18 dezembro 2006

Au Bonheur des Dames 41

De perdizes e de outras aves de truz

A perdiz come-se de mão no nariz, reza um rifão venatório, em uso em todos os lugares onde este amável passaroco é alvo da fúria gulosa dos homens. E come-se assim, porque desde há muito se estabeleceu entre caçadores e outros clientes da boa mesa que o animal há-de estar um tanto ou quanto passado, cheiroso, demasiadamente cheiroso para ser consumido. Suponho que era Ramalho quem falava da “aromática” perdiz, opinião abalizada, de caçador e gourmet. Portanto, e para abreviar, a perdiz há-de estar com um certo relento para saber bem.
Mas a que vem aqui a ave, agora criada em viveiros para, em chegando a época da caça, a soltarem nas reservas venatórias para satisfazer a incontinência fusiladora dos milhentos caçadores com que o país conta? Pois vem um pouco como imagem do estado interessante a que chegou o nosso futebol grávido de escandaleiras de todo o género.
Falar de futebol nos tempos que correm só com a mão no nariz. E mesmo assim... Há, é certo, temas porventura mais graves mas convém aproveitar a “gentil maré” que nos é servida de graça por todos os jornais que dão acolhimento em nome da liberdade de informar a todo o lixo bolsado sobre o público em nome do direito à informação.
Aqui chegado, convém assinalar, que o escriba não tem nada a ver com os principais clubes portugueses de que não é adepto, simpatizante ou sequer interessado nas suas proezas. O escriba não acha graça ao futebol e acho patético o espectáculo de multidões ululantes no estádio ou mais prosaicamente no sofá em frente da televisão a ver a partida no quentinho da sua casa, agarrado a um cachecol e a um prato de batatas fritas. Portanto nada o move, demove ou comove no que diz respeito ao drama que se vive com as declarações literárias de uma senhora que, de animadora de cabaret rasca passou a first lady de um clube poderoso. O comentador não tem opinião sobre a veracidade ou falsidade das informações veiculadas nesse livro, sobre as motivações de quem é a putativa autora ou sobre as malfeitorias aí atribuídas a um senhor presidente de clube.
O escriba não frequenta o meio onde estas histórias pouco edificantes se desenrolam e confessa, talvez por demasiada idade, demasiada vida, que do relatado apenas conhece o que no jornal “Público” se relata. E mesmo isso terá sido lido obliquamente, porventura por desinteresse mais do que por qualquer escrúpulo moral.
É uma fraqueza, já o sei, mas nunca fui capaz de sequer folhear, seja no dentista ou no barbeiro, essas revistas de escândalos, que relatam as vidas, as pobres vidas, dessa vaga jet set que desvela aos quatro ventos, as intimidades, os orgasmos, o gosto dúbio, a frase pirosa a inanidade que sustenta aquelas tristes criaturas “glamourosas” segundo elas próprias, ridículas segundo a verdadeira alta sociedade que foge dos jornais com mais rapidez que o diabo da cruz. Todavia esta minha posição, posição de ET, como alguns amigos a definem, é minoritária, tragicamente minoritária.
Não nos espantemos pois que a história de ciúme e calúnia (se de calúnia se trata...) encha os jornais, esgote o livro (que pelo que pude saber é de um atroz ridículo literário) e suscite mesmo algum afã entre as autoridades judiciais e policiais. Pelo que sei ainda não percebi como é que alguém se acusa publicamente de ter contratado dois bandidecos para sovar um edil camarário e disso não haja até ao momento sequelas que se vejam. Não será possível mandar um cabo de esquadra à casa da criatura para a trazer sob boa guarda a um juiz que resolva o que fazer. Eu já não sei nada de direito mas aproveito o facto de estar a escrever esta desenfastiada crónica num blog carregado de juristas no activo para pedir que me esclareçam. A mim e aos eventuais leitores.
E nisto não vai qualquer intuito de defesa do outro inquietante personagem que é aliás o vilão do referido livro. Ainda que duvide que o venham incomodar. A ele e a todos os que com cargos idênticos aparecem semanalmente, para não dizer diariamente, nos telejornais, nos artigos das últimas páginas (e estas são quase metade do periódico), blasonando glórias fictícias, ameaçando árbitros e adversários, torneando (toureando) perguntas incómodas e mostrando sobretudo um impudor e uma impudência notáveis. Estes cavalheiros e os seus aliados (entre os quais muito edil camarário que achou interessante eleger-se à conta do futebol e daí passar para campo mais lucrativo, se é que me entendem) conseguem o impossível: fazer com que clubes falidos gastem somas astronómicas nas compras de jogadores. Conviria já agora saber que ligações existem (se existem, claro...) entre os dirigentes dos clubes e os agentes dos jogadores não vá dar-se o caso do, por exemplo, o dirigente máximo do “Canelão Sport Club de Alguidares do Meio” ser sócio do representante do jogador que acaba de comprar por uns milhões. Ou receber uma percentagem consoante a soma a que, com a sua assinatura, obriga a agremiação.
Vasco Pulido Valente, num texto brilhante, veio afirmar que neste meio só grassa a pequena corrupção, a pouco importante e que isso serve para esconder a outra, a verdadeira, a que dá realmente lucro. Será... mas os processos de que se ouve falar são tão extraordinários, recorrem a tanto gansgster ou assimilado que começo a temer que este pequeno polvo seja já bem maior do que o que se julga. E como até à data as consequências são as que se conhecem, permito-me pensar, sou mesmo um ET!, que o campo estará mais minado do que se julga, a ousadia será maior do que a que se apregoa, e as importâncias em jogo sejam igualmente muito mais expressivas. E ninguém me garante que já não haja laços, lacinhos e laçarotes entre esta corrupçãozeca de estádio de futebol e a outra, a tal, a verdadeira.
Se for como penso, acho bem que se abra excepcionalmente a estação de caça: à perdiz, ao perdigoto e aos passarões que que andam por aí de papo cheio. Zagalote neles!

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