20 março 2006

estes dias que passam 18

Isto deveria ser um texto jubiloso mas o Homem põe e alguém dispõe. Eu ia falar-vos desse velho magnífico que se chama Francisco Ayala, glória e esplendor das letras espanholas que está a festejar o seu primeiro centenário, vivo e atento, escrevendo, conversando e discutindo.
Encontro na estante dois livrinhos dele, comprados nos idos de 72, numa fugida a Vigo, durante umas férias passadas com amigos emigrados que não podiam entrar no país. A nossa vida era assim: repartíamo-nos por terras estranhas para encontrar amigos que estavam impedidos de ver a terra onde tinham nascido. Ao Octávio Ribeiro da Cunha, meu companheiro de tantas aventuras levava-lhe pevides que a ele sabiam melhor do que caviar. E à Luísa Feijó que levaria? Já não me lembro. 72 vai longe e o facto de estar na flor da vida não escondia a falta de perspectivas de futuro. Agarrávamo-nos a uma teimosa esperança, conspirávamos, eu advogava as mais das vezes de borla, tinha em carteira umas dezenas de estudantes relapsos e prometidos à expulsão das universidades, à cadeia e ao exílio.
Poderia também dizer-vos da alegria de saber que se descobriram uns centos de documentos (cartas, borrões, notas) de Brecht e que, num pais que honra os seus, não se hesitou em pagá-los ao preço forte para que figurassem no local que deve ser o seu: o Arquivo Brecht. Em Berlim. Em Berlim onde no inolvidável ano de 71 compreendi várias coisas e, entre elas, que nenhum povo pode ficar eternamente refém de políticas passadas, de acções dos seus antigos dirigentes, mesmo se estes tiveram – é uma crua e cruel verdade – um apoio esmagador dos seus concidadãos. Apoio obtido depois de encarcerados em campos de concentração dezenas de milhares de comunistas, socialistas e opositores vários. Convém não esquecer que foram estes os que inauguraram os campos mesmo antes dos judeus e dos ciganos (de que normalmente ninguém se lembra...)
Mas não é possível manter o tom festivo. Há três anos o Iraque era invadido para “derrubar um tirano e restaurar a democracia”. O tirano está a responder em tribunal e a democracia teima em não aparecer. Em seu lugar há 50.000 mortos iraquianos, guerra civil larvar, um país estilhaçado, 2500 mortos americanos, Abu Grahib e Guantánamo e 60% de americanos (números de hoje) contra a política da Administração Bush quanto a isto. Pior: ninguém descortina uma saída a menos que achem que o Iraque merece um governo chiita, um protectorado sunita e uma confusão nas zonas curdas. Anda por aí um livro traduzido por este vosso criado: “Iraque um fracasso do Ocidente” de Gemma Martinez, na Âmbar. Uma pessoa lê e não acredita. Isto não é publicidade à editora mas vale a pena ler. Para perceber.
O nosso excelente companheiro, Nicodemos, já disse sobre isto tudo o que eu poderia dizer. Sobretudo falou no risível Durão Barroso, efémero primeiro ministro português, que viu provas das armas de destruição maciça! E que apareceu na fotografia das Lajes como o rapazola a quem deixaram pôr calça comprida para ir ao café com os crescidos. O rapazola agora diz que não foi bem assim. Que se não tinha posto em bicos de pés, que....blá, blá, blá. “isto dá vontade de morrer” dizia alguém que agora não me lembro sobre o raio de país que vota gente desta para um alto cargo.
E como estou com a mão na massa, mais uma vez tenho de referir o senhor José Manuel Fernandes, director do Público que hoje resolveu tirar-se de cuidados e assinar um texto de opinião sobre o Iraque. Este nem sequer aprende com o camarada Barroso. Continua impretérito a defender a famosa invasão do Iraque. Pelos vistos cinquenta mil mortos não o impressionam. O homem é um duro! Um autêntico padeiro de Aljubarrota! Credo, que medo...

O anterior postal desta série tinha o nº 16. Claro que era o 17º mas eu escrevi-o directamente no quadradinho do blog e nem sequer reparei: de minibus non curat praetor! (e esta DLM?)

1 comentário:

C.M. disse...

O José Manuel Fernandes é um verdadeiro Rambo!...por detrás da secretária...