Madame la misére ècoutez le silence
qui entoure le lit défait des magistrats
le code de la peur se rime avec potence
il suffit de trouver quelque pendus d'avance
et mon dieu ça ne manque pas.
Léo Ferré
qui entoure le lit défait des magistrats
le code de la peur se rime avec potence
il suffit de trouver quelque pendus d'avance
et mon dieu ça ne manque pas.
Léo Ferré
Comecemos por nos congratularmos com o aparecimento de mais um contributor nesta mesa franca onde todas as discussões são bem vindas desde que todos aí estejamos animados do mesmo espírito de esclarecer e esclarecermo-nos.
Entretanto convirá prevenirmo-nos contra algo que inconscientemente nos pode acontecer e esse será o de querermos ler os acontecimentos com os nossos próprios hábitos, juízos de valor, preconceitos e valores grupais.
Temo pois que, quanto a Outreau, iremos, Forte e eu, polemicar. Lemos as mesmas revistas e jornais e teremos eventualmente seguido as mesmas emissões de televisão (TV5 e M6 bem como os mesmos noticiários televisivos, ou seja os destas duas cadeias e o de ARTE).
Comecemos pelo texto mais antigo.
Forte descreve a cadeia de intervenções no caso desde a nomeação do juiz de instrução até ao acompanhamento dos resultados desta por uma comissão judicial e restante percurso onde igualmente avultam entidades judiciarias. Daqui parte para uma conclusão pelo menos atrevida, leia-se como se ler: ou há uma responsabilidade generalizada que avalisa o trabalho do “petit juge” Burgaud e isso é ínsito ao sistema ou foram os jornalistas que, munidos de exuberante informação policial (e judicial?) quem deu ao caso o aspecto maquiavélico e infamante que veio a ter.
Ora bem: a responsabilidade, caro Forte, nunca é generalizada. Alguém começou alguma coisa. Se depois outros, com pleno conhecimento de causa, ou por mera inércia avalisam actos jurisdicionais, isso não exculpa o primeiro a errar. Esta tese é bem antiga mas foi clara e poderosamente publicitada no julgamento de Nuremberga onde vários cavalheiros bem mais sinistros do que os que ora nos ocupam se esconderam no cumprimento de ordens, nos formalismos judiciais do sistema em vigor no 3º Reich, no desconhecimento ou até na impossibilidade de saberem se havia vítimas ou se estas não eram culpadas. Portanto, e para já, temos um juiz, que nenhuma juventude desculpa, a aceitar passivamente tudo o que lhe dizem e a fabricar um processo a partir de delírios de uma mulher, sem curar de saber qual a parte de verdade dela, a acreditar piamente num punhado de crianças e de protectores de infância que ainda hoje não deram sinal de arrependimento, para já não falar nos trabalhos dos psicólogos que confessaram a sua má prestação profissional por serem pagos como criadas de servir. Que acima do juiz alucinado pela perspectiva de um grande processo, tenha havido gente que o cobriu enquanto pode, não o desculpa ainda que culpe também tão má tropa.
Finalmente que os jornais (não todos, não sempre, muitas vezes críticos, mesmo desde o início,) tenham posto a boca no mundo não espanta. Desta vez apenas transmitiam o que uma polícia (alguma polícia, não toda que houve vozes criticas) e um juiz inchados lhes sussurravam.
Este o primeiro ponto. Claro que eu tenho a certeza que Forte não quis exculpar um juiz inepto e ineficaz com o argumento de uns jornalistas mentirosos e amigos do escândalo. Mas que isso pode ocorrer a um leitor mais diagonal, não há dúvida.
A segunda questão que aqui se põe é esta: Forte, condoído da sorte do “petit juge” entende que a parte de responsabilidade deste se dilui no seio de um sistema. Basta ler TODAS as declarações do juiz para se perceber que a coisa não é bem assim. O juiz Burgaud acha que cumpriu bem o seu dever, que tomou todas as cautelas, diz-se mesmo sensível ao sofrimento das vítimas (os acusados hoje totalmente inocentados em bom e devido processo) mas relevando o facto das crianças abusadas também serem dignas de defesa. Ou seja: é sensível aos sofrimentos de uns mas justifica-os com os dos outros. Ora bem, isto ( a atitude do petit juge) é um sofisma e uma infâmia. Parece querer dizer que o facto de haver um morto por suicídio, prisão para uma boa dúzia de pessoas por períodos que raiam os dois três anos, mais até, reputações desfeitas, divórcios, filhos retirados aos pais, ruína económica e profissional de quase todos os acusados, tudo isto e o sofrimento para o resto da vida e, eventualmente, as suspeitas de alguma população, são consequências só do sistema e não da má apreciação dos factos. E que ao fim e ao cabo são o contraponto do sofrimento das crianças! É intolerável!
Outreau, na visão de Forte, ou no que me pareceu ser a sua visão, é apenas um caso em que a floresta impede de ver as árvores. Ora convenhamos que os cidadãos comuns, como este escriba (que vem falando aqui de Outreau há meses quando ainda estava tudo preso; quando um tribunal absolveu metade mas, “pour faire bonne mesure” condenou os restantes até finalmente ao momento em que é a mais alta instancia que abandona a acusaçâo e propõe ao tribunal a imediata absolvição de todos os acusados. Ocorre, caríssimo Forte que eu vi, com estes que a terra há-de comer, esse alto magistrado, honra lhe seja feita, com os olhos marejados de vergonha e emoção, pedir a absolvição, em directo nas televisões francesas. Eu vi, ainda há bem pouco as audições aos ex-acusados e para meu espanto vi deputados calejados incapazes de conterem a emoção perante o rol de barbaridades, incongruências, burrices supinas e tortura, repito, tortura, que um petit juge cego, surdo, arrogante e imbuído de um poder que não lhe pertence foi capaz de praticar para levar a bom fim o processo que o tornaria famoso. Não é Vichinsky quem quer e muito menos Freisler. Eu vi e sobretudo li as declarações do petit juge que como um bom kapo dos velhos tempos entendeu murmurar que tinha feito o seu melhor.
Em relação ao segundo texto, eu pessoalmente traduziria peine por dificuldade: ou seja o juiz tem dificuldade (tem dificuldade em explicar) Peiner significar penar no sentido de ter que dar duro para atingir um certo resultado, ter dificuldade (cfr. Dicionário Bertrand p. 1090 para peine; Hachette 2005, p. 1215; Robert- usuels “Expressions et locutions”, p. 603; Petit Larousse 1992, p. 737-738).
Deduzir-se-á que Forte está a ser objectivamente parcial ? Não o creio; julgo apenas que dá mais crédito ao juiz do que a todos os acusados inocentados; que dá mais crédito a um desacreditado sindicato da magistratura que vem, tarde e a más horas, arguir o ataque à divisão de poderes como se o poder judicial estivesse a ser atacado e como se este mesmo poder fosse uma herança da teoria clássica da divisão de poderes mas para isso basta ler os grandes mestres e começar a pensar nesta questão simples: a estrutura judiciária profissional não criará ela própria usos e vícios que a inibem de se auto-reformar? Ou por outras palavras: qui custodiet ipsos custodes?
Também me suscitam reparos as escolhas dos excertos dos diferentes jornais e revistas citados (mas devo dizer que não li Marianne). Não que não estejam certos mas porque –e também eu aqui posso estar influenciado – os referidos jornais dizem mais e vão mais fundo. Claro que estamos de acordo quanto á solidão do juiz de instrução. Claro que alguém maliciosamente poderia arguir que quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Claro que já estão em funcionamento (com aplauso de Forte e meu) comissões para rapidamente apresentar propostas para atalhar estes desvios sempre possíveis. Claro que a opinião pública francesa é de facto bem mais ilustrada que muitas outras e está sensível dados os sucessivos escândalos (e já aqui referi outros...) duma justiça que, malgré tout poderia servir de exemplo a muitas outras.
Este texto está a ser escrito minutos antes de ser posto a circular. Era para ser um comentário mas depois de uma tentativa baldada (erro do escriba, claro), preferi autonomizá-lo na esperança de suscitar uma discussão e de eventualmente aprender alguma coisa porquanto se de algo estou certo é da minha abissal ignorância apenas igualada pela boa vontade de perceber.
