28 outubro 2006

Diário Político 31

variações sobre os blogs

O dr. Miguel Sousa Tavares que tem mesa posta no Expresso entendeu filosofar sobre os blogs a pretexto duma canalhice inominável que lhe fizeram. Parece que algum seu inimigo jurado entendeu morder-lhe a canela acusando-o de plagiar um medíocre livro dos jornalistas de sucesso Dominique Lapierre e Larry Collins onde, em estilo leve, demasiadamente leve, se narram os últimos momentos do império britânico das Índias.
A acusação foi feita num blog anónimo “freedom to copy” que parece só viu a fraca luz do dia para assacar ao a MST a acusação.
Este blog onde escrevo tem uma pequena equipa devidamente referenciada e a maior parte senão todos os seus membros já por várias vezes foram contactados por mail, ou pessoalmente pelos leitores. Como única excepção este que estas assina que é tão só o alter-ego de um dos bloggers. De resto já recebeu cartas de leitores que facilmente o identificaram e inclusivamente já conversou com outros, pelo que de facto quanto a anonimato estamos conversados. Daqui se infere, sem dificuldade que este blog, como centenas ou milhares de outros, como a grande maioria, atrevo-me a supor, não dá para o peditório do anonimato.
Conviria, em consequência, quando se fala de blogs, fazer esse pequeno e salutar distinguo entre blogs escritos por gente que dá a cara e se diverte a usar os mais disparatados “nicknames” e essa outra minoria que entra pelo universo bloguístico com a cara tapada e intenções pouco sérias. E mesmo aqui... conviria distinguir entre blogs dedicados a circular nas zonas de informação livre e outros que eventualmente são feitos e mantidos por gente que combate regimes opressivos e por isso mesmo sabe, de um saber de experiencia feito, que ao dar a cara dão também a possibilidade de serem convenientemente e definitivamente calados. Portanto, o anonimato (nem sempre ou melhor: excepcionalmente) pode ter uma razão de ser.
Claro que para atacar a honradez literária de MST não parece (e não é, de certeza) necessário recorrer ao processo da mão escondida a atirar a pedra. O homem está aí, escreve em tudo o que é sítio (de resto essa é a sua profissão, o seu ganha pão) e apesar de provavelmente ter alguma influência não tem decerto possibilidade de chacinar os seus críticos. Donde as acusações do tal blog, que indevidamente usa o nome da liberdade, deverem ser consideradas, sem mais, uma absoluta infâmia, mesmo se verdadeiras. Mesmo se verdadeiras!
O dr. Sousa Tavares nega-as em bloco e não serei eu quem o vá contraditar: li alguns trechos de “Equador”, achei aquilo relativamente mal escrito e é tudo. Achei também, e as vendas confirmam-no que houvera uma clara intenção de fazer um best seller coisa que, a meus olhos, não sendo virtude, nada tem de mau: quem escreve profissionalmente, escreve para ser lido pelo maior número de pessoas, para ganhar honradamente o cacauzinho que isso trás, a fama e tudo o mais. Aliás, convém dizê-lo, MST pode ser muita coisa mas não é um jornalista medíocre, antes pelo contrário. Li e ainda leio muita coisa boa escrita por ele, louvo-lhe a frontalidade, fui espectador fiel dos seus programas televisivos e lamento que ele não volte ao pequeno ecrã. Daí a ser romancista vai um grande passo e é só nesta segunda vertente que torço o nariz. No que não estou muito acompanhado, diga-se de passagem.
Onde me parece que MST erra o tiro é na sua apreciação do fenómeno bloguístico. Expressões como “preocupante manifestação de um processo de dessocialização”, “impunidade do discurso”, possibilidade de fazer praticamente, reflectem uma estanha forma de reagir a uma coisa que já ultrapassou os domínios da moda e se tornou um avassalador hábito de comunicação de que a maioria dos opinion makers noutros meios já se socorre para manter actualizadas as suas intervenções em jornais, rádio e televisão. Mesmo em Portugal. Veja-se por todos os blogs de Vital Moreira ou de Pacheco Pereira.
