11 novembro 2006

Estes dias que passam 42

Eppure si muove

1 E chegámos ao dia de S. Martinho. O problema é saber a que S. Martinho correspondem os rifões populares, aqueles de beber o vinho ou a bela ideia de comer umas castanhas assadas com um ror de amigos. Diga-se de passagem que andam por aí uns maus bebedores que neste dia se metem na jeropiga que é coisa de pouca substância. Voltando porém ao S. Martinho, a doutrina inclina-se para o de Tours, o mesmo que dividiu o manto com um pobre. Todavia, e para isto vale a pena ter um par de dicionários de santos, incluindo o muito útil “Dictionnaire des Saints Imaginaires et Facecieux", ele há um outro S. Martinho, também franciú dito S. Martin Bouillant, festejado a 4 de Julho. E dele se diz que se nessa altura chover está o caldo entornado para o vinho. Como vêm, para onde quer que nos viremos, os Martinhos são santos para vinho. Desconheço se o nosso S Martinho de Braga (será o mesmo que o de Dume?) e o papa Martinho I depois santificado também frequentam estes arrabaldes. De todo o modo o “dictionnaire Larousse des saints” afiança-me que são vinte e sete os Martinhos santos.

2 Vem tudo isto a propósito das castanhas que o presidente Bush vai ter de tirar do lume agora sem Rumsfeld nem maioria apoiante.
Quem já tirou as castanhas todas foi o engenheiro Sócrates. Nem percebo a maçada de ir a congresso sozinho sem adversários. Mas isso é lá com ele que terá conseguido uma esmagadora votação (falaram-me em 97% mas eu acho que o número é demasiadamente albanês ou norte-coreano para ser verdade). Alguém mais conhecedor que me diga.

3 E já que se fala em Sócrates leio, sem espanto, que o partido deste conspícuo pai da pátria é entre os partidos irmãos europeus o que está menos à esquerda. Diga-se que a notícia vai um bocadinho mais longe e perpassa nas entrelinhas que o PS português é o mais à direita dos citados agrupamentos.
Assim se percebe a frase do Ministro das Finanças que declara serenamente ao Público “diria que este é um orçamento de esquerda”. Ora toma que já almoçaste. O uso cauteloso do condicional dá para tudo. Sexa não afirma, não dispara, sequer ameaça. Sexa diz que diria. E lá vamos cantando e rindo neste condicional evasivo tão de acordo com os tempos.

4 Ponhamos que as coisas tão rosa pálido não acontecem só na pátria imortal nação valente. Em França para não irmos mais longe, o Partido Socialista pede encarecidamente ao senhor Villepin, primeiro ministro, o favorzinho de subsidiar o jornal “Liberation” que está mais falido que a vera falência. Parece que o PSF ou quem por ele fala, entende que como o Estado deve garantir a pluralidade da imprensa, deve pagar os calotes do “Libé”. Eu que venho da geração que acompanhou o nascimento desse jornal (apesar de me ter mantido caninamente fiel ao Le Monde) só não pasmo com esta notícia porque já nada me espanta...

5 E de espantos anda o mundo cheio. Então não é que um inocente militar israelita teve o azar de cometer uma falha técnica e vai daí matou com um canhonaço dezoito civis em Beit Hanoun. Parece que 14 eram crianças mas esse pormenor é irrelevante. Como se sabe as crianças têm o desagradável hábito de atirar pedras aos briosos magalas israelitas, o mesmo é dizer treinam-se desde tenra idade para terroristas. A falha técnica, se o foi, acabou por fazer justiça. As dezenas de mortos dos dias anteriores não contam. Eu diria que esses mortos eram fanáticos, guerreiros de um Deus vingativo que não tolera o outro Deus dos israelitas, que também não costuma ser meigo. O que me espanta é como ainda há civis vivos naquele desgraçado espaço de terra onde, também diria, nunca correu o leite e o mel.

6 O leitinho também deve escassear por estas bandas. Vejam só: os portugueses só não são os mais baixos da Europa porque felizmente há uma ilha chamada Malta que produz cidadãos ainda mais pequenotes. Também já é preciso azar: nem nesta coisa do tamanho apanhamos um lugarzinho ao sol.

