carta sobre os apitos
Exº Sr. *****
M. D. Deputado da Nação
Notei, com efeito, que, na sobredita instituição, as chamadas “conferencias dos presos” eram precedidas de apitadelas (se assim me ouso exprimir). Quero com isto significar que às 8 horas, ao meio dia, às 20 e ás 22 horas (TMG) um funcionário da prisão produzia por sopro bucal num instrumento vulgarmente conhecido por apito (dic. torrinha, letra A pag 97) um som assaz semelhante ao emitido pelos árbitros de futebol nos jogos do mesmo, mediante o qual os presos eram advertidos da passagem dos encarregados do controle.
Com esta palavra controle não quero pôr em causa a benignidade das autoridades que vai até ao ponto de permitir ao prevaricador social não estar sempre com aquela atenção expectante que se lhe deveria exigir. Mais: sem querer, de modo algum criticar o portuguesíssimo espírito paternal que preside a este aviso, penso que, por vezes, ele podia ser abolido pois devo confessar, com grande mágoa e indisfarçável repúdio, que muitos presos há que se entregam a práticas onanísticas nos períodos de reclusão com manifesto desprezo das Sagradas Escrituras, enquanto outros lêem (e V.ª Ex.ª sabe tão bem como eu quão nefasta é a acção do livro), fumam debochadamente (e não queira V.ª Ex.ª ver nisto um qualquer ataque ao Dec. 630/70 sobre o imposto adicional de cinquenta centavos sobre cada maço de tabaco.), dormem (é incrível mas é autêntico), etc...etc... (o que ainda pode ser pior).
O que, na realidade, ouso criticar é o som. O som Ex.º Senhor, o som futebolístico, o som do sinaleiro (antes da onda verde), o som do honesto e abnegado policial que protege a vida e a fazenda da laboriosa população deste sacrossanto viveiro de heróis e mártires.
É que o futebol, ilustre Senhor, é fonte de rixas, de insultos, de malquerenças. É a estúrdia generalizada, o apupo universalizado. O sentimento desportivo pode, inclusivamente, ser mal canalizado e tornar-se em degradante espectáculo anti-social. Basta atentar no facto de o mais português dos clubes portugueses, o Benfica – sem desdouro para o Belenenses, clube de S.ª Ex.ª o Venerando Chefe de Estado a quem declaro incondicional apoio respeito, - usa equipamento vermelho. Não me alongo sobre este ponto porquanto, em matéria de subversão, sou como em relação aos arenques: nem falar dela.
Por tudo isto, eu teria a ousadia de propor uma outra maneira de advertir a população criminal a quem o Estado benevolamente concede casa e comida de graça:
De manhã: Marcha da Mocidade, música e letra.
Ao almoço: hino da Restauração, idem
Às 20 horas: Hino Angola é nossa
Às 22: Hino “queremos Deus que é nosso pai, em latim, havendo.
Não querendo abusar do tempo de V.ª Ex.ª subscrevo-me com toda a consideração
A bem da Nação
mcr
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