Ah, se eu pudesse ter a tua tranquilidade, tocá-la quando acordo, rafeiro, tu ali enrolada ao meu lado, enrolada em mim, os olhos semi-abertos, os teus e os meus, perguiçosos, esquecidos ambos do que é impossível, e, a seguir, despertos, ambos despertos na perguiça quente e sonolenta, e eu pudesse dizer É tarde!, e tu pudesses dizer-me Só mais um bocadinho, e eu ficasse nesse bocadinho que é tanto, e, depois, fôssemos ambos num abraço clandestino à procura de de um tempo em que já nada é clandestino, de mãos dadas, ler o jornal à pressa num café à pressa, eu já não diria as coisa tolas que digo, quando me vês, olhar desvairado, o olhar cansado, as palavras trémulas, os ombros caídos de quem desiste mas persiste. E voltaria a ser o falcão azul, sei lá se há falcões azuis, mas seria o falcão de asas largas que voa sereno de olhar atento ao teu passo largo. Olha, chove lá fora. Tu não vês, eu sei que não vês, mergulhada nos teus papéis, olha, é uma chuva miúda à moda do Porto, tu mergulhada nos papéis à procura do génio que te prometeram e que não sabes se existe, que o génio é frágil e a chuva é miúda e o génio está cansado. Cansado.
Chove lá fora e aqui é frio, frio de tudo. Ouço os teus passos e a firmeza dos teus passos largos e silenciosos ali tão perto e encosto a cabeça ao vidro da janela descolorida, descolorida de ti, e olho a rua vazia pelas quadrículas pequenas e ponho o dedo no vidro e fica ali a marca do dedo no vidro.
Impressão digital. Quando saio. Impressão digital. Ali. Condensada. Rugas do cansaço que é cansaço e é de desesperança e que eu apago num gesto tosco, rápido e fugidio, a lembrar-me das tuas palavras pesadas, calculadas, pausadas de quem já escolheu o caminho, um caminho que não me engana e não te engana mas que é caminho, que a vida não está para amores, a vida é assim, é feita de caminhos fáceis se possível, que a vida é um contrato e o amor é coisa de tolos que gostam de poesia.
Ah, se eu pudesse ter a tua tranquilidade quando ameaço ir dormir, rafeiro, tocá-la antes de dormir, antes de dormir em ti... Esta manhá seria o homem novo dos amanhãs que cantam.
Chove lá fora e aqui é frio, frio de tudo. Ouço os teus passos e a firmeza dos teus passos largos e silenciosos ali tão perto e encosto a cabeça ao vidro da janela descolorida, descolorida de ti, e olho a rua vazia pelas quadrículas pequenas e ponho o dedo no vidro e fica ali a marca do dedo no vidro.
Impressão digital. Quando saio. Impressão digital. Ali. Condensada. Rugas do cansaço que é cansaço e é de desesperança e que eu apago num gesto tosco, rápido e fugidio, a lembrar-me das tuas palavras pesadas, calculadas, pausadas de quem já escolheu o caminho, um caminho que não me engana e não te engana mas que é caminho, que a vida não está para amores, a vida é assim, é feita de caminhos fáceis se possível, que a vida é um contrato e o amor é coisa de tolos que gostam de poesia.
Ah, se eu pudesse ter a tua tranquilidade quando ameaço ir dormir, rafeiro, tocá-la antes de dormir, antes de dormir em ti... Esta manhá seria o homem novo dos amanhãs que cantam.
4 comentários:
Tão bonito texto, carteiro. Tão bonito...O sonho e a solidão andando lado a lado. E um certo receio de arriscar?
Abraços
Silvia (das que faz parte da turma dos tolos que acreditam no amor e gostam de poesia)
Well done, Postman, well done.
Ah! Melancolia...
Belo desabafo!
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