13 maio 2006

chateado no calabouço 2

carta sobre os apitos

Exº Sr. *****
M. D. Deputado da Nação
Tendo passado alguns agradáveis períodos da minha vida no Estabelecimento Prisional de Caxias, e porque me não é – de momento, possível, escrever ao conspícuo director de tão modelar instituição, dada a carência de transportes na linha de Sintra, venho, por este meio, pedir a V.ª Ex.ª que se faça eco, na Assembleia Nacional, desta modesta opinião que outro fim não tem que não seja o de servir a Pátria para maior honra e glória do nosso sempre (e nunca assaz) chorado doutor Salazar.
Notei, com efeito, que, na sobredita instituição, as chamadas “conferencias dos presos” eram precedidas de apitadelas (se assim me ouso exprimir). Quero com isto significar que às 8 horas, ao meio dia, às 20 e ás 22 horas (TMG) um funcionário da prisão produzia por sopro bucal num instrumento vulgarmente conhecido por apito (dic. torrinha, letra A pag 97) um som assaz semelhante ao emitido pelos árbitros de futebol nos jogos do mesmo, mediante o qual os presos eram advertidos da passagem dos encarregados do controle.
Com esta palavra controle não quero pôr em causa a benignidade das autoridades que vai até ao ponto de permitir ao prevaricador social não estar sempre com aquela atenção expectante que se lhe deveria exigir. Mais: sem querer, de modo algum criticar o portuguesíssimo espírito paternal que preside a este aviso, penso que, por vezes, ele podia ser abolido pois devo confessar, com grande mágoa e indisfarçável repúdio, que muitos presos há que se entregam a práticas onanísticas nos períodos de reclusão com manifesto desprezo das Sagradas Escrituras, enquanto outros lêem (e V.ª Ex.ª sabe tão bem como eu quão nefasta é a acção do livro), fumam debochadamente (e não queira V.ª Ex.ª ver nisto um qualquer ataque ao Dec. 630/70 sobre o imposto adicional de cinquenta centavos sobre cada maço de tabaco.), dormem (é incrível mas é autêntico), etc...etc... (o que ainda pode ser pior).
O que, na realidade, ouso criticar é o som. O som Ex.º Senhor, o som futebolístico, o som do sinaleiro (antes da onda verde), o som do honesto e abnegado policial que protege a vida e a fazenda da laboriosa população deste sacrossanto viveiro de heróis e mártires.
É que o futebol, ilustre Senhor, é fonte de rixas, de insultos, de malquerenças. É a estúrdia generalizada, o apupo universalizado. O sentimento desportivo pode, inclusivamente, ser mal canalizado e tornar-se em degradante espectáculo anti-social. Basta atentar no facto de o mais português dos clubes portugueses, o Benfica – sem desdouro para o Belenenses, clube de S.ª Ex.ª o Venerando Chefe de Estado a quem declaro incondicional apoio respeito, - usa equipamento vermelho. Não me alongo sobre este ponto porquanto, em matéria de subversão, sou como em relação aos arenques: nem falar dela.
Por tudo isto, eu teria a ousadia de propor uma outra maneira de advertir a população criminal a quem o Estado benevolamente concede casa e comida de graça:
De manhã: Marcha da Mocidade, música e letra.
Ao almoço: hino da Restauração, idem
Às 20 horas: Hino Angola é nossa
Às 22: Hino “queremos Deus que é nosso pai, em latim, havendo.
Não querendo abusar do tempo de V.ª Ex.ª subscrevo-me com toda a consideração
A bem da Nação
mcr


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