04 setembro 2006

ACABADAS AS ENCURTADAS FÉRIAS JUDICIAIS

Acabadas as encurtadas ferias judiciais deste ano, sucedem-se divergentes declarações sobre se, com tal medida, aumentou, não aumentou, ou mesmo se diminuiu a produtividade do sistema de justiça. Não se esclarece, contudo, o que se entende por produtividade do sistema de justiça e, consequentemente, quais os critérios para a sua medição, sendo, contudo, notório, e significativo, que a confiança no êxito da medida se revela fraca mesmo por banda dos que a decidiram.
Uma medida populista que, para além de não ter resolvido nenhum dos verdadeiros problemas com que se debate o sistema, contribuiu para os iludir e, consequentemente, atrasar o caminho da efectiva resolução das questões de morosidade e de eficácia, mas também do acesso ao direito e da qualidade da justiça.
A organização do trabalho, e dos seus tempos, é, na realidade, um dos aspectos que terá de ser considerado numa reponderação do funcionamento do sistema de justiça, constituindo a sua consideração, por si só, uma relevante alteração de atitude e de mentalidade. Mas, para além do primarismo com que foi até agora tratado, é indissociável de, pelo menos, outros dois debates, e reformas, que estão anunciados – os que respeitam ao mapa judiciário e à formação (sendo o ingresso na magistratura e a formação inicial apenas uma, cada vez mais, pequena parcela do problema). Sob pena de se poder estar a contribuir para o aumento da desordem do sistema e, seguramente, de nada se estar a fazer para a melhoria da sua oferta e da qualidade das respostas.

4 comentários:

Informática do Direito disse...
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Informática do Direito disse...

A sua reflexão é certeira.
De facto, o primarismo e a superficialidade com que é encarado o “trabalho judicial” revela um notório défice de informação sobre o que é realmente este trabalho – daí deriva, creio, uma boa parte dos equívocos sobre produtividade e qualidade desse trabalho.
O juiz desenvolve as mais diversas e díspares tarefas:
Despacha expediente – montanhas de expediente, agigantadas pela burocracia;
Preside a julgamentos;
Preside a todo o tipo de diligências presenciais (inquirições de testemunhas, audição de arguidos, apreciação de laudos de peritagem, exame ao local, inspecções judiciais, etc.);
Faz pesquisa jurídica e jurisprudencial constantemente;
Elabora sentenças;
Gere uma equipa de funcionários;
Gere a sua agenda;
Atende advogados, peritos, intervenientes acidentais em processos e por vezes (frequentemente em casos de Direito de Família) tem que desempenhar as funções de padre, conselheiro espiritual e consolador de almas.
Responde a reclamações, a pedidos de aclaração e a requerimentos avulsos de todos os géneros – frequentemente tão mal redigidos que a primeira e grande questão que se põe ao magistrado é “o que é que este cidadão pretende ?”
Tais tarefas gerais analisam-se em múltiplas variantes que não será preciso detalhar.
Ora cada uma delas tem o seu tempo e o seu modo, exigindo mais ou menos atenção e maior ou menor preparação técnica – e a sua valorização em termos de produtividade é necessariamente diferente: meia hora de trabalho muito qualificado (elaboração de sentenças ou fixação devidamente motivada da matéria de facto, por exemplo) é totalmente diferente de meia hora de despacho de expediente ou de atendimento de interessados.
Equiparar esses tempos de trabalho é de uma santa ingenuidade que só mesmo uma enorme falta de informação (para não dizer outra coisa menos agradável) pode justificar.
Por outro lado, normalmente o serviço é tanto que os tempos de trabalho têm tendência para se “canibalizarem” uns aos outros, obrigando o magistrado a estabelecer prioridades – das 9 às 10 despacha expediente, das 10 à 1 faz julgamentos e inquirições, das 14,30 às 16 faz colectivos, das 16 às 18 atende pessoas, e a essa hora, por vezes já bastante cansado, inicia a abordagem a processos mais complexas com vista à feitura de despacho ou de sentença de fundo, invadindo a hora do jantar e prolongando o trabalho pela noite fora.
Qualquer apreciação do trabalho judicial que não tenha estas realidades em consideração é primária e superficial, tendendo a encarar o Tribunal com o mesmo olhar com que se encara uma fábrica de chouriços – vide a este respeito um post que em tempos coloquei no “Informática do Direito”.

o sibilo da serpente disse...

Não me falem nas férias, por favor! Se outro motivo não houvesse, este bastaria para eu ser da oposição.

O meu olhar disse...

Concordo plenamente com as questões que levantou sobre o que é essencial trabalhar para mudar de facto o sistema de justiça. A análise aprofundada da organização do trabalho de qualquer sistema é fundamental se se quer mudar para melhor. E fazê-lo por dentro, ou seja, promover a mudança envolvendo as pessoas que nele trabalham. Isto por duas razões: porque são elas que conhecem de facto o sistema e porque são elas que têm que promover no terreno a mudança, ainda que esta possa ser impulsionada por elementos externos. As mudanças impostas tendem a criar resistências. Portanto é com as pessoas que a mudança deve ser desenvolvida. Além disso, só com esse envolvimento se pode mudar mentalidades, atitudes e comportamentos, criando uma cultura de melhoria contínua, que acaba por beneficiar todos os intervenientes do sistema de justiça.