01 junho 2006

O Carlitos de Felgueiras

No Dia Mundial da Criança vale a pena reflectir um pouco sobre o destaque que o “Expresso” deu esta semana a uma situação de trabalho infantil em Felgueiras. O Carlitos de 11 anos estava a coser sapatos à mão para uma marca espanhola – a Zara – acompanhado de um irmão de 14 anos e dos pais. Um choque para a intelligentsia lisboeta que ocupa os media.

Quem viu a reportagem na televisão constatou a verdadeira miséria – económica, social e cultural – daquela família desestruturada. Um casebre lúgubre, pais de baixa médica à espera do desemprego, avós estropiados com uma reforma que ajuda a compor o mês, duas crianças com o futuro ameaçado, habituadas desde cedo a lutar pela sobrevivência.

Obviamente que o trabalho infantil é algo que deve ser banido e que os intermediários e as empresas que se alimentam destas situações devem ser perseguidos e severamente punidos, mas a mim o que mais me preocupa é todo o contexto que torna possível tais situações em pleno séc. XXI. Para quem tem de sobreviver e não aprendeu a reconhecer a escola como meio de aprendizagem e instrumento para a vida, é fácil cair na tentação de fugir à escola e preferir meter as mãos à obra, por vezes no sentido literal do termo. Sem emprego qualificado, sem oportunidades à vista, para quê andar tantos anos na escola se, no fim, não há saída e não há compensação?

Esta é uma realidade que urge combater e que está presente nas cinturas e nos bairros das grandes cidades e em muitas zonas do interior, agravando os números do insucesso e do abandono escolar. O que podemos fazer contra isto, para deixarmos de ver os pequenos nas obras, nos campos, nas fábricas ou nas oficinas quando deviam estar nos bancos da escola? E que futuro lhes podemos prometer?

3 comentários:

o sibilo da serpente disse...

Eu acho que não podemos prometer-lhes nada. Mas isso sou eu que digo, que sou pessimista e não acredito muito na minha geração.

C.M. disse...

Um aspecto que me impressiona, e não é despiciendo, é que esta situação aqui retratada pelo nosso JCP, caso ela ocorresse no tempo do Estado Novo, ai! Era fascismo e exploração capitalista.

Muito bem. Passados trinta anos sobre a Revolução de Abril, como é possível existirem estas situações dramáticas? Não será também fascismo, embora colorido com outro nome?

M.C.R. disse...

Há 30 anos (ou 40) não se falava de crianças a trabalhar porque isso era a regra e não a excepção.

Para não haver crianças a trabalhar é preciso que os pais ganhem o suficiente. Essa é (ou devia ser) a política de um governo socialista.