14 junho 2006

diário Político 23

A TROPA NA RUA?
RUA COM A TROPA!!!

Os habitantes da, soi disant, 2ª cidade do país foram, nesta primeira quinzena de Junho, agraciados pelo governo da República, pela mão estremosa do dr Fernando Nogueira, com uma parada militar. A cidade invicta ansiava por este momento único e patriótico e, secretamente, esperava mesmo ver o senhor ministro da defesa desfilar na primeira fila das tropas tanto mais que o ministro foi tambem, localmente, o cabeça de lista do ppd nas eleições parlamentares. Numa cidade de sólida tradição mercantil e paisana o gesto calaria fundo.

Alguns espíritos mais mesquinhos e claramente provenientes das habituais forças do bloqueio, fizeram breves contas e, com a usual má fé, armaram o costumeiro escândalo. Até parecia que o gasto de cem ou duzentos mil contos de que se fala tivessem significado num país que recebe dez vezes mais por dia!

Não tenciono embarcar nessa discussão sobre trocos ainda que suspeite que o desparrame com a soldadesca e a respectiva parafernália ultrapassa as quantias já avançadas.

A minha pouco respeitável opinião (opinião de paisano irredutível que considera as actuais FA como brinquedo demasiado caro para as traquinices dos senhores generais e dos seus colegas civis ) é ligeiramente mais radical e cabe toda numa breve pergunta : para que servem as FA e, sobretudo, estas FA ?

Punhamos que o país tem 20 aviões F 16, 4 fragatas Meko e dois ou três quarteirões de tanques M 20 para além de toda a venerável sucata que tranquilamente enferruja em quarteis, docas e aeródromos militares. Isto para já não referir a "frota" de submarinos que, mesmo em confronto com os U-Boat alemães da 2ª guerra, não ocultam as rugas venerandas, a arterio-esclerose e outros modestos dramas da senectude.


É que alguem terá confidenciado a estas orelhas de tísico que, para assegurar as tripulações das fragatas, se esgotam (se é que chegam...) os recursos humanos existentes não havendo sequer um simples grumete para segurar o cabo de um escaler. E que, onde sobram Mekos, escasseia cruelmente uma dúzia de lanchas rápidas para o patrulhamento da costa.


Tambem há quem afiance que os tanques necessitam especialistas em manutenção e, na remota hipótese de combate, de tropas de apoio, impedimenta vária que os aprovisione e consolide a retaguarda etc...etc...

Em suma : consta em meios conhecedores destas matérias guerreiras que há anéis para os dedos mas escasseiam luvas, meias, ceroulas e outras lingeries de pouca complicação mas de gasto muito rápido. Há mesmo quem se atreva a pensar que os meios ora disponíveis serão ou excessivos ou perigosamente escassos e que o actual tempo de serviço militar obrigatório e a desordem legislativa sobre objectores são bizarrias nefastas que só o casamento de militares políticos com civis amadores de soldadinhos de chumbo poderá torpemente justificar.

Depois o país não acredita (e muito menos gosta) na tropa ou, pelo menos, nesta tropa. Se calhar porque ainda tem tristemente presente as guerras nas colónias, a impreparação de grande parte do corpo de oficiais do quadro, a qualidade das escolas militares para milicianos, para já não referir instituições como os tribunais militares ou tudo o que envolva abastecimento de material, víveres e etc...( este etc destina-se, apenas e tão só, a cobrir a nudez forte da verdade com a prudente fantasia do latim).


O país, paisano e pobre, recorda, com uma raiva antiga e profunda, como, ao longo de séculos, foi tratado como carne para canhão por oficiais incompetentes e sargentos boçais. Lembra como se viu subitamente atirado para as frentes de batalha para defender o que não possuia e que só emigrando poderia vir a ter.


E recorda mais: as listas de mortos e de feridos são exactamente o contrário daquelas que anunciam a entrada nas universidades, nos corpos sociais das grandes empresas, dos bancos ou dos deputados eleitos e/ou a eleger apenas a "eles", aos caciques, aos señoritos, aos que tudo lo podem e todo lo mandam. Resumindo: sobram súbditos onde escasseiam cidadãos.

Ora é isso que a parada no Porto significa. Mostrar ao basbaque que, se no sec. XV fomos à Índia puxar as orelhas ao samorim de Calicute, agora poderemos ameaçar Andorra, S. Marino e o Liechtenstein de idênticas sevícias caso os países vizinhos não se oponham à passagem impetuosa dos M 20 e dos F 16 com a marinhagem das corvetas a servir de infantaria a exemplo dos marines americanos.

Se era para isso bastaria um anúncio nas televisões à hora da telenovela que ficava mais barato e evitava aos portuenses o incómodo de, durante dois dias, serem obrigados a estacionar os seus carrros longe das esplanadas da Foz.

10 de Junho de 1994


Mal sabia eu que 12 anos depois se repetiria a cena macaca nas avenidas do Brasil e de Montevideu, com a mesma confusão de transito, desta vez animada pela pane de um carro militar ! Um must absoluto revelador do pais que está inçado de bandeiras por mor do futebol.
Ah, o patriotismo lusitano.
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