Escrevi no início “polemicar” com o companheiro Forte. Polemicar civilizadamente porque o seu texto reflecte uma tentativa de perceber e dar a perceber (já minha conhecida e muito admirada): não estamos enfrentados: apenas, penso, divergimos nalguns aspectos, e usamos porventura de instrumentos de análise diferentes. Mas não será isso mesmo que torna atraente um blogue?
Entretanto convirá prevenirmo-nos contra algo que inconscientemente nos pode acontecer e esse será o de querermos ler os acontecimentos com os nossos próprios hábitos, juízos de valor, preconceitos e valores grupais.
Temo pois que, quanto a Outreau, iremos, Forte e eu, polemicar. Lemos as mesmas revistas e jornais e teremos eventualmente seguido as mesmas emissões de televisão (TV5 e M6 bem como os mesmos noticiários televisivos, ou seja os destas duas cadeias e o de ARTE).
Comecemos pelo texto mais antigo.
Forte descreve a cadeia de intervenções no caso desde a nomeação do juiz de instrução até ao acompanhamento dos resultados desta por uma comissão judicial e restante percurso onde igualmente avultam entidades judiciarias. Daqui parte para uma conclusão pelo menos atrevida, leia-se como se ler: ou há uma responsabilidade generalizada que avalisa o trabalho do “petit juge” Burgaud e isso é ínsito ao sistema ou foram os jornalistas que, munidos de exuberante informação policial (e judicial?) quem deu ao caso o aspecto maquiavélico e infamante que veio a ter.
Ora bem: a responsabilidade, caro Forte, nunca é generalizada. Alguém começou alguma coisa. Se depois outros, com pleno conhecimento de causa, ou por mera inércia avalisam actos jurisdicionais, isso não exculpa o primeiro a errar. Esta tese é bem antiga mas foi clara e poderosamente publicitada no julgamento de Nuremberga onde vários cavalheiros bem mais sinistros do que os que ora nos ocupam se esconderam no cumprimento de ordens, nos formalismos judiciais do sistema em vigor no 3º Reich, no desconhecimento ou até na impossibilidade de saberem se havia vítimas ou se estas não eram culpadas. Portanto, e para já, temos um juiz, que nenhuma juventude desculpa, a aceitar passivamente tudo o que lhe dizem e a fabricar um processo a partir de delírios de uma mulher, sem curar de saber qual a parte de verdade dela, a acreditar piamente num punhado de crianças e de protectores de infância que ainda hoje não deram sinal de arrependimento, para já não falar nos trabalhos dos psicólogos que confessaram a sua má prestação profissional por serem pagos como criadas de servir. Que acima do juiz alucinado pela perspectiva de um grande processo, tenha havido gente que o cobriu enquanto pode, não o desculpa ainda que culpe também tão má tropa.
Finalmente que os jornais (não todos, não sempre, muitas vezes críticos, mesmo desde o início,) tenham posto a boca no mundo não espanta. Desta vez apenas transmitiam o que uma polícia (alguma polícia, não toda que houve vozes criticas) e um juiz inchados lhes sussurravam.
Este o primeiro ponto. Claro que eu tenho a certeza que Forte não quis exculpar um juiz inepto e ineficaz com o argumento de uns jornalistas mentirosos e amigos do escândalo. Mas que isso pode ocorrer a um leitor mais diagonal, não há dúvida.
A segunda questão que aqui se põe é esta: Forte, condoído da sorte do “petit juge” entende que a parte de responsabilidade deste se dilui no seio de um sistema. Basta ler TODAS as declarações do juiz para se perceber que a coisa não é bem assim. O juiz Burgaud acha que cumpriu bem o seu dever, que tomou todas as cautelas, diz-se mesmo sensível ao sofrimento das vítimas (os acusados hoje totalmente inocentados em bom e devido processo) mas relevando o facto das crianças abusadas também serem dignas de defesa. Ou seja: é sensível aos sofrimentos de uns mas justifica-os com os dos outros. Ora bem, isto ( a atitude do petit juge) é um sofisma e uma infâmia. Parece querer dizer que o facto de haver um morto por suicídio, prisão para uma boa dúzia de pessoas por períodos que raiam os dois três anos, mais até, reputações desfeitas, divórcios, filhos retirados aos pais, ruína económica e profissional de quase todos os acusados, tudo isto e o sofrimento para o resto da vida e, eventualmente, as suspeitas de alguma população, são consequências só do sistema e não da má apreciação dos factos. E que ao fim e ao cabo são o contraponto do sofrimento das crianças! É intolerável!
