Acabadas as encurtadas ferias judiciais deste ano, sucedem-se divergentes declarações sobre se, com tal medida, aumentou, não aumentou, ou mesmo se diminuiu a produtividade do sistema de justiça. Não se esclarece, contudo, o que se entende por produtividade do sistema de justiça e, consequentemente, quais os critérios para a sua medição, sendo, contudo, notório, e significativo, que a confiança no êxito da medida se revela fraca mesmo por banda dos que a decidiram.
Uma medida populista que, para além de não ter resolvido nenhum dos verdadeiros problemas com que se debate o sistema, contribuiu para os iludir e, consequentemente, atrasar o caminho da efectiva resolução das questões de morosidade e de eficácia, mas também do acesso ao direito e da qualidade da justiça.
A organização do trabalho, e dos seus tempos, é, na realidade, um dos aspectos que terá de ser considerado numa reponderação do funcionamento do sistema de justiça, constituindo a sua consideração, por si só, uma relevante alteração de atitude e de mentalidade. Mas, para além do primarismo com que foi até agora tratado, é indissociável de, pelo menos, outros dois debates, e reformas, que estão anunciados – os que respeitam ao mapa judiciário e à formação (sendo o ingresso na magistratura e a formação inicial apenas uma, cada vez mais, pequena parcela do problema). Sob pena de se poder estar a contribuir para o aumento da desordem do sistema e, seguramente, de nada se estar a fazer para a melhoria da sua oferta e da qualidade das respostas.
Uma medida populista que, para além de não ter resolvido nenhum dos verdadeiros problemas com que se debate o sistema, contribuiu para os iludir e, consequentemente, atrasar o caminho da efectiva resolução das questões de morosidade e de eficácia, mas também do acesso ao direito e da qualidade da justiça.
A organização do trabalho, e dos seus tempos, é, na realidade, um dos aspectos que terá de ser considerado numa reponderação do funcionamento do sistema de justiça, constituindo a sua consideração, por si só, uma relevante alteração de atitude e de mentalidade. Mas, para além do primarismo com que foi até agora tratado, é indissociável de, pelo menos, outros dois debates, e reformas, que estão anunciados – os que respeitam ao mapa judiciário e à formação (sendo o ingresso na magistratura e a formação inicial apenas uma, cada vez mais, pequena parcela do problema). Sob pena de se poder estar a contribuir para o aumento da desordem do sistema e, seguramente, de nada se estar a fazer para a melhoria da sua oferta e da qualidade das respostas.
4 comentários:
A sua reflexão é certeira.
De facto, o primarismo e a superficialidade com que é encarado o “trabalho judicial” revela um notório défice de informação sobre o que é realmente este trabalho – daí deriva, creio, uma boa parte dos equívocos sobre produtividade e qualidade desse trabalho.
O juiz desenvolve as mais diversas e díspares tarefas:
Despacha expediente – montanhas de expediente, agigantadas pela burocracia;
Preside a julgamentos;
Preside a todo o tipo de diligências presenciais (inquirições de testemunhas, audição de arguidos, apreciação de laudos de peritagem, exame ao local, inspecções judiciais, etc.);
Faz pesquisa jurídica e jurisprudencial constantemente;
Elabora sentenças;
Gere uma equipa de funcionários;
Gere a sua agenda;
Atende advogados, peritos, intervenientes acidentais em processos e por vezes (frequentemente em casos de Direito de Família) tem que desempenhar as funções de padre, conselheiro espiritual e consolador de almas.
Responde a reclamações, a pedidos de aclaração e a requerimentos avulsos de todos os géneros – frequentemente tão mal redigidos que a primeira e grande questão que se põe ao magistrado é “o que é que este cidadão pretende ?”
Tais tarefas gerais analisam-se em múltiplas variantes que não será preciso detalhar.
Ora cada uma delas tem o seu tempo e o seu modo, exigindo mais ou menos atenção e maior ou menor preparação técnica – e a sua valorização em termos de produtividade é necessariamente diferente: meia hora de trabalho muito qualificado (elaboração de sentenças ou fixação devidamente motivada da matéria de facto, por exemplo) é totalmente diferente de meia hora de despacho de expediente ou de atendimento de interessados.
Equiparar esses tempos de trabalho é de uma santa ingenuidade que só mesmo uma enorme falta de informação (para não dizer outra coisa menos agradável) pode justificar.
Por outro lado, normalmente o serviço é tanto que os tempos de trabalho têm tendência para se “canibalizarem” uns aos outros, obrigando o magistrado a estabelecer prioridades – das 9 às 10 despacha expediente, das 10 à 1 faz julgamentos e inquirições, das 14,30 às 16 faz colectivos, das 16 às 18 atende pessoas, e a essa hora, por vezes já bastante cansado, inicia a abordagem a processos mais complexas com vista à feitura de despacho ou de sentença de fundo, invadindo a hora do jantar e prolongando o trabalho pela noite fora.
Qualquer apreciação do trabalho judicial que não tenha estas realidades em consideração é primária e superficial, tendendo a encarar o Tribunal com o mesmo olhar com que se encara uma fábrica de chouriços – vide a este respeito um post que em tempos coloquei no “Informática do Direito”.
Não me falem nas férias, por favor! Se outro motivo não houvesse, este bastaria para eu ser da oposição.
Concordo plenamente com as questões que levantou sobre o que é essencial trabalhar para mudar de facto o sistema de justiça. A análise aprofundada da organização do trabalho de qualquer sistema é fundamental se se quer mudar para melhor. E fazê-lo por dentro, ou seja, promover a mudança envolvendo as pessoas que nele trabalham. Isto por duas razões: porque são elas que conhecem de facto o sistema e porque são elas que têm que promover no terreno a mudança, ainda que esta possa ser impulsionada por elementos externos. As mudanças impostas tendem a criar resistências. Portanto é com as pessoas que a mudança deve ser desenvolvida. Além disso, só com esse envolvimento se pode mudar mentalidades, atitudes e comportamentos, criando uma cultura de melhoria contínua, que acaba por beneficiar todos os intervenientes do sistema de justiça.
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