21 março 2006

No dia da Poesia, a Pátria (que já foi romântica...)


PÁTRIA

Foste um mundo no mundo,
E és agora
O resto que de ti
Já não posso perder:
A terra, o mar e o céu
Que todo eu
Sei conhecer

Foste um sonho redondo,
E és agora
Um palmo de amargura
Retornada.
Amargura que em mim
Também nunca tem fim,
Por ter sido comigo baptizada.

Foste um destino aberto,
E és agora
Um destino fechado.
Destino igual ao meu, amortalhado
Nesta luz de incerteza
E de certeza
Que vem do sol presente e do passado.



Miguel Torga, Coimbra, 28 de Abril de 1977

(in Miguel Torga, "Poesia Completa" , Dom Quixote, 1ª edição, 2000).

10 comentários:

M.C.R. disse...

DLM sabia que conheci muito bem o Torga e que muitas vezes conversei com ele? no consultório, claro, que no café o que ele queria era falar do futebol.
O Torga tinha consultório na Portagem e frequentava o Arcádia na Feerira borges ali a dois passos. era o café dos "teóricos" (da bola, claro). e u e os meus amigos frequentávamos A Brasileiro logo a seguir e sempre do lado esquerdo de quem entrava. no direito sentava-se a malta de direita. com a única excepção da mesa junto à montra dita "O Aquário". ai sentavam-se o Paulo Quintela, o Joaquim Namorado, o Luis de Albuquerque os irmãos Vilaça (um deleso alberto tem publicado muita coidsa sobre o PCP de que é aliás membro) e os rapazolas que ali eram por vezes admitidos.
Este poema é mesmo "torguiano". estou a vê-lo dizer isto o perfil de águia a vcoz dissonante e ums olhos fundos e vivíssimos. ah grande Torga!

C.M. disse...

Ah grande MCR! Que Vexa é um MUNDO!!!

Silvia Chueire disse...

Um poema triste. Sem esperanças.
Bonito poema que eu não conhecia.


Abraços,
Silvia

C.M. disse...

Rui do Carmo, se quiser e quando puder, dê-me as referências desses discos, ok? Um muito obrigado antecipado.

M.C.R. disse...

Meu caro Rui
Sei bem onde V. morava pois fui colega do Vítor no liceu e depois na faculdade.
Essa rua era duma vida espantosa. As livrarias (a velha Atlantida e a Cunha, para já não falar da Coimbra editora. os cafés (a Central e o Nicola das meninas e meninos finos). ainda não percebi porque é que a fecharam ao transito e lentamente a vão matando.

C.M. disse...

Olhe, Rui do Carmo, muito muito obrigado pela dica.

o sibilo da serpente disse...

Curioso: quer o Rui do Carmo quer o MCR têm uma visão de Coimbra diferente da minha. Já uma vez fui por aqui fustigado porque gostava de Coimbra - não, nada disso, não da Coimbra dos doutores, de capa-e-batina, nem das praxes, nem de Coimbra menina e moooooça. Eu gostei de Coimbra, porque sim. Foi o meu maior exercício de liberdade. Foi a minha tropa (incoerência: tropa em liberdade?). Foi o meu momento, eu que tive a sorte e o azar de ser bem recebido pelos indígenas que mandavam na cidade, depois de andar à pancada com os reis da pancada. Coimbra foi o meu tempo de boémio, das placas e das caixas de correio arrancadas das paredes, do pão roubado por toda a cidade, daquele magnífico carimbo sacado do BCG que tornou saudável toda a a comunidade estudantil, das idas à Clepsidra - sim, eu, na Clepsidra, com as minhas amigas e os meus amigos do PC, coisa que levou o Marinho Pinto a espicaçar-me há anos num debate na Relação. Gosto de Coimbra. Tenho vários amigos em Coimbra, o maior dos quais o Sr. Rosa do Ritz, que me aturou o que aturou, ele que poupava nos guardanapos e nas tostas mistas miracolosas e nas cervejas, mas que espera por mim no café dele para fazer um comício à malta nova, para dizer que eu fui do pior que ele teve, mas também do melhor, porque, rebelde, sempre o respeitei. Tantas coisas!Também a ida à Coimbra Editora, anos depois de sair, para publicar o primeiro livro e passar pelo Ritz para dizer ao Sr. Rosa que ia publicar o livro, como se tivesse que o fazer numa espécie de justificaçãp, Sr. Rosa, eu fui o que fui, mas, olhe, vou publicar um livro. E ele, no seu comício: aqui está um exemplo! Ora, merda, tantas coisas que eu gosto de Coimbra e que não consigo contar num comentário...