7 Deve ser por isso, pelo lugarzinho ao sol, que um já famoso Edifício Transparente está a ser restaurado para permitir a uns milhares de portuenses apanhar sol que os faça crescer. Vamos, porém, à história. Durante o inolvidável e multitudinário “Porto capital cultural” entendeu alguém com mais dinheiro no bolso do que responsabilidade, encomendar a um famigerado arquitecto espanhol um edifício transparente. Para quê perguntar-se-ão as leitoras gentis. Sei lá. Nem eu sei nem ninguém. Pelos vistos era preciso gastar umas largas milhardas e, à falta de melhor, encomendou-se aquele barco naufragado. O edifício nunca foi usado. Nunca! Estava para ali, feínho e inútil a servir de pasto a coisa nenhuma.

8 Convenhamos que nisto o dr. Rio algo fez. Tarde mas fez, que já vai no sexto ano de mandato. Mandou entregar a ruína a quem a quisesse usar. Ao que sei, o “edifício transparente” foi entregue por tuta e meia a uma empresa que agora o está a restaurar e o quer rentabilizar. De um camafeu daqueles, feito à custa do erário público, para servir de inútil e disparatado remate ao parque da cidade, esperar-se-ia grandes coisas agora que está “privatizado”. E o programa das festas é mais ou menos este: no piso inferior vão abrir sete (7!) restaurantes. Ia a dizer pragas do Egipto mas não me atrevo. No piso seguinte haverá um spa, lojas de moda e de bijutaria além de um cabeleireiro.
Mais acima ameaçam com uns espaços dedicados à Cultura (com C grande!!!) e a Eventos! Eventos! Que raio de coisa será esta agora tão na moda: eventos? Finalmente o último andar será sede de “três restaurantes temáticos com mezzanine" e, pasmem gentes!, "conceito de slow food"! Que é que as mezzanines terão (ou teriam?) a ver com o conceito de slow food? E estes novos três restaurantes temáticos serão diferentes dos sete da cave? Ou dos seiscentos (leram bem: seiscentos) restaurantes de Matosinhos logo ali ao lado?
Como se vê, não é só o Rivoli que estava a pesar nos bolsos esfarrapados e andrajosos da Câmara Municipal. Convém a este respeito dizer ainda que os terrenos onde se ergue o edifício estão a ser alvo de uma série de acções de reivindicação de propriedade e que já se conhece uma sentença a obrigar a Câmara a pagar uns larguíssimos milhões ao legítimo proprietário. Como a procissão ainda vai no adro eu diria que ainda vamos ver muita coisa.

9 E já que estamos numa de camarário, que me dizem da resolução do Tribunal Constitucional que manda acabar com o pagode do pagamento das taxas ilegais que, a torto e a direito, as Câmaras impunham aos munícipes. Parece que pediam dinheiro por tudo, desde um anúncio luminoso até um simples autocolante dentro da montra. Eu referiria o argumentário das Câmaras que tratam como taxa o que é um imposto ilegal mas aquilo é tão pobre e tão fora de senso que piedosamente o calo.

10 Terminemos com a menção peronista brandida pelo dr. Salgueiro que vê na turva e ténue acção governamental sobre o pagamento de impostos pela Banca uma ameaça inenarrável. Eu não tinha pelo dr. Salgueiro particular simpatia e muito menos admiração. Vejo que estava, como de costume, enganado. O homem é um génio. Com a acusação de peronismo lançada sobre o governo pôs meio país em polvorosa. Cá em casa já há quem se penteie à “Evita”, a minha enteada declarou que tinha de aprender a dançar o tango e eu mesmo estou aflito. Se tivesse uns anos a menos começava a treinar para gaúcho. Dadas as limitações da idade e o facto de não ter tido a honra de fazer parte do exército português, e por isso iniciar uma vida aventurosa de torcionário, só me resta ir para “montonero” e começar a preparar umas bombas artesanais. Como repararam escolhi o pior lado e quiçá o pior futuro.
E logo agora, quando, graças a uma dieta empenhada e persistente, já atirei com dez quilos pela borda fora! Agora que eu começava a ficar com aquele ar de cavalheiro idoso e distinto, de boa figura, ar severo e triste que soi acontecer nas vítimas da fome, essas mesmas, as do hino que para a maioria já não é mais do que uma saudade e que, provavelmente, ninguém irá cantar no congresso do partido socialista, coisa que aliás só lhes fica bem. Se o cantassem, lá vinha o dr. Salgueiro espetando as sobrancelhas e dizendo: Estão a ver? Eu não vos dizia?

1 comentário:

Kamikaze (L.P.) disse...

Escrito de antologia,caro MCR, de antologia... :)