01 março 2006

diário Político 13

Como prometido aos cavalheiros aqui se publica um texto onde o alvo é uma senhora. Julgo que com bastante razão. Mas se não o entenderem assim sempre poderei, como dizia há dias o dr Coutinho Ribeiro, aguentar com um apodo de male chauvinist

A mulher e o preto

Segundo um jornal de mexericos a senhora Secretária de Estado do Equipamento Social empresta a um amigo o carro que lhe foi atribuído pelo Instituto das Comunicações de Portugal (que, enquanto governante, a referida senhora tutela) .

O feliz contemplado pela secretariante generosidade usa o veículo para, com mais comodidade, “bater” as boites da 24 de Julho quando resolve beber um copito. Antes assim, dirão alguns para quem este inócuo desiderato parece preferível aqueloutro que consistiria em usar a viatura como táxi.

Infelizmente o jornal denunciante acrescenta que o cidadão alvo da amabilidade da senhora Secretária de Estado é procurado em Cabo Verde pelos tribunais para responder a um par de acusações constando ainda que, mesmo em Portugal, haverá alguma autoridade que gostaria de conseguir um “tête-à-tête” com o noctívago.

Confrontada com estes dados, cuja pertinácia, parece não contestar, a senhora Secretária de Estado terá dito: “Vocês fazem-me isto porque eu sou mulher e ele é preto”. E o gabinete da referida senhora veio gravemente enunciar que o carro emprestado não pertence à frota do Estado mas apenas à de um Instituto Público. Presume-se que para a fosforescente inteligência que elucubrou este comunicado a senhora Dr.ª Leonor Coutinho não tem que prestar contas quanto ao uso desta viatura visto não ser aquela que usa enquanto Secretária de Estado.

Perguntinha impertinente: teria a referida cidadã possibilidade de usar o “pópó” do comunicacional instituto se, acaso, não fosse Secretária de Estado? Mais: ainda que, por atrevida generosidade do ICP, o carro pudesse ser usado pela senhora mesmo apeada de toda e qualquer responsabilidade governativa e política, seria curial que a beneficiária o emprestasse a um amigo para a grave e dificultosa tarefa de ir aviar um ou dois whiskies a um bar da moda?

Estará a cândida Secretária de Estado convicta que se o motorista fosse “branco” o jornal silenciaria o empréstimo? Pensará a inocente personagem que uma sua atempada mudança de sexo inibiria a curiosidade malsã do jornalista? Entenderá a responsável do Equipamento Social que aos cidadãos palops, deve ser concedido o uso e abuso de bens “móveis” de empresas e institutos públicos portugueses para que nos perdoem séculos de ignominiosa colonização?

Não parecerá a Sª Ex.ª que a notinha de imprensa oriunda do seu gabinete soa a grosseira mistificação da opinião pública?

E não há, no governo ou, pelo menos no ministério, do Eng. Cravinho, uma alma caridosa que lhe explique cuidadosamente que à mulher de César não basta ser séria? Ou estarão todos tolhidos pelo voluntarioso feminismo da defesa-ataque da senhora secretária de Estado?


Porto, 12/13 Março, 1998, dias do Beato António, santo preto e de Stª Eufrásia, virgem.

A mulher e o preto bis
ou
quem fala assim não é gago



A Sr.ª procuradora Dr.ª Lucília Gago deu a conhecer as razões pelas quais o incómodo caso do empréstimo de carro oficial feito por uma Secretária de Estado ao falecido cidadão “Xico Tchan” foi arquivado. Contas feitas e resumindo, o utente abusivo da viatura morreu (assassinado num casino clandestino, ouso acrescentar), há insuficiência de indiciação da prática do crime de peculato, e não parece haver crime de furto visto que quem poderia apresentar queixa (o Instituto das Comunicações de Portugal e a senhora Secretária de Estado que o tutela...) entendeu não a dever fazer.

Lamentando embora o passamento do cidadão Francisco ocorre dizer que nem por isso se deve fazer vista grossa a três ou quatro factos. A saber:
o cidadão em questão usou, e por várias vezes, a viatura sem conhecimento prévio e autorização da senhora governante;
as viaturas cedidas ao senhores membros do governo não devem, em boa doutrina, ser por estes emprestadas a criaturas que, apenas conhecem e que, para as usar, carecem de qualquer legitimidade ;
invocar para um destes usos, previamente conhecido ou não, a doença de uma irmã doente do condutor abusivo é, como desculpa, de bradar aos céus;
responder a um inquérito da PGA que, se não foi pedido antes, foi calorosamente aceite para calar a indignação cidadã, com o atraso de um mês e dez dias mereceria, só de per si, um longo rosário de considerações pouco abonatórias. É que foi a senhora Secretária de Estado que, envolta, numa espessa túnica de virtudes cívicas e republicanas, entendeu dizer que queria e merecia justiça rápida. Se no despacho diário do seu gabinete usa desta mesma presteza, estamos governados.

Convém recordar que ninguém está interessado em punir a Sr.ª D. Leonor Coutinho por questões que só dizem respeito à sua vida privada. A Portugal ainda não chegou o zelo persecutório do senhor Kenneth Starr !

Todavia, já todos nós, cidadãos entendemos que os bens do Estado têm de ser usados segundo a letra e o espírito da lei. Se porventura a senhora governante não tivesse tido a arrogância de declarar que era perseguida por ser mulher e por o seu amigo ser preto talvez as pessoas achassem suficiente esclarecer a senhora dos limites objectivos do poder com que foi investida.

Mas isso não ocorreu e as sucessivas declarações feitas pela Secretária de Estado e pelo Instituto das Comunicações de Portugal (que dela depende...) foram de uma inabilidade patética, de uma insensatez parola tais que exigiam um desenlace menos tristonho para este processo.

Os cidadãos que se deram ao trabalho de ler os jornais diários de 16 de Setembro terão tido sérias dificuldades em entender que o arquivamento jurídico do processo parece significar o arquivamento total deste caso caricato.

É que, por vezes, o direito serve mal a justiça e pior a política. E é de política que se tratava e que, daqui em diante se tratará: só que, desta vez, será a baixa política que vingará. Com descrédito e desprestígio para todos...

16.9.98

2 comentários:

o sibilo da serpente disse...

Lembro-me da história, caro d'oliveira. É divertido recordar as justificações da senhora. São brilhantes, sem dúvida!

M.C.R. disse...

Caro Nicodemos
O facto de o actual PGR ser sério e impoluto (do que não duvido) não o impede de deixar o barco andar sem leme e sem rumo. Na PGR ninguém manda ou melhor só há ordens quando se trata de defender a honra do convento. É isso que os paisanos como este seu criado sentem. E nós - que somos cada vez menos - ainda pertencemos ao grupo dos que dizem que nem tudo está podre no reino da Dinamarca.
A questão aqui exposta tem muito pouco a ver com o PGR da altura e tudo com o modo de estar na política. Eu estou-me (e estava-me) nas tintas para o facto de ter havido ou não um namoro entre a Drª Leonor Coutinho e um tal Francisco. Mesmo que ele fosse marginal. O que já me parece extraordinário é que ela venha dizer o que disse e manter uma atitude imperdoável no tocante ao uso e abuso de bens públicos.