M.C.R. disse...

Permita, Caro Carteiro, um par de observações: quer o Rui quer eu (em muito menor medida) somos de Coimbra. Nascemos lá. Eu fui logo para a Figueira que é a terra da minha infãncia e primeira juventude. Voltei a coimbra no 3º ano do liceu e depois no 6º (sempre incompletos). Regressei definitivamente quando entrei na faculdade. Ora bem. Já aqui há uma diferença. Fui "bicho" em Coimbra, ou seja tinha todos os inconvenientes da praxe sem nenhum proveito.
Depois fui caloiro, em 1960. Trupes, praxe rigorosa, rapanços, a AAC a começar a ser dirigida pela esquerda (Carlos Candal). O vício da leitura e do teatro. As longas noites varadas a conversas. A república dos 1000-y-onarius (Republica só, não real republica como as outras). A política a quente. A polícia a frio. Uns beijnhos numas namoradas e basta que os tempos eram castos.
Uma mulher a sério com o marido nas Áfricas a defender a pátria e eu na cama dele a defender a retaguarda. Ai...
Os amigos do Mandarim, dito "kremlin" na praça da República dita Praça Vermelha. As prisões. A luta contra as comissões administrativas na AAC. A luta contra o espírito coimbrinha versus futrica.
Mas ao mesmo tempo a liberdade! A liberdade de estar longe de casa num tempo sem auto-estradas e de pouco dinheiro. A liberdade de escolher entre uma ceata a altas horas ou comprar um par de calças. A liberdade de dormir até às quinhentas de entrar em casa já de manhã. Uma coimbra ainda de lavados ares, sem prédios altos, quase sem poluição, de elétricos preguiçosos que subiam até ao Museu ou ao Hospital velho.
Uma Coimbra que discutia furiosamente no Cine Clube, nos festivais de teatro do CITAC na Brasileira, no Académico, no Chinês. Uma Coimbra que já morreu porque o tempo a atropelou. Uma Coimbra com uma universidade de quase cinco mil estudantes!!!... Seriam sete mil e tal em 1969. Em que todos ou quase se conheciam. Se misturavam. Tenho mais amigos médicos, professores ou engenheiros que juristas...
Uma Coimbra de José Afonso ao vivo e em pessoa, De Manuel Alegre. De assembleias magnas monstruosas, gigantescas, vibrantes, de adversários que depois iam até ao café maisd próximo beber um fino a 2$50. Uma Coimbra em que já no fim fundámos a Clepsidra. E a Unitas, cooperativa livreira. E porque estamos num post do Rui: uma Coimbra iluminada pelo sorriso aberto e bondoso do Vítor do Carmo com quem tanto falei e com quem me zanguei forte e feio porque ele (perdido de amores por uma miúda de direita...) fez parte de uma lista de direita para a AAC. Felizmente ainda nos pudemos reconciliar, abraçar falar e falar.
Há, caríssimo Carteiro, uma Coimbra particular para cada geração. E há em todos quantos por lá passámos um indefinivel gosto à Coimbra menina e moça porque éramos meninos e moços, fervía-nos nas veias o sangue vermelho e fresco do doce pássaro da juventude. Éramos assim e nunca nos devemos arrepender de ter sido jovens, estúrdios e apaixonados. está a ver, caríssimo amigo e colega?
Ai, meu Deus, isto bem trabalhado, dava um belo post...

C.M. disse...

sem dúvida, sem dúvida...

o sibilo da serpente disse...

Pois dava um belo post, MCR. Aliás, Coimbra dá sempre um belo post. Veja-se por que lado se veja. Tenho saudades daquilo...