Outreau, na visão de Forte, ou no que me pareceu ser a sua visão, é apenas um caso em que a floresta impede de ver as árvores. Ora convenhamos que os cidadãos comuns, como este escriba (que vem falando aqui de Outreau há meses quando ainda estava tudo preso; quando um tribunal absolveu metade mas, “pour faire bonne mesure” condenou os restantes até finalmente ao momento em que é a mais alta instancia que abandona a acusaçâo e propõe ao tribunal a imediata absolvição de todos os acusados. Ocorre, caríssimo Forte que eu vi, com estes que a terra há-de comer, esse alto magistrado, honra lhe seja feita, com os olhos marejados de vergonha e emoção, pedir a absolvição, em directo nas televisões francesas. Eu vi, ainda há bem pouco as audições aos ex-acusados e para meu espanto vi deputados calejados incapazes de conterem a emoção perante o rol de barbaridades, incongruências, burrices supinas e tortura, repito, tortura, que um petit juge cego, surdo, arrogante e imbuído de um poder que não lhe pertence foi capaz de praticar para levar a bom fim o processo que o tornaria famoso. Não é Vichinsky quem quer e muito menos Freisler. Eu vi e sobretudo li as declarações do petit juge que como um bom kapo dos velhos tempos entendeu murmurar que tinha feito o seu melhor.
Em relação ao segundo texto, eu pessoalmente traduziria peine por dificuldade: ou seja o juiz tem dificuldade (tem dificuldade em explicar) Peiner significar penar no sentido de ter que dar duro para atingir um certo resultado, ter dificuldade (cfr. Dicionário Bertrand p. 1090 para peine; Hachette 2005, p. 1215; Robert- usuels “Expressions et locutions”, p. 603; Petit Larousse 1992, p. 737-738).
Deduzir-se-á que Forte está a ser objectivamente parcial ? Não o creio; julgo apenas que dá mais crédito ao juiz do que a todos os acusados inocentados; que dá mais crédito a um desacreditado sindicato da magistratura que vem, tarde e a más horas, arguir o ataque à divisão de poderes como se o poder judicial estivesse a ser atacado e como se este mesmo poder fosse uma herança da teoria clássica da divisão de poderes mas para isso basta ler os grandes mestres e começar a pensar nesta questão simples: a estrutura judiciária profissional não criará ela própria usos e vícios que a inibem de se auto-reformar? Ou por outras palavras: qui custodiet ipsos custodes?
Também me suscitam reparos as escolhas dos excertos dos diferentes jornais e revistas citados (mas devo dizer que não li Marianne). Não que não estejam certos mas porque –e também eu aqui posso estar influenciado – os referidos jornais dizem mais e vão mais fundo. Claro que estamos de acordo quanto á solidão do juiz de instrução. Claro que alguém maliciosamente poderia arguir que quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Claro que já estão em funcionamento (com aplauso de Forte e meu) comissões para rapidamente apresentar propostas para atalhar estes desvios sempre possíveis. Claro que a opinião pública francesa é de facto bem mais ilustrada que muitas outras e está sensível dados os sucessivos escândalos (e já aqui referi outros...) duma justiça que, malgré tout poderia servir de exemplo a muitas outras.
Este texto está a ser escrito minutos antes de ser posto a circular. Era para ser um comentário mas depois de uma tentativa baldada (erro do escriba, claro), preferi autonomizá-lo na esperança de suscitar uma discussão e de eventualmente aprender alguma coisa porquanto se de algo estou certo é da minha abissal ignorância apenas igualada pela boa vontade de perceber.
