25 agosto 2007

estes dias que passam 74


A morte, hóspede inesperada




Ainda ontem, sexta, pela tardinha, tínhamos recebido uma mensagem da Maria Manuel: o Público trazia uma reportagem sobre a Mayra, prima segunda de ambos e ela e o Eduardo achavam por bem prevenir todos os familiares.
Nada fazia prever este desenlace, depois de tantas e tantas vicissitudes, há fígado, não há fígado, há rejeição, a rejeição foi vencida, enfim o rosário do costume, as aflições habituais.
Conheci o Eduardo na Figueira há mais de trinta anos numa das primeiras edições do Festival de cinema. Fomo-nos encontrando ano, pós ano, criando laços, coisa mais que natural entre pessoas da mesma geração e com interesses semelhantes. Polemicámos as vezes necessárias que ambos somos senhores do seu nariz. Uma que outra vez, por interposta imprensa, trocámos um que outro afectuoso abraço a propósito de pequenas coisas que nos interessavam.
Há uns anos ele e a Maria Manuel acharam que tinham sido criados um para o outro e disso me deram conhecimento rápido. Ao fim e ao cabo sou o primo mais velho duma série de dezasseis, todos netos da Velha Senhora. A Maria Manuel foi durante muito tempo a única prima que eu conheci, aliás conhecia-a com dois anos de idade, aos gritos numa janela namorando descaradamente os polícias da esquadra em frente. Nos seus romances, a Maria Manuel lá me vai fazendo aparecer fugazmente e o Eduardo dizia que tinha ciúmes...
Agora já os não tem. Nem ciúmes, nem histórias para contar, como ainda há um ano na Galiza. Às oito e meia da manhã de hoje, a minha mãe telefonava-me mais rouca (e mais velha...) do que de costume a dar-me esta miserável novidade. Convenhamos que há maneiras mais agradáveis de acordar. Ao meio dia e meia, não perguntem como, já estava em Lisboa. Vamos daqui a pouco para lá velar o nosso mais recente parente.
Estamos mais pobres e mais desolados.
O Verão é uma má estação para morrer. Aliás, todas as estações são más que a morte é sempre uma hóspede inesperada.

Georges Rouault: Notre Dame des Champs nº4. Acho que o Eduardo gostaria desta gravura malgrado a sua consabida falta de fé. A mim também me falta mas rouault é indiscutível...

6 comentários:

M.C.R. disse...

Agora mais a frio lermbro-me que OS hospedes inesperados é o título de um romasnce de Heinrich Boll. O seu a seu dono.

carteiro disse...

Olá, Marcelo.
Embora nunca tenho sido um "seguidor" de EPC, foi com choque que, hoje, quando liguei o computador, li a notícia da sua morte. Uma morte inesperada, porque percebi logo a seguir que não era decorrência normal dos problemas de saúde que vinham a afectá-lo desde há tempo, mas, sim, um caso de morte súbita. Presumo que nada o faria prever. Ainda há dias li uma crónica de EPC que falava alegremente de um fabuloso restaurante nas imediações da Figueira da Foz, onde, claramente, ele próprio tencionava voltar.
Só há muito pouco tempo percebi que a Maria Manuel que era mulher da EPC é a mesma Maria Manuel que é nossa leitora e sua prima. Por isso, para ambos, os meus sentidos pêsames. E um abraço.

Kamikaze (L.P.) disse...

Se o postal que coloquei ontem à noite, antes de saber da morte do Eduardo Prado Coelho, um brincadeira alusiva à Figueira dedicada ao Marcelo, me pareceu depois tão inoportuna, quase me parece agora uma mal agoirada coincidência.

Faço minhas as palavras do carteiro.

O meu olhar disse...

MCR, não sabia que o Eduardo Prado Coelho era da sua família.
Os meus sentidos pêsames.
Um abraço

Raimundo Narciso disse...

Manifesto o meu pesar pelo falecimento do EPC, uma perda inestimável para todos os portugueses,ao constactar pelo post ser pessoa ligada à família além de amigo.
O meu comentário chegou aqui porque vem tentar reparar um "pequeno" atraso (4 meses!)numa resposta em falta, pela qual começo já a pedir desculpa. A resposta está aqui:
http://puxapalavra.blogspot.com/2007/08/incurses.html
e prolonga-se aqui: http://puxapalavra.blogspot.com/2007/08/poemas-para-adriano-correia-de-oliveira.html.
Já agora deixo também o endereço de outro (entre outros) blog meu:
http://agrandedissidencia.blogspot.com/.
Prometo nunca mais me atrasar em qualquer resposta;)

M.C.R. disse...

agradeço em meu nome e dos meus familiares as vossas palavras. Eu discuti algumas vezes com o EPC, discordei dele muitas outