Esta é muito para o Rui do Carmo
Para quem não sabe, o Dr. Rui do Carmo é criatura pouco frequentável: gosta de poesia, o que é no mínimo grave. Gosta de jazz, mau Maria! É magistrado: ora aí está o caldo entornado!
Com a idade que leva, ficamos com a sensação que não só não irá melhorar, sequer arrepender-se destes dissolutos costumes e viciosa profissão, como até que irá neles prosseguir, com perigo da sua alma imortal, bom nome, fazenda e saúde.
Ora, se quem torto nasce, torto morre mais vale então dar-lhe mais do mesmo e vê-lo descer a ladeira tenebrosa do vício leitor e musical. E bom seria até, chamar um rancho de criancinhas inocentes (se ainda as houver) para que vejam com olhos de ouvir e oiçam com orelhinhas de ver a inexorável derrota de um cavalheiro de meia idade que persiste em frequentar poetas e músicos.
A FNAC, que se recomenda com a máxima cautela, pois aquilo é mais um molho de bróculos do que uma instituição de livros discos & similares, endoidou de novo e tem à venda uns caixotes de 40 (quarenta!) discos cada a preços que provam todas as virtudes económicas do actual governo: 44 euros! Anda aqui mão de ministro que pensa que estamos em época eleitoral. 44 euros por quarenta discos do enorme Duke Ellington e da sua orquestra é bambúrrio que se recomenda a todos. Não os ouvi, confesso, mas mesmo que só 20% seja bem gravado é um negocio da China.
Mas não fica por aqui o maná fnaquesco: perdidos por um perdidos por cem eis que os cavalheiros desse franchising oferecem um outro caixotinho com uma história da música desde o bas fond de New Orleans até aos anos 40. A gente esfrega os olhos e não acredita. Abre-os e lá está outra vez: quarenta rodelinhas com música por 44 mangos! Pior:ao lado outro caixote desta feita com um pancadão de cantores e cantoras jazzy. Estão lá todos desde a Billie do nosso contentamento até ao Sinatra com o chinó!!! O preço? Adivinham? Quarentinhas! Ah ganda fnac.
Caro Rui: se não puder vir apite, que eu adianto os morabitinos!
Sempre nesta onda traiçoeira de música infernal, o mesmo local de maus costumes oferece um caixotinho com toda a obra conjunta da lady Day e do Prez. Ou por trocados: Billie Holiday e Lester Young. Um must como diria o nosso Delfim. Depois não digam que não foram avisados.
Na anterior edição deste receituário, informava os paroquianos que tinham saído para a rua dois livros sobre Borges: uma fotobiografia e uma biografia. Na altura eu não tinha a certeza quanto ao editor. Suspeitava da Teorema, dirigida por um cavalheiro que a sabe toda: é culto, inteligente, publica só o que gosta e gosta do que é mesmo bom. Chama-se Carlos da Veiga Ferreira e é um contador de histórias de mão cheia. De facto os livrinhos tem a chancela dele. Lá os comprei e já aviei o primeiro. A fotobiografia. Nos trinques, comadres! Excelente.
A propósito: a mesma Teorema tem todo o Borges editado. Mesmo que eu prefira lê-lo no original não posso deixar de vo-lo recomendar. O Borges resiste bem a uma tradução. E esta, pelo que vi, parece-me boa.
Advertência: quem uma vez lê Borges (Jorge Luís) nunca mais fica o mesmo. Estão avisados. Boa leitura.
Daquele fidalgo de amarelada e seca
Tez e de heróica ânsia conjectura-se
Que em vésperas perpétuas da aventura,
nunca saiu da sua biblioteca.
A crónica pontual das suas façanhas
Narra, e as suas tragicómicas ousadias
Foram por ele sonhadas, e não por Cervantes,
E nada mais é do que uma crónica de sonhos.
tal é também a minha sorte. Há porem algo
imortal e essencial que sepultei
nessa biblioteca do passado
em que li a crónica do fidalgo.
As lentas folhas são tocadas por um menino que, grave,
Sonha com vagas coisas que desconhece.
Nota: poema “lectores” de J.L. Borges em “el mismo el otro” , Emecé, Buenos Aires, 1969 (tradução de mcr) A expressão "rodelinha" pertence, como não?, ao inefável leitor José amador de LPs antigos. saravah!
Com a idade que leva, ficamos com a sensação que não só não irá melhorar, sequer arrepender-se destes dissolutos costumes e viciosa profissão, como até que irá neles prosseguir, com perigo da sua alma imortal, bom nome, fazenda e saúde.
Ora, se quem torto nasce, torto morre mais vale então dar-lhe mais do mesmo e vê-lo descer a ladeira tenebrosa do vício leitor e musical. E bom seria até, chamar um rancho de criancinhas inocentes (se ainda as houver) para que vejam com olhos de ouvir e oiçam com orelhinhas de ver a inexorável derrota de um cavalheiro de meia idade que persiste em frequentar poetas e músicos.
A FNAC, que se recomenda com a máxima cautela, pois aquilo é mais um molho de bróculos do que uma instituição de livros discos & similares, endoidou de novo e tem à venda uns caixotes de 40 (quarenta!) discos cada a preços que provam todas as virtudes económicas do actual governo: 44 euros! Anda aqui mão de ministro que pensa que estamos em época eleitoral. 44 euros por quarenta discos do enorme Duke Ellington e da sua orquestra é bambúrrio que se recomenda a todos. Não os ouvi, confesso, mas mesmo que só 20% seja bem gravado é um negocio da China.
Mas não fica por aqui o maná fnaquesco: perdidos por um perdidos por cem eis que os cavalheiros desse franchising oferecem um outro caixotinho com uma história da música desde o bas fond de New Orleans até aos anos 40. A gente esfrega os olhos e não acredita. Abre-os e lá está outra vez: quarenta rodelinhas com música por 44 mangos! Pior:ao lado outro caixote desta feita com um pancadão de cantores e cantoras jazzy. Estão lá todos desde a Billie do nosso contentamento até ao Sinatra com o chinó!!! O preço? Adivinham? Quarentinhas! Ah ganda fnac.
Caro Rui: se não puder vir apite, que eu adianto os morabitinos!
Sempre nesta onda traiçoeira de música infernal, o mesmo local de maus costumes oferece um caixotinho com toda a obra conjunta da lady Day e do Prez. Ou por trocados: Billie Holiday e Lester Young. Um must como diria o nosso Delfim. Depois não digam que não foram avisados.
Na anterior edição deste receituário, informava os paroquianos que tinham saído para a rua dois livros sobre Borges: uma fotobiografia e uma biografia. Na altura eu não tinha a certeza quanto ao editor. Suspeitava da Teorema, dirigida por um cavalheiro que a sabe toda: é culto, inteligente, publica só o que gosta e gosta do que é mesmo bom. Chama-se Carlos da Veiga Ferreira e é um contador de histórias de mão cheia. De facto os livrinhos tem a chancela dele. Lá os comprei e já aviei o primeiro. A fotobiografia. Nos trinques, comadres! Excelente.
A propósito: a mesma Teorema tem todo o Borges editado. Mesmo que eu prefira lê-lo no original não posso deixar de vo-lo recomendar. O Borges resiste bem a uma tradução. E esta, pelo que vi, parece-me boa.
Advertência: quem uma vez lê Borges (Jorge Luís) nunca mais fica o mesmo. Estão avisados. Boa leitura.
Daquele fidalgo de amarelada e seca
Tez e de heróica ânsia conjectura-se
Que em vésperas perpétuas da aventura,
nunca saiu da sua biblioteca.
A crónica pontual das suas façanhas
Narra, e as suas tragicómicas ousadias
Foram por ele sonhadas, e não por Cervantes,
E nada mais é do que uma crónica de sonhos.
tal é também a minha sorte. Há porem algo
imortal e essencial que sepultei
nessa biblioteca do passado
em que li a crónica do fidalgo.
As lentas folhas são tocadas por um menino que, grave,
Sonha com vagas coisas que desconhece.
Nota: poema “lectores” de J.L. Borges em “el mismo el otro” , Emecé, Buenos Aires, 1969 (tradução de mcr) A expressão "rodelinha" pertence, como não?, ao inefável leitor José amador de LPs antigos. saravah!
3 comentários:
Ora bem que precisava do mote, depois dos ciclóstomos frustrados...e nada melhor do que o assunto das rodelas, para sublimar os torinhos que ficaram para outras prândias.
As rodelas em vinil eram e são o contentamento descontente dos meus gostos musicais, reproduzidos em aparelhagem sonora. É de doer sem se sentir e ainda hoje acendo o fogo que não arde, sempre que um original em prensagem rara, aterra no campo do Thorens, para ser lavrado pela moving coil em segunda mão...
Mas, atenção! Que não fique a ideia que a mania é em mono! A verdade é que já virou para estéreo há muito tempo. Ao lado das rodelas pretas, alinham as caixinhas plásticas, que resguardam as rodelinhas de prata e ouro, em forma de cd, algumas delas de linhagem rara, como é o caso da casa Mobile Fidelity ou da quinta da DCC Compact ou ainda o grande solar da Columbia que legou às novas gerações as maravilhas dos 60, na música popular.
E como já escrevi, está por aí a estourar outra dinastia nobilíssima que vai com certeza retomar as tradições mais retintas da pureza do som, declinada em Hz, Khz e em bits, na celebrada casa dos 24bits, onde se reunirão também os 192/196Khz que assegurarão a estirpe da integralidade da gravação sonora com a fidelidade desejada.
E por falar nestas coisas da tradição que deixou de ser o que era e afinal parece voltar ao que era dantes, que me poderá dizer sobre um tal Jean-François Bizot?!
E Actuel,1970, será que diz alguma coisa?
Saravah, aussi.
Ora bem, vamos por ordem de chegada:
Caro José, começando pelo mais simples, Bizot, actuel & etc... Gente e coisas desta minha já longínqua geração. ainda devem andar cá por casa alguns actuel, julgo. Aquela malta fez jornais(o liberation) e revistas.á con nós por cá tentámos a edição, como já contei por aqui. Também se fizeram muitos editores: Nelson de Matos ( construtor da D quixote, agora na ambar), Manuel Valente (Asa) João Rodrigues (ex Asa, Ambar, agora na D. quixote) e o Carlos Veiga Ferreira que é mesmo dono da Teorema. há mais mas estes são um bom exemplo. Sabem de livros, gostam de ler, escrevem bem e revelaram montes de bons escritores. A propósito neste fim de semana vai estar por cá o Olivier rolin um ex-mao spontex da mesma época. agora escreve. Bem. Vai ser divertido, pelo menos espero-o.
Do Thorens ainda percebo mas o resto, aquelas letrinhas manhosas, nicles. espero que v consiga perder algum tempo a explicar isso um destes dias, caso não se importe.
Caro Rui. Cá estamos para o ler. E pelos vistos V. anda agora em boas mãos. O David era um tipo bem interessante e um tradutor de mão cheia. Além de bom poeta.
Nem me fale de editores que acabam. Passei por isso duas vezes, provas corrigidas e tudo. Subitamente, editor falido, livro adiado. Fartei-me.
Imagino o tal centro comercial. Passei há dias por Coimbra e vi uma coisa desconforme com uma especie de torre. Chiça que andam mesmo a tentar rebentar com Coimbra. A verdade é que com o que fizeram ao canal as coisas já não podiam melhorar.
De todo o modo a FNAC pode ser util apesar de todas as minhas prevenções.
Este post é para eu morrer de inveja...uff..
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