Escrevi no início “polemicar” com o companheiro Forte. Polemicar civilizadamente porque o seu texto reflecte uma tentativa de perceber e dar a perceber (já minha conhecida e muito admirada): não estamos enfrentados: apenas, penso, divergimos nalguns aspectos, e usamos porventura de instrumentos de análise diferentes. Mas não será isso mesmo que torna atraente um blogue?
8 comentários:
Ora então polemiquemos, mas só por hoje que até à semana que vem, faço um período de jejum voluntário. Depois, retomarei, se assim for, publicando a 3ª parte do segredo da...Máquina, numa analogia com uma obra célebre e à espera de detectar algures o Mostrengo que pode muito bem ser o deus ex machina.
Não tem outro objectivo, esta incursão em terrenos muito escorregadios, e com areias de argumentos movediços, caro M.C.R.!
O texto que publiquei com algumas reflexões, é sobretudo factual, embora a parcialidade das citações pode muito bem perverter o sentido da realidade.
Mas sendo um risco, pode muito bem ser evitado, se alguém cercear esse risco através de argumentos mais sólidos e mais convincentes.
Como estamos num campo minado por vários factores de grande complexidade social e individual, toda a contribuição só pode ser bem vinda.
A mim, o busílis da questão, parece-me ser este:
Como é que um investigador, um juiz ou outra pessoa a quem seja pedida uma acção de detecção e análise de um crime de natureza sexual que envolve crianças, deve actuar juridicamente e em sede de direito penal?
A partir daqui, a análise do papel das instituições e das pessoas que nelas trabalham e fazem o que sabem e podem, tem de ser contextualizado num meio complexo.
As leis serão simples, mas a aplicação das mesmas, gera controvérsia, sempre que afectam direitos importantes individuais.
É fatal a tendência de criticar imediatamente quem errou na aplicação da lei e prendeu um inocente por causa disso.
Mas isso será demasiado fácil e é o que acontece sempre. No fundo, é a mesma coisa que matar o mensageiro de uma mensagem má. Um juiz, mais não é, muitas vezes, que o mensageiro que aplica a mensagem má ( a lei) que outros impuseram fosse aplicada.
Como é que os outros compuseram essa mensagem de efeitos perversos?
Quem organizou essa mensagem de modo a tornar-se de aplicação fatal?
Qual a margem de manobra concedida à dúvida pessoal para que o mensageiro desconfiasse da mensagem e a repudiasse como falsa e não a entregasse, mantendo a rectidão de uma conduta?
Não, meu caro M.C.R.! Isto não é filosofia barata.
Aquilo que V. faz, na sua argumentação, é exactamente o que vitupera ao aplicador mensageiro: um exame sumário, sem a ponderação necessária dos riscos que a entrega comporta.
Trazer à colação os crimes nazis releva também de outro sofisma bem mais sério: Uma cadeia militar de comando não é exactamente o mesmo que um sistema judiciário por muito sinistro que possa ser.
Uma decisão política, seguida em cadeia hierárquica, até ao posto mais baixo de um batalhão de sturmtruppers, que executa as ordens sem questionar, não é o mesmo que uma decisão de prisão por convicção de um tribunal, mesmo errada, mantida depois por outra cadeia hierárquica abúlica, como é norma de rotina.
O nazismo pode ser chamado á colação, mas discutamos o assunto quando porventura falarmos de Berlim e do bunker onde foi filmado um fime recente. Deixemos aí ficar o regime hediondo.
Quanto ao facto de um juiz "fabricar um processo a partir de delírios de uma mulher, sem curar de saber qual a parte de verdade dela, a acreditar piamente num punhado de crianças e de protectores de infância que ainda hoje não deram sinal de arrependimento, para já não falar nos trabalhos dos psicólogos que confessaram a sua má prestação profissional por serem pagos como criadas de servir" isso é que está pode demonstrar!
É isso mesmo que os franceses questionam e os jornais e revistas de referência escrevem e especulam.
Se quiser, também muitas pessoas ainda hoje se interrogam como foi possível a barbaridade nazi, comunista, dos sérvios, etc etc.
Em matéria de comportamentos humanos, os prognósticos feitos no final do jogo são sempre fantásticos! Principalmente quando se repetem e confirmam.
