideravam oportunas as nossas manifestações. Estes pensavam que deveríamos ir aos bairros populares discutir com os trabalhadores, explicando-lhes as nossas posições e convencendo-os a agir connosco ( sic) . Além disso, desafio a Polícia a citar quais de nós, entre os organizadores do nosso movimento, são ´pró-chineses`. Certamente que o não é o Sauvageot, nem eu, nem nenhum daqueles que nos cercam.”
Não obstante o nome de D.C-B não ser actualmente de citação politicamente correcta, é este idealismo manifestado e esta abertura de espírito sem mestre cantor, que me agradaram no Maio de 68.Independentemente da ideologia da esquerda marxista-leninista-trotskista-maoista que se apropriou do fenómeno. O conceito de Revolução Permanente cantado entre outros pos Moustaki (“ je voulais, sans la nommer vous parler d´elle; bien aimée ou mal aimée elle est fidèle; et si vous voulez que je vous la presente, on l´apppelle révolution permanente”), não era uma ideia cara ao comunismo tradicional e por isso os partidos clássicos de esquerda, viram no Maio 68 algo bastardo e desprezível para a sua ortodoxia, mas que podia ser aproveitado, o que aliás fizeram. Tal e qual como aconteceu em Portugal, em Abril de 1974 . Curiosamente, foram precisamente o Sartre e O Moustaki quem veio a Portugal nessa altura, para verem a experiência libertária em directo e em movimento, num PREC já inquinado pela esquerda clássica. E será que havia outra?!
Escrito isto, que quase poderia ser publicado num qualquer blog barnabélico, tenho alguma pena que a malta nova de uma certa direita que fala de cor, conteste o espírito de Maio de 68, sem o conhecer e integrados que estão em partidos do mais refastelado que há e acantonados à esperança de futuras prebendas de uns empregos de circunstância, como valetes de poderosos ainda mais medíocres do que eles. C´est dommage! ( É pena!)
E é pena porque a reivindicação de direitos e luta por melhorias de vida, sempre foi privilégio da juventude que começa a ver o mundo dos outros, pelo prisma próprio e não por aquele que lhes emprestaram os já instalados.
Hoje em dia, os jovens ambiciosos pelo poder, onde param? Nas juventudes partidárias já anquilosadas pelos vícios do jogo político mais rasteiro e esperançosos em fazer carreira sempre subir. Alguns conseguem…
5 comentários:
Belo texto!
idem: belo texto!
E se nos apanhássemos num Maio 68 aqui em Lisboa? Outra vez o sonho, a fraternidade (mas sem marxismos!...)
( não sei o que me deu para escrever isto...)
ó DLM: o marxismo (o conjunto de doutrinas de Marx e Engels) comporta muito sonho. Não foi o velho Karl quem escreveu: um fantasma assombra a Europa...? está a ver?
Quanto ao texto do Forte repito-vos. A propósito: quando o Sartre esteve cá ou melhor no Norte tive a sorte de ser guia dele durante dois inteiros dias. Até fizemos uma corrida de cervejinhas, a ver quem é que bebia mais...
ai este MCR é do "piorio"!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Já agora acrescento que se é verdade que a certa altura os grupos mais bem organizados, LCI e UJMLF, tentaram apoderar-se de tudo, também não deixa de ser verdade que o não conseguiram.
Taambém os socialistas não tiveram êxito. Ganhar ganhar, ganharam as centrais sindicais que reforçaram o seu poderes negociais, o pc teve um momento de respiro e a França ficou mais alegre, mais viva, mais ecologista.
Às vezes penso que Maio não veio abrir nada mas antes passar a certidão de óbito a um mundo qque não queria sair de cena.
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