(onde se fala da família, do fogo e do tentado extermínio dos mexilhões.
E de livros, claro!)
4º diaE de livros, claro!)
A prima Maria Manuel e o Eduardo apareceram para almoçar, dar dois dedos de conversa e ir por livros ao cafarnaúm que é a Libreria Michelena em Pontevedra. A perigosa Maria Manuel veio ajoujada de romances acabados de sair. Descobri que já tenho com quem falar de autores espanhóis, paixão comum, vê-se que somos família...
O tempo continua a surpreender tanto o calor que faz. Os banhistas agradecem mas a televisão traz notícias terríveis dos incêndios que grassam um pouco por toda a parte e sobretudo aqui perto. Até nisto somos parecidos, galegos e portugueses. Deixamos arder um património que nos foi legado, deixamos arder uma floresta que desnaturámos com eucaliptos e outras espécies de crescimento rápido.
6º dia cheira a fumo por todo o lado. Dir-se-ia que os incêndios nos cercam. O céu está escuro de fumo, não se consegue ver a margem sul da ria e no nosso terraço há cinza trazida pelo vento.
“Menuda queima!” diz a empregada do bar enquanto serve uma garrafa de água mineral. Oiço este galego saboroso e mestiço, menuda é castelhano e queima galego e digo-me que menudo traballo espera os cavalheiros que querem à viva força fazer uma nova língua galega. Antes de prosseguir gostaria que as escassas leitoras reparassem na ironia deste menuda que aqui quer dizer rigorosamente o contrario: grande, grandíssima. A aventura da língua é para mim um viagem infindável. Sou, quase sem o querer, um tradutor a tempo (quase) completo. Com algumas balizas: só traduzo de línguas em que possa fazer palavras cruzadas e insultar o próximo como um carroceiro indígena. Estou limitado por isso ao espanhol ( galego e catalão, incluídos) e ao francês. E um pouco ao italiano língua em que nunca experimentei as palavras cruzadas mas em que me desembaraço nos insultos.
Voltemos porém ao fogo. Se quisesse armar em irónico diria que isto parecia o Portugal do ano passado. Os fogos aparecem por todos os lados e os bombeiros “no dan abasto”. Há um vento preguiçoso mas suficientemente irregular para trocar as voltas a quem combate os incêndios. Os jornais falam em fogo posto mas, sem querer negar essas situações, penso que os autores do fogo foram os proprietários gananciosos, as autoridades imprevidentes, o habitual deixa andar que é uma das características que irmanam galegos e portugueses.
Segunda feira,
A praia hoje era varrida por uma brisa ligeira que trazia cinza e um forte cheiro a fumo. Ao nevoeiro da manhã juntou-se o fumo de parte dos 46 fogos que assolam a província (distrito) de Pontevedra. Terá sido isso que provocou uma tão grande baixa de banhistas nesta segunda semana de Agosto?
Baixa também e significativa no número de portugueses nestas praias. E todavia continuam a ser de preços moderados comparados com os do Algarve. O pequeno comércio queixa-se desta temporária (?) deserção lusitana. As minhas habituais fornecedoras de pão matinal, fruta, a empregada do bar onde tomo a primeira bica da manhã e o cavalheiro da papelaria onde vou também pela manhã buscar o jornal todos se conjugaram em perguntar-me a que se deve a ausência dos compatriotas. E, mesmo antes de responder, alvitram, o euro! E, curiosamente, nisto vão ao encontro dos seus congéneres portugueses: no dia em que parti ouvi a mesma queixa quando comprava o último exemplar de jornal português durante estes quinze dias. Ou seja, como de costume, os de baixo, para citar Brecht, põem o dedo na ferida e contradizem os economistas que nos prometiam dias de leite e mel. Sem querer armar-me em populista sinto-me inclinado a concordar com estas vozes que se vão ouvindo. O euro está a tornar-nos a vida cara, muito cara. Aliás o que agora se vai ouvindo com mais insistência por cá ouvi eu no ano passado em Itália e há ano e meio em Paris. O euro, passada a euforia, fez disparar os preços.
Quarta feira
Falai no mau e preparai o pau. Enfim, isto foi só para usar o provérbio porque nem falei no mau e muito menos preparei o cacete vingativo à moda de Fafe (com Fafe ninguém fanfa! ... e eu a dar-lhe!!). Hoje chegou o casal Simas para uma brevíssima visita, apesar dos nossos protestos e do quartinho que já lhes estava destinado. A Cândida veio confessadamente dar uma mão ao extermínio dos mexilhões mas aquilo foi mais ameaça do que outra coisa. Sim, porque, para quem a ouvir, ela é o Atila da espécie mexilhoeira, a suma theologica do extermínio dos simpáticos bivalves. Houve até alguém que terá agarrado no simpático brocardo do mar a bater na rocha para o transformar em quando a Laurinda aparece quem se lixa é o mexilhão! Ao fim duma travessa estava rendida. A aquacultura galega tremeu mas não caiu. Podem vir à Galiza que ainda não foi desta que o mexilhão se extinguiu.
Foi bom ver, estar com os amigos que também foram (e são) camaradas!
Cada cual tuvo entonces un origen distinto.
Yo sé donde acabaran nuestras revoluciones,
Pero donde empezaban nuestros sueños?
Si empezaron por culpa del dolor,
Hay motivos recientes para seguir soñando.
Si empezaron por culpa
De nuestra envenenada estupidez,
Puedes seguir soñando,
Pues también hay motivos.
(Luis García Montero: poema “compañero” in Habitaciones Separadas, Visor, 1994)
1 comentário:
Ao ler os seus postais, fico com uma vontade imensa de fazer férias na Galiza.
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