A questão porém, continua a ser a mesma:
como foi possível que tanta gente- cerca de 60 magistrados segundo as contas do petit juge!, mais todas as restantes pessoas envolvidas- fosse enrolada até ao ponto de fazer passar pela prisão durante meses ( anos até), mais de uma dúzia de pessoas inocentes?!
A resposta não pode estar no petit juge, caro MCR! Seria fácil demais!
Seria injusto demais!
O problema jaz, isso sim e foi isso que procurei realçar, num sistema errado!
Um sistema do qual não podem pôr-se de fora, nem sequer os legisladores. E começam agora a reconhecê-lo, ao promoverem medidas para remediar o mal feito. Quer melhor prova do meu argumento?
Se a culpa devesse residir no petit juge, seria tudo mais fácil: rua com ele e prisão com ele!
É isso que advoga, caro MCR?
E repare que não dou mais crédito ao juiz.
Dou sim, crédito a um dos que estiveram presos injustamente: o padre operário Dominique Wiel!
Leia por favor, na net, o depoimento do padre na emissão Arret sur Images! Quem acusa ele?!
Os media e o poder judicial! Não é só o petit juge...
Uma das passagens mais interessantes do depoimento de Wiel é a declaração em directo de que não tem ódio em si.
É essa uma condição sine qua non, para julgar bem.
Por isso, não sou eu que me recuso a ver as árvores, apontando para uma floresta de enganos.
O que pretendo mesmo é perceber quais são as árvores dessa floresta densa e que me impede a visão clara das espécies arbóreas.
É um pouco diferente.
E é por isso que aceito polemiquizar, deste modo agradável e estimulante.
Como disse, nos próximos dias não o poderei fazer, mas isso não significa que abandonei o campo. Pode crer que se valer a pena, não perderá pela demora.
E de facto, é isto mesmo que torna atraente um blog, caríssimo MCR!
Eu não quero, sequer polemicar. Mas transcrevo do caríssimo Fortes, um pouco mais abaixo:
(...)Para além disso, os jornalistas denunciaram a extrema abertura do Parquet de Boulogne para fornecer as informações sobre o caso e da própria polícia local que lhes dizia abertamente “ É betão”(informações sólidas) “Podem avançar à vontade” ! E no entanto, perceberam também que as informações provinham de testemunhos, apenas...e que tudo assentava em testemunhos.
Assim, são os jornais que são abertamente questionados, por causa do sensacionalismo das notícias e da pressa em transmitir novidades. E o veredicto é grave: foram também os media quem, na voragem de uma ridicularização da presunção de inocência e da pronúncia do veredicto, contribuíram para legitimar ou confortar o percurso da máquina judiciária contra os acusados de Outreau.
Caríssimo Forte: os jornalistas não têm os mesmo meio que têm os magistrados para investigar. Nem a mesma cobertura legal para investigar.
Se alguém, supostamente responsável, diz aos jornalistas que a informação é de betão, que devem fazer os jornalistas?
(há uma sentença do 9º juízo cível do Porto que explica muito bem a diferença entre a verdade jornalística a verdade judicial. Uma sentença que me condenou -há muitos anos -, com base em pressupostos que hoje não admitiram uma condenação, mas que continua válida em termos de princípios).
Meu caro Forte
1. não tenho a pretensão de saber tudo mas sei o suficiente para poder dizer que o petit juge se portou com a mesma fria inumanidade dum Freisler.
2. Li todos os depoimentos e tenho-os aqui a meu lado na edição do figaro Magazine. Li o padre e li os outros: não vejo em que é que o munus sacerdotal torne o padre mais credível que os restantes acusados.
3. não exculpei a imprensa mas disse que não foi ela que fabricou o processo
4. Não tenho a certeza do numero dos juizes emboara aceite que sejam muitoa. O que sei é que o rio nasce duma gota de água e a avalanche de um foloco de neve.
4. não acusei as suas citações de parcialidade. Longe disso. Tentei mesmo, se ler atentamente o que escrevi, mostrar que os nossos estados de ânimo e os nossos ãngulos de abordagem podem conduzir-nos se escrevemos a quente a uma situação mais dificil.
