A caminho de um universo huxleyano
Quem me lê pode pensar que ando sempre à pesca de uma notícia má, perversa, horripilante para acertar o passo nos que mandam. Coitado do mcr, a idade deu-lhe para Vingador Solitário, Zorro, etc... (McGiver!, intervém a minha sobrinha Sara, que apesar de já ser uma geóloga qualificada não esquece uns amores televisivos de juventude e ainda hoje possui, garante ela, todas as aventuras deste cavalheiro em cassetes antiquíssimas e carregadas de pó). E, de facto, poderia ser: a idade não perdoa a ninguém e eu estaria a voltar aos meus tempos de menino leitor do Capitão Nemo e do Sandokan.E por um lado estou. Acabo de ler umas curiosas revelações sobre o Titanic nacional: os exames de Matemática: ao lado disto a “História Trágico-maritima” é um fait divers. Em 96.000 alunos que fizeram o 9º ano, 24.600 (mais ou menos 25%!) tiveram 1 valor (ou como se diria antigamente, 4, isto é Mau!!! E neste 4 poderão caber muitos 3, 2, 1 ou 0...
Mas há pior, quase três quartos dos alunos tiveram negativa!!!
Convenhamos que ao apanhar com uma notícia destas, o leitor tem uma vontade enorme de pegar numa espingarda, numa bomba, numa faca de cozinha enfim numa dessas coisas que fazem pfft e matam mosquitos, moscas e outras bichezas pequenas e ala, que se faz tarde, para a escola ou para o ministério para uma djihad particular.
Eu não vou, porém, dizer que é esta ministra a culpada. É também culpada, claro, mas antes dela houve um rosário (e nunca uma palavra foi tão bem empregue) de ministros, secretários e subsecretários de Estado, directores gerais e demais responsáveis, que viram aproximar-se a “catástrofe iminente” (esta para os leitores mais versados em pensamento diamático...) e nada fizeram para a evitar. Pior. Persistiram na mesma bambochata, no mesmo palavreado oco, na mesma aberrante ideia educativa, na mesma teoria de uma escola onde se passa distraída e impunemente, que forma catatónicos em vez de cidadãos.
Uma série de professores de matemática (esta também é boa: que raio de professores são estes, que é que ensinam, como é que não eliminam logo ao segundo dia os alunos de nono ano que nem no segundo deveriam estar? Olhem, porque é que estas pedagógicas criaturas não fazem greve sob o lema “nem mais um analfabeto para o nono ano”?) vieram à liça dizer que as criancinhas (de 14/15 anos) não percebem o que lêem.
Pergunta-se se elas sequer lêem. Porque ler não é soletrar vesga e grosseiramente umas palavras que depois ficam a ecoar longamente num cérebro vazio. Ler é compreender, que raio! Eu com oito anos, eu e todos os outros da escola do senhor professor Cachulo, bendito seja ele, ali em Buarcos, à beira praia e à beira miséria (que os anos quarenta e oito e quarenta e nove eram maus, duros, tristes – esta é para um parolaço comentador político que ainda há dias vinhas entoar loas ao Salazar - ) líamos que nos fartávamos. O problema para muitos deles era arranjar um livro, uma revista, O Mundo de Aventuras ou O mosquito, para lhe meter o dente. E os pais deles, pescadores analfabetos, mas pais a sério, não brincavam em serviço. Queriam que os filhos soubessem ler contar e escrever para terem uma vida que eles não tinham. Os meus livros andavam de mão em mão, pelo Ganhitas, pelo João Mantana, o Romão ou o Aranha Eires. E eram lidos á luz trémula do fim da tarde, de um candeeiro de petróleo, teimosamente, gozosamente, deslumbradamente.