MST acha que ao escrever para o Expresso ou outro sítio qualquer está a salvo da sedentarização da (sua) solidão. Nada menos verdadeiro: MST ignorará sempre se é lido, muito, pouco ou nada, se o leitor concorda ou discorda dele, se acaso se sentiu tocado pelo que ele escreveu. A escrita é sempre um exercício solitário. Mas mesmo que assim não fosse acaso quem escreve num blog está perversamente só e a dessocializar-se? MST ignora uma coisa simples: os blogs são apenas efémeros locais onde efemeramente alguém passa diz duas a abater, colhe três ou quatro comentários e vai depois à sua vida. Quem escreve em blogs não terá pachorra ou possibilidade de escrever num jornal porque o não publicam, porque há demasiada concorrência, por o acham desinteressante, porque lhe não podem pagar, porque o que ele diz vai contra a linha editorial ou fere os interesses dos proprietários do jornal e mais dez mil razões que não podem ser aqui expostas. Eu, para não ir mais longe, escrevo quando me dá na veneta, sobre o que me apetece, não faço disto profissão, nem quero. Ou melhor: quereria escrever num sítio que não me chateasse o simpático, que se acomodasse à minha consabida preguiça, que não me contasse os caracteres (até aqui, no Inc., apanho rabecadas por me estender demasiado....) e me pagasse coisa que se visse. Não há tal sítio? Pronto, escrevo num blog onde me acolheram fidalgamente. Quando me chatear, boa noite e ala que se faz tarde... Volto ao meu buraco associal, sedentário, procuro companheiros para o bridge ou releio uma vez mais o “Quixote”, vício velho e amável.
Os blogs não devem ser levados demasiadamente a sério se feitos desta maneira: quem está, está quem saiu, saiu. Na maior parte das vezes os bloggers discutem uns com os outros publicamente assuntos que lhes interessam, recebem sugestões e comentários, às vezes de leitores de que nem sequer conheciam a existência e lá se vão divertindo, polemicando instruindo. Um dos confrades do incursões tem encontrado amigos que não via há anos (pelas contas que já fiz, parece que alguns deles andavam desaparecidos há quase quarenta anos!!). Só isto já bastaria para conceder a este meio de dessocialização algum pequeno crédito.
Portanto e para acabar: Miguel Sousa Tavares tem toda a razão do mundo ao achar-se vítima de uma cabronada. Uma acusação de plágio feita de mão escondida é apenas uma calúnia. Do mesmo modo que uma carta anónima é sempre uma cobardia. O(s) autor(es/as) do tal freedom se estão assim tão certos da sua razão, deveriam ter dado a(s) cara(s). Não a dando não passam de garotecos dignos de apanhar duas chapadas, e de luva que é para não emporcalhar a mão. Partir deste fait divers, que actualmente atinge escritores bem melhores do que MST (por todos Cela, há bem poucos anos por causa da “A cruz de Sto André”, que teve honras de julgamento e tudo) para fazer o processo sumario do fenómeno bloguista e dos seus cultores é ridículo, pouco inteligente e ineficaz.

Meu Caro MST: Camilo terá escrito a um contrincante qualquer coisa deste teor: Acabo de ler a sua carta que imediatamente passo ao ventre da mãe terra pelo esófago da latrina.
Permita-me que lhe sugira um complemento: ...e aproveite esse exemplo para pela mesma via seguir os passos da carta. Estou em crer que VªExª se sentirá bem de regresso a esse meio amniótico donde, em má hora, saiu.

Seu leitor (dos jornais) devotado e grato
d'Oliveira

2 comentários:

o sibilo da serpente disse...

Caro d'Oliveira: tirando a parte em que fala dos livros - que não li - concordo com tudo o mais.

Silvia Chueire disse...

Pois eu também concordo. Mas este erro de avaliação costuma ser um erro comum e de conveniência.

Abraços,

Silvia