30 março 2006

Entre as letras e as ciências

Presumo que leram: todos os jornais portugueses generalistas estão a vender menos. Há várias teses sobre o assunto, já ouvi várias, desde a menor qualidade do jornalismo português até ao preço dos jornais, desde a iliteracia dos portugueses até ao advento das edições electrónicas.

Todas estas teses são válidas. Mas há um elemento que não pode ser descurado: Portugal sempre foi um país onde se lê pouco. Jornais e livros. Por exemplo: uma das coisas que me angustia é chegar a um tribunal e ver que o jornal que o magistrado traz debaixo do braço é um jornal desportivo. E apenas esse. Angustia-me que imensos advogados que eu conheço não leiam um jornal diariamente e fiquem com ar interrogativo quando alguém fala na notícia do dia. Tritura-me a história que me contaram este fim de semana de uma professora de português que confessou que o último livro que leu foi "Os Maias", já lá vão alguns anos.

Maus sinais, penso, que sei pouco destas coisas.

Creio que foi hoje que ouvi o nosso primeiro-ministro dizer que o combate de Portugal terá de ser nas ciências. Talvez. Debitou números que nos colocam muito atrás dos outros países em questões de investigação científica. Acredito. E noutras coisas relacionadas com a ciência. Ok. O homem está para ali virado: para o choque tecnológico. Está bem. Aceita-se. Parece-me, contudo, que não haverá choque tecnológico que nos valha enquanto não ganharmos hábitos de leitura. De jornais e de livros.

E tudo isto leva-nos a outra questão: quando não se gosta de ler, não se pode aprender a escrever. E há outra questão: a maioria das pessoas que escreve na net, fá-lo, não porque gosta de escrever, não porque tem alguma coisa a dizer, mas porque gosta de computadores. Da tecnologia. Será que Sócrates está enganado quando estimula os computadores em vez das letras?

6 comentários:

M.C.R. disse...

Não é preciso ir muito longe: de quando em quando encontro antigos colegas dos mais antigos ainda tempos de advocacia. no meio da conversa é certo e sabido: confessam não ter tempo para ler! Tem tempo para tudo, mas para ler... que maçada!
de facto somos um país de poucos leitores. E no entanto nunca se publicou tanto, nunca, como nos últimos dois anos, apareceram tantas editoras novas (cfr. os 2 últimos números do Jornal de Letras). Que se passa?
É verdade que as edições não passam (quando lá chegam) dos dois mil exemplares cada. É verdade que nem todas as compras de livros significam leitura. Mas seria bom lembrarduas coisas: no século XIX havbia jornais e revistas que alimentavam vários escritores (Camili, Eça, Fialho Guilherme de Azevedo e tutti quanti). durante o Estado Novo havia três revistas culturais de esquerda que subsistiam graças aos assinantes (Vértice, seara Nova e O Tempo e o Modo) !!! Havia editoras que mesmo contando com livros proibidos conseguiam viver confortavelmente. E não havia um vigésimo das bibliotecas que há hoje (mas havia mais livrarias...) nem a iliteracia era tão baixa. Aliás a taxa de analfabetismo era altíssima e os salaérios baixos para não dizer baixissimos.
Não estaremos perante um outro fenómeno que passa pela minimazação da leitura tout court. qiue é que lêem os nossos governantes, se l~eem e se não responderem depois de aconselhados por expert em comunicação. Vocês acham que sócrates é um leitor? Ou Cavaco?

josé disse...

Caro M.C.R.

Boa análise. Também partilho da opinião que passou e até digo mesmo mais (ehehehe): dantes, quem lia, lia bem melhor do que hoje se faz.

Assim, a pergunta a fazer quanto aos cavacos e sócrates ou coelhos ( estes, então, devem ser uns leitores de truz..."há-dem, há-dem"!)não é se lêem agora alguma coisa, mas o que leram antes, quando eram adolescentes e em idade de formação.

Actualmente, julgo saber que o Cavaco lê o Economist que é uma boa referência, mesmo cultural.
O Sócrates deve ler os clips que lhe pôem à frente. Mas isto é má língua e estou aqui, estou a apagar o comentário...ahahaha!

C.M. disse...

Estão a ver que, independentemente de ideologias, na época do Estado Novo, o "pessoal" era mais culto? Bem, analfabetos sempre os houve e, ao que parece, sempre os haverá. É que há pessoas que não têm interesses de qualquer espécie...isto até faz "impressão" mas é mesmo assim. O ambiente social é que poderá propiciar um menor ou maior recolhimento para a reflexão, a leitura, o usufruir enfim, dos "produtos" (esta dos produtos é influência neoliberal...aahahah) culturais...

Hoje, as pessoas querem lá saber da raíz das coisas!!! Se até existem resumos de grandes obras de literatura portuguesa, para os adolescentes lerem alguma coisa nas escolas, perdão, nas C+S's...

josé disse...

Caro cabral-mendes:

Não é só por cá, o fenómeno...

Hoje de manhã, vi uma notícia que dizia que a senhora casada com o futebolista Beckam, e que fazia parte de um grupo pop, -qualquer coisa spice tipo doce- nunca lera nenhum livro. Dizia ela que não tem tempo para tal.

Por cá, também hoje de manhã li na última página do JN, a par da excelente crónica do Manuel A. Pina, uma notícia lateral e que vem do mesmo ambiente daquela:

Vítor Baia esperou quatro anos por...um carro! Da Mercedes, o novo SLR, ter-lhe-á custado qualquer coisa como 600 mil euros!

Pouca cousa para quem tem muito mais. E aposto que vão dizer que isto não só é má língua, como também inveja.
E é.

C.M. disse...

Eu preferia dar umas voltas ao redor do mundo, conhecer todos os cantinhos, e sobretudo ficar "embasbacado" a olhar vezes sem conta para todas as maravilhas que a Europa tem, conhecê-las bem, em vez de espatifar essa massa num Mercedes...Opções, caro José...Mas o que se pode esperar, quando os horizontes são assim tão curtos?...

M.C.R. disse...

DLM
Os do antigamente também se não distinguam especialmente pelo que liam. distinguiram-se mais pelo que não deixaram ler.
claro que agoracom a avalanche da "cintura iintelectual" as coisas parecem piores. Porque se vêem!