Agora os meninos lêem? Alguém em casa cuida de lhes dar um livro, de perder tempo a ler-lhes uma história, de lhes suscitar o gosto por um herói chame-se ele Harry Potter ou Bilbo o Hobbit? Eu não quero impingir o Verne que lhes faria bem, ou o Salgari ou as aventuras do Lagardére. Raios! Basta-me que leiam e compreendam. Vi, com estes que a terra há-de comer, o Carlinhos Cal Brandão, pequeníssimo, ensimesmado, tentando ler para além das figurinhas, as frases que os seus quatro ou cinco anos ainda não lhe permitiam ler. E o pai dizia, cofiando a barba: o gajo está louco por saber ler... E estava. E logo que se apanhou alfabetizado pela escola e pelo pai e pelos amigos do pai, foi um ver se te avias. Agora já no quarto ano de Arquitectura, ainda tem tempo para ler que isto é vício que não se perde. E é um miúdo culto, que gosta também de outras coisas da sua idade, desde namoradas a tunas estudantis (Jesus!).
Quando oiço professores a queixarem-se da falta de leitura dos alunos, pergunto-me o que é que eles dirão aos colegas de português. E estes que dirão aos professores do ano anterior?
Para o ano, dizem, será ainda pior. Será? Então para que servem a escola, o ministério, os professores? Afirma-se por aí que há instruções claras, vindas “de cima” para não chumbar as criancinhas. Por outro lado, lê-se que os professores serão julgados à luz dos chumbos ou das passagens dos seus alunos. Temos que por esta razão três quartos dos professores de matemática ou de português já teriam ordem de marcha para o desemprego. Os professores defendem-se dizendo que ninguém lhes liga (e isso não deixa de ser verdade) que os programas são desadequados, que a ordem é deixar passar os meninos para estes não ficarem marcados psicologicamente para o resto da vida e mais um par de balivérnias do mesmo teor. Os paisinhos regougam (eu escrevi regougam e mantenho). Se um rapazola é posto na rua por mal educado, a família vem toda à escola puxar as orelhas ao professor. E se puxam! Quando não usam esse expedito método, há sempre uma palavrinha a quem de direito para meter o professor nos carris. Chama-se a isto o método dos bem educados. Outros, com mais dinheiro, mandam os filhos para o ensino particular. Há por aí uma escola, privadíssima e boa, que no último ano saca, por aluno e por trimestre cinco mil euros (uma milharda das antigas, nem mais! É claro que os seus resultados estão à altura do investimento, tanto mais que as turmas são pequenas visto não haver assim tanta gente disposta a pagar uma soma destas).
Isto dito, começa a ser possível futurar que o sistema de educação português vai ser também ele a duas velocidades: um ensino público a afundar-se crescentemente na mediocridade e algum privado e caro a manter níveis satisfatórios de qualidade. Ou então teremos de, uma vez por todas, aceitar uma conclusão que já se adivinhava há anos. Deitar fora o eduquês persistente que vence vontades, ministros e professores e simultaneamente estraga as criancinhas. Eu não sou mais do que um cidadão usado e de pouco préstimo. Não verei seguramente os resultados de uma nova orientação escolar. Não conheço os sistemas em vigor na maior parte dos países mas uma certeza tenho: estamos condenados a sofrer os resultados destes muitos anos de estupidez por muitos e muitos, digamos por uma inteira geração. Se porventura acreditarmos que Portugal não desaparece lá por 2030 ou 2040, então é melhor arranjar um sistema novo, radicalmente diferente, que pelo menos garanta que aos dez anos um menino sabe ler, escrever e contar. Ler percebendo, escrever sem faltas ortográficas e contar sem recorrer a uma maquineta para divisões e multiplicações. É provável que isto soe a “antigo regime” mas os resultados do novo, desde o disparate da ruptura Saraiva, nos anos sessenta, estão à vista: um naufrágio que, ao contrario do de Sepúlveda não terá quem o narre. Por não saber escrever duas linhas com sentido e sem erros palmares.
É por estas e por outras que nesse concurso imbecil da televisão o dr Salazar ficou em primeiro lugar. No seu tempo havia muito analfabeto mas os alfabetizados eram mesmo alfabetizados e não como agora analfabetizados.
E a senhora Ministra?, perguntarão. Pois, na medida em que também é responsável, estou em crer que poderá ir fazer companhia ao numeroso grupo de antecessores. Quadro de mobilidade com a senhora. Quem não sabe, não se estabelece! Ou mandem-na para uma escola que é para a senhora aprender ao vivo o que é isso... À falta de melhor nomeiem uma comissão administrativa para a educação com um único objectivo: salvar os primeiros anos do ensino. Já!
Ps: espero bem que ninguém se lembre de falar nos resultados de português: ao que tudo indica o exame foi uma alegre balda. Até os alunos o dizem.
Numa conversa sobre este tema, num jardim perfumado e habitado por um melro, a K. dizia-me que alguém sustentava esta ideia peregrina: Apesar do desastre não está em risco a existência de uma elite cultivada.
Pois não estará. Mas ao lado dela, ou melhor, debaixo, haverá uma imensa multidão de leitores inaptos, bons para puxar um arado, ou deitar duas pazadas de cal na areia. Ou seja um admirável mundo novo povoado de 95% de lumpen-proletários e 5% de señoritos. Felizmente já cá não estarei para o ver!
na gravura: Rouault, George Rouault, um fauviste enorme que admiro desde os meus desvairados vinte anos. E, eventualmente, o maior pintor católico do século XX. Na verdade eu ia pôr uma fotografia de Aldous Huxley, outro grande intelectual do mesmo século hoje quase desconhecido por não traduzido. Fica para a próxima.
9 comentários:
Como compreendo este texto e este desejo pensador ( no duplo sentido)para o intelecto!
Mas...ainda assim, caro M.C.R. acho que ler é apenas um doce para o intelecto.
Ler para aprender, é um meio para chegar a um fim. Ler para entreter e divertir, é apenas um sucedâneo de um jogo. As crianças, hoje, têm jogos electrónicos, playstations, computadores, you tube, mp3.
Como se converte uma utilidade ( a leitura como recheio de cultura), numa necessidade?
Em 1971, inventou-se em Portugal o livro de bolso, com o primeiro volume dos livros RTP ( Maria Moisés, de Camilo) e o primeiro da colecção Europa-América,( Esteiros de Soeiro Pereira Gomes).
As edições eram mensais e custavam relativamente mais do que agora custa um livro qualquer que se oferece com jornais e revistas.
Os suplementos culturais dos jornais, reflectiam uma cultura clássica e mais sólida em valores clássicos do que populares.
Hoje, aligeirou-se a cultura.
Basta ler o Repubblica italiano, todos os dias, para ver que em duas páginas de cultura, suplanta todos os diários e semanários que temos ( no outro dia, escreviam sobre a repristinação das missas em latim, hoje, escrevem sobre Elvis Presley e ainda sobre a comparação entre fascismo- o verdadeiro- e antifascismo).
Hoje, o Público traz uma entrevista com o responsável pelas edições &etc, Vítor Silva Tavares.
A editora maldita, que quadricula rectângulos, traduziu livros de culto e publicou Alberto Pimenta.
Em seguida aos livros de bolso de 71, apareceu outra colecção, da Verbo. Publicitou a iniciativa com o mote: "quem não lê, chapéu", e na tv, ao terminar o ditongo, caía, assapado como um sino,um chapéu estilizado a negro.
Como é que se transmite a alguém, o gosto pela leitura?
Humm...não sei.
antes de responder gostaria de relembrar que os livros de bolso em portugal são bem mais antigos do que diz. Não me refiro aos policiais (que tecnicamente são livros de bolso) mas a três colecções enormes: a Miniatura da editora Livros do Brasil, que começou nos anos 50. Um pouco mais tarde a colecção 3 abelhas (Europa-américa) que começou por volta de 56 ou 57. finalmente o "livro de bolso" da Portugália que começa em fins de 59 0u inicios de 60 (estes elementos retiro-os da minha própria biblioteca porque comecei a gastar o dinheirinho de bolso em livros por estes anos. E são mesmo livros de bolso quer no tamanho quer pelo preço, embora (e aí há uma inovação) publiquem inéditos e não reedições.
As duas tentativas de que fala (E-A e RTP não t~em nada de inovador nem mesmo o preço. A 2ª é uma colecção fechada, com um programa marcado pelo número que pretende atingir enquanto a da E.-A é apenas a continuação das 3 abelhas que entretanto se teriam finado, já não recordo. Pelo meio ficaram outras tentativas como uma belíssima da Ulisseia com capa dura e tudo...
Isso era obviamente um incentivo à leitura.
Ler para quê se há essas coisas que diz? ora bem mesmo essas novas tecnologias precisam da leitura para se apoiar. E depois m
não há nada mais transportável e transmissível que um livro. hoje em dia com as novas técnicas de impressão o livro pode ser barato, pode adequar a produção ao consumo, não é dificil fazer novas tiragens enfim é só vantagens. ao contrário dos gandes meios audio-visuais que exigem investimentos mais pesados.
como ensinar a gostar de ler? Eu tenho por mim que uma casa com livros usados é uma casa que põe os jovens habitantes a ler. Mas quanto a métodos não me alargo porque penso que são tantos quantos os leitores.todavia vou pensar melhor no assunto. V obriga-me a demasiados esforços, não tem consideração por um cavalheiro idoso, vou dormir e depois direi qualquer coisa se o sono me inspirar.
Um abraço
antes de responder gostaria de relembrar que os livros de bolso em portugal são bem mais antigos do que diz. Não me refiro aos policiais (que tecnicamente são livros de bolso) mas a três colecções enormes: a Miniatura da editora Livros do Brasil, que começou nos anos 50. Um pouco mais tarde a colecção 3 abelhas (Europa-américa) que começou por volta de 56 ou 57. finalmente o "livro de bolso" da Portugália que começa em fins de 59 0u inicios de 60 (estes elementos retiro-os da minha própria biblioteca porque comecei a gastar o dinheirinho de bolso em livros por estes anos. E são mesmo livros de bolso quer no tamanho quer pelo preço, embora (e aí há uma inovação) publiquem inéditos e não reedições.
As duas tentativas de que fala (E-A e RTP não t~em nada de inovador nem mesmo o preço. A 2ª é uma colecção fechada, com um programa marcado pelo número que pretende atingir enquanto a da E.-A é apenas a continuação das 3 abelhas que entretanto se teriam finado, já não recordo. Pelo meio ficaram outras tentativas como uma belíssima da Ulisseia com capa dura e tudo...
Isso era obviamente um incentivo à leitura.
Ler para quê se há essas coisas que diz? ora bem mesmo essas novas tecnologias precisam da leitura para se apoiar. E depois m
não há nada mais transportável e transmissível que um livro. hoje em dia com as novas técnicas de impressão o livro pode ser barato, pode adequar a produção ao consumo, não é dificil fazer novas tiragens enfim é só vantagens. ao contrário dos gandes meios audio-visuais que exigem investimentos mais pesados.
como ensinar a gostar de ler? Eu tenho por mim que uma casa com livros usados é uma casa que põe os jovens habitantes a ler. Mas quanto a métodos não me alargo porque penso que são tantos quantos os leitores.todavia vou pensar melhor no assunto. V obriga-me a demasiados esforços, não tem consideração por um cavalheiro idoso, vou dormir e depois direi qualquer coisa se o sono me inspirar.
Um abraço
Dose dupla, para me encostar à parede da ignorância relativa.
Os livros de bolso, "tecnicamente", deverão ter começado muito antes do tempo que foi o meu, para a descoberta do fenómeno, no início dos anos setenta.
Deveria ter pensado na colecção três abelhas e noutras, por exemplo a colecção Civilização, dos anos sessenta e ainda nos da Portugália, para não falar nos policiais da Livros do Brasil e depois nos de ficção científica.
Porém, aquilo que referi, foi a noção de "livre de poche", de "pocket book", de "libro de bolsillo". Não apenas a noção técnica, mas a noção tout court. Esta, parece-me que apareceu depois, na altura em que citei, mas não tenho a certeza.
E parece-me que esta noção de "livro de bolso", que é uma noção de marketing, inventada provavelmente pelos anglo-saxónicos, não teria expressão assim definida nessa altura.
A primeira vez que vi e li a publicidade aos livros de bolso, foi efectivamente com os da E-A e com os da Verbo-RTP.
Mas antes disso, já tinha visto em casa, uma edição dos Lusíadas, cartonada e com papel de luxo, com uma ilustração do célebre retrato do poeta, rasgada e colada com tiras de papel, estando esta ilustração protegida por uma folha de papel vegetal finíssima( de arroz?).
É esse o primeiro livro que me lembro de ter visto e sentido nas mãos. Um bom livro, afinal e não estou a fantasiar porque foi mesmo assim. Junto com esse, havia outros, entre os quais um com o nome, para mim então esquisito, de Mariana Alcoforado.
E também havia uns dicionários de Latim, do Torrinha. Estes, ainda os tenho.
A curiosidade levou-me á wikipedia, para descobrir quando começaram as colecções de bolso da Livre de Poche e J´ai lu e da Folio. As primeiras no final dos anos cinquenta e a última em 1972 ( o meu le matin des magiciens, desta colecção, é de 73).
A Penguin,tamém nos anos trinta, imitou ( já se esperava) os americanos dos "paperbacks" e assim nasceu o conceito.
Nós por cá, se calhar já tínhamos inventado o formato, que não o conceito. Este só tomou forma como tal, mais tarde, como é nosso hábito na imitação usual.
Estou em supor que o "papperback" não é livro de bolso. O que acontecia (sovretudo em Inglaterra) é que a primeira edição era -e ainda é - em capa dura. As seguintes e mais populares dispensam essa formalidade para serem mais baratas.
agora, no que toca ao livro de bolso português julgo que se o definirmos pelo tamanho sempre na zona dos 10/16 ou 10/17 e pelo preço -obrigatóriamente módico - sem cadernos cozidos mas simplesmente colados - então os meus exemplos já são livro de bolso.
de facto os franceses importaram a fórmula (como aliás todos os europeus) e fizeram dela alto uso. Relembro que mesmo antes da Folio (tentativa da Gallimard para se furtar ao poche) apareceram e com grande êxito algumas coleccções notáveis : 10-18 que ainda existe, G-F da Garnier-flamarion (excelente e muito bonita), "libertés" da JJ Pauvert um design fabuloso, um formato 9/18 e, sobretudo, uns títulos de enorme impacto. Aliás a Gallimard já tinha colecções de bolso (a Idées, por exemplo). A Folio veio põr ordem na editora e meter tudo no mesmo saco. Mesmo assim esqueceram-se da "poesie Gallimard" onde reeditaram uns centos de títulos.
De tudo isto fica um pouco a ideia de o formato ser usado ciclicamente, mais como moda do que como outra coisa.Vai e vem. A única excepção conhecida é a gigantesca colecção "que sais je"(PUF) que já vai, penso em cerca de 3000 títulos. E essa, que é vincadamente técnico-educativa, merece de qualquer leitor um cumprimento especial porque é bem feita, é barata, é de boa leitura, e tem sempre uma boa dose de referencias bibliográficas.
quem diz a França, diz a Espanha com colecções óptimas ou - e isso merece uma vénia enorme - a Argentina que por intermédio da Editorial Losada pôs no mercado um numero impressionante de livros de que destaco quase todos os meus Nerudas...e o Lorca ou os restantes autores espanhóis da diáspora republicana. Papel fraco, capas pouco imaginativas, preço mais que módico e edições muito grandes. Deus abençoe o senhor Losada, galego fugido à guerra e à fome.
Ou seja: um "honnete homme" pode formar uma belíssima biblioteca só com estes livrinhos humildes e baratos.
O problema é que o vício cresce com a idade e agora já me deixo tentar por bonitas edições para já não falar das pleyade francesas...
Ah! Que belíssima discussão. Sobre livros e capas e grafismos e ainda formas. Os livros dão para tudo, mesmo para isto que nem conta para o conteúdo.
Bela invenção, a de recolher em folhinhas ( primeiro de papiro ou tabuinhas ou pedra ou fosse o que fosse) o pensamento dos Homens.
Já ouviu certamente, falar da Hypnerotomachia poliphili,o incunábulo misterioso, atribuido a um ainda mais misterioso Francesco Colonna, na Renascença italiana e logo, logo que Gutenberg descobriu o modo de imprimir livros em papel, em série.
O livro foi publicado recentemente ( um ou dois anos atrás), por uma editora.
Esse livro gerou um culto devido ao seu cuidado no grafismo e na composição do texto e imagens originais.
Depois disso, quantos livros de luxo não se publicaram e estão guardados nas bibliotecas e torres de tombo!
Eu acho que o meu primeiro amor pelos livros, nasceu da forma, para além do conteúdo. Lembro-me de me apaixonar perdida e frustradamente, para aí com 11 anos, pelas enciclopédias. Todas com mais de uma dúzia de volumes, encadernados em harmonia visual, fascinavam-me pelas promessas de sabedoria inscrita.
A Luso-brasileira de cultura, lado a lado com a Verbo, com discussões sobre qual seria a melhor. ( alguém jurava pela antiga, Luso-Brasileira; outros, só pela nova, da Verbo). Mais tarde, descobri a Britannica e uma italiana, temática que se publicou em Portugal, há poucos anos.
E a "que sais-je?" é um acrescento ao conceito cujos livros foram traduzidos por cá, alguns deles, ainda antes de 25 de Abril.
Por livros, sei que fico a perder de vista, se começar a escrever sobre eles. Mas perco com todo o gosto, porque sei que é um aficionado pela leitura e pela conversa sobre. E se há assunto de interesse é esse: escrever sobre livros, mesmo sem entrar no sumo deles.
E assim, para ficarmos nos livros de bolso, estendamos um pouco mais:
Os franceses foram grandes imitadores dos anglo-saxónicos, mas ainda não descobri nenhuma colecção inglesa ou americana que se possa comparar à dos Bouquins, da Robert Laffont: os livros de capa mole e folhas finas, encadernados de tal modo que dá gosto pegar neles, pelo jeito que têm em se moldar à mão que os segura e à facilidade de manuseamento. E não sendo livros de bolso, são um exemplo híbrido, a meio caminho entre as espécies.
Mas, ainda sobre livros de bolso e seus avatares, os franceses da 10/18 foram, de facto, uma perdição para a vista, porque eram semelhantes aos da Bouquins, de hoje, embora mais compactos: fáceis de manusear, simples de grafismo e de papel que pedia folheio. ´
E foi na Livre de Poche que li pela primeira vez Le nom de la Rose. Uma revelação, porque o livro é um tratado em forma de cebola; atrás de uma camada suculenta, vem outra. De chorar por mais.
O meu primeiro poche foi "Paroles" de Prévert, na dobra dos cinquenta para os sessenta.
A colecção Bouquins (a Pleyade dos pobres, que burrice!) é uma belíssima colecção atenta a vários géneros do romance à história, do teatro aos dicionários. Consumo-a abundantemente e estou sempre à coca de um novo e (eventualmente) interessante título.
Sobre capas de livros não recebemos lições de ninguém. Houve e há em Portugal belíssimos capistas. do melhor que se faz por esse mundo fora. Ora aqui está uma surpresa muito portuguesa. Não temos autores geniais , ou temos poucos, as editoras são modestas, os livros têm pouca venda mas as capas... mereciam melhor sorte.
Apreciei esta interessante discussão acerca dos “livros de bolso”. Das muitas questões que o post e os comentários colocam destaco a formação das elites e a função da leitura enquanto instrumento de lazer ou como elemento de transformação das mentes e do mundo.
A leitura tem pelo menos essa dupla vertente. Creio que era Jorge de Sena que dizia que a própria poesia deveria conter o virtuosismo da abertura e transformação do mundo. É também pela leitura que se formam as elites. A preocupação que alguns revelam é saber como se formarão elites se as novas gerações lêem cada vez menos.
Sobre esta matéria sigo o pensamento que a Kami expressou. Cada geração criará as suas próprias elites. E não será por falta de elites que os países e o mundo deixarão de ser governados.
Serão essas elites que conduzirão os povos para estados superiores da civilização ou para períodos menos bons ou até de “barbárie”, mas mesmo estes serão superados.
Certo, certo é prognóstico que MCR faz. Estas elites serão cada vez mais reduzidas e a governar em benefício de um cada vez menor número de pessoas. A progressiva desregulamentação dos mercados e a desgovernamentalização dos serviços essenciais, incluindo a educação e a saúde, que as elites hoje reclamam por esse mundo fora faz temer o pior.
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