5. O seu décimo parágrafo deixa-me surpreendido: citei ipsis verbis uma declaraçao de um pretenso psicólogo ; citei uma declaração de duas associações de protecção á criança francesas que continuam a dizer que se houve fumo é porque há fogo. Ainda não percebi porque é que se não aplicam a estes bombeiros pirómanos as mesmas penas que se aplicam aos negacionistas mas enfim. citei, quanto aos delírios partes da sentença que condena a acusadora de todos os restantes. Não sei se isto é factual ou não mas para mim, é.
6 E disse finalmente que é intolerável a entrevista do petit juge ao Express (que infelizmente graças ao zelo da empregada foi ontem mesmo para o lixo) e a sua insensiblidade notada por toda a imprensa escrita e oral perante as monstruosas consequ~encias do seu trabalho. com aval ou não de toda a hierarquia. Hierarquia, disse. E por aqui me fico.
7 justamente porque se trata da vida honra e consideração (já nem falo da fazenda) das pessoas é que me parece que este caso é exemplar de várias coisas desde a baixa idade dos juízes, até ao formalismo processual . Desde a falta de experiência de vida até á aplicação mecãnica do direito. Receio começar a ter saudades do juiz Roy Bean ou do bom juiz do círculo de giz.
É que como V diz e muito bem estamos num "campo minado por vários factores de grande complexidade social" o mesmo é dizer que se necessita de muito sangue frio, de muita humanitas, de cultura jurídica e cidadã para abordar uma acusação contra um grupo de cidadãos baseada numa confissão delirante, nuns depoimentos insuficientemente questionados. Aquilo, como diz logo de inicio o primeiro acusado "era bom demais, horrivel demais, espantoso de mais" para ser acreditado. Mas foi. não por si nem por mim mas por um cavalheiro que usa mal o nome de Fabrice, tão stendahliano...
Meu caro Forte
1. não tenho a pretensão de saber tudo mas sei o suficiente para poder dizer que o petit juge se portou com a mesma fria inumanidade dum Freisler.
2. Li todos os depoimentos e tenho-os aqui a meu lado na edição do figaro Magazine. Li o padre e li os outros: não vejo em que é que o munus sacerdotal torne o padre mais credível que os restantes acusados.
3. não exculpei a imprensa mas disse que não foi ela que fabricou o processo
4. Não tenho a certeza do numero dos juizes emboara aceite que sejam muitoa. O que sei é que o rio nasce duma gota de água e a avalanche de um foloco de neve.
4. não acusei as suas citações de parcialidade. Longe disso. Tentei mesmo, se ler atentamente o que escrevi, mostrar que os nossos estados de ânimo e os nossos ãngulos de abordagem podem conduzir-nos se escrevemos a quente a uma situação mais dificil.
5. O seu décimo parágrafo deixa-me surpreendido: citei ipsis verbis uma declaraçao de um pretenso psicólogo ; citei uma declaração de duas associações de protecção á criança francesas que continuam a dizer que se houve fumo é porque há fogo. Ainda não percebi porque é que se não aplicam a estes bombeiros pirómanos as mesmas penas que se aplicam aos negacionistas mas enfim. citei, quanto aos delírios partes da sentença que condena a acusadora de todos os restantes. Não sei se isto é factual ou não mas para mim, é.
6 E disse finalmente que é intolerável a entrevista do petit juge ao Express (que infelizmente graças ao zelo da empregada foi ontem mesmo para o lixo) e a sua insensiblidade notada por toda a imprensa escrita e oral perante as monstruosas consequ~encias do seu trabalho. com aval ou não de toda a hierarquia. Hierarquia, disse. E por aqui me fico.
7 justamente porque se trata da vida honra e consideração (já nem falo da fazenda) das pessoas é que me parece que este caso é exemplar de várias coisas desde a baixa idade dos juízes, até ao formalismo processual . Desde a falta de experiência de vida até á aplicação mecãnica do direito. Receio começar a ter saudades do juiz Roy Bean ou do bom juiz do círculo de giz.
É que como V diz e muito bem estamos num "campo minado por vários factores de grande complexidade social" o mesmo é dizer que se necessita de muito sangue frio, de muita humanitas, de cultura jurídica e cidadã para abordar uma acusação contra um grupo de cidadãos baseada numa confissão delirante, nuns depoimentos insuficientemente questionados. Aquilo, como diz logo de inicio o primeiro acusado "era bom demais, horrivel demais, espantoso de mais" para ser acreditado. Mas foi. não por si nem por mim mas por um cavalheiro que usa mal o nome de Fabrice, tão stendahliano...
Meu caro MCR:
Antes de partir, permita-me as seguintes observações:
1.O petit juge foi "saisi" por um procurador do parquet chamado Gérald Lésigne que logo em Janeiro de 2001 avançou a hipótese de uma rede pedófila. FOi ele mesmo qem apresentou este facto ( e os outros) ao juiz Brgaud.Foi ele mesmo e a polícia quem fez as indagações preliminares, antes de as levar ao jz e ficou depois a fiscalizar os actos deste. Agora, o mesmo procurador diz que tudo aconteceu por causa do "mito da pedofilia"...
2.A prisão não foi determinada pelo Burgad. Foi-o sim pelo juiz das liberdades e detenção MAurice Marlière. Não foi uma decisão leve, certamente e o papel de Burgaud foi o de promover apenas a prisão, tal como o MP por cá pode fazer. No entanto, isso não vincula quem decide...
3.Ao longo do processo, designadamente quando passou à fase de julgamento em assises, os factos foram avaliados.Em Junho de 2004, quando já havia fortes indícios que algo corria muito mal no processo, foram julgadas os acusados e só 7 deles foram absolvidos. Os 10 restantes continuaram a penar. Onde vai o juiz Burgaud, nesta altura...
4.No recurso da decisão das assises, o Tribunal de Paris, já em Abril de 2005, manteve as condenações de 6 desses acusados...
Devo continuar?!
O meu ponto fundamental é este:
Não consigo julgar, ao contrário do que V. faz, o papel e a personalidade do juiz Burgaud tal como o faz.
Não me parece justo. Até pode ter alguma razão e o petit juge ser um salafrário do pior que há.
O ponto, no entanto nem é esse. É que depois dele, vieram dezenas de magistrados e...não foram capazes de ver o que agora toda a gente vê...
Logo, atirar culpas para uma espécie de bode expiatório, é exactgamente o que se vai fazendo por cá...
Espero que me entenda...
Uma braço.Bom fim de semana.
Tem V. carradas de razão num ponto importantíssimo: foram muitos os juizes que depois da instrução fizeram tábua raza de bons princípios. sessenta diz V. e eu aceito. Isso significa que algo está profundamente mal, profundamente enraizado numa carreira judicial.
Remédio? Assim de repente só me ocorre um: fazer essa gente passar pela cadeia o mesmo tempo dos acusados inocentes. e creia-me que sei do que falo quando falo de prisões (mesmo que eu as tenha sofrido numa cadeia especial bem melhor -não tenho qualquer dúvida - do que as comuns).
Um forte abraço de quem o considera (como V. também sabe.)
e um ps: e os amáveis ciclóstomos? quando é que terei o prazer da sua companhia, pagando a minha parte, claro, nesse prélio bem mais simpático do que este em que, como duas almas penadas, nos encontramos, angustiados por encontrar um pouco mais de azul, um pouco mais de brasa?
É bom ler uma discussão em busca da clareza.
Abraços e que seja bem vindo o meu quase primo. : )
Silvia
"e os amáveis ciclóstomos? quando é que terei o prazer da sua companhia, pagando a minha parte, claro"
Ora bem:
Sabendo nós o "como" e o "porquê", circunstâncias muito mais difíceis do que as outras demais, restam-nos então:
1. Quem, quando, onde?
O "quem", pode alargar-se ou encolher, consoante as disposições. Por mim, levo a companhia de quem mais gosto e não preciso de confessar às paredes.
2. O "quando", deve ser definido a contento e rapidamente, porque a maré passa e "avec le temps tout s´en va", "por este rio acima".
3. O "onde" é um problema logístico de somenos, mas tendo em atenção os percursos conhecidos dos afamados peixes longuilíneos e coleantes.
Assim, ficam sugestões a aprimorar por mail.
o meu: joseforte@sapo.pt
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