Ei-los. Aí mesmo. À nossa frente. Os cavaleiros. Adivinhamo-los pesadamente couraçados, habituados ao duro mester das armas. Há no silêncio que parece rodeá-los, uma ameaça maior do que mil gritos. Há no seu aparente desafio, um turvo rumor de águias que voam impiedosas sobre as presas à sua mercê.
Os cavaleiros. O sol bate-lhes de frente, arranca faíscas dos arnêses, dos elmos, das grevas, dos peitorais dos cavalos. Não vêm por bem, esses homens montados nesses soberbos cavalos. Não ameaçam com as armas, levantadas ao alto, como se quisessem dizer-nos que não esperam rendição, não se irão com tributos mas só a destruição os aplacará.
Sob as patas das montadas um mar alto de pó, de ervas fugitivas, deixando adivinhar um rasto de terra queimada e insone. Fome, peste (ou discórdia?), guerra e morte. Um futuro sem futuro.
Todavia, e essa pode ser outra interpretação, suponhamos outro mar. E nele a imortal cidade de Veneza, ameaçada por um exército poderoso de rudes cavaleiros cobertos de ferro. Pela laguna avançam as jangadas com os impacientes guerreiros e suas montadas. Diante da piazetta, entre o palácio carregado de riquezas e o orgulhoso campanile apinham-se os escassos defensores que se sabem condenados. Estava porém escrito que a cidade civilizada se salvaria graças à agua onde se construiu. A história dá conta do naufrágio terrível das jangadas e da morte rápida e faiscante dos homens cobertos de ferro. O tumulto dos metais vencido pelo marulhar sereno das águas.
Este é o apontamento que me sugere a poderosa cerâmica de Manuel Sousa Pereira ora exposta. Com uma eventual conclusão moral: a Arte cresce mesmo no mais desolado cenário e até quatro cavaleiros temíveis podem suscitá-la. A dificuldade está na imaginação do autor, nas suas mãos milagreiras e operosas, nos mistérios do fogo e da terra.
Porto, 30 de Junho de 2007
mcr
este texto foi feito para acompanhar a exposição de uma peça única (uma cerâmica) do escultor Manuel Sousa Pereira, meu amigo de há mais de trinta anos. A exposição não pode ser feita de modo que, não retirando a oferta, aqui o publico como um postal. Ora aqui está uma boa ideia, Manel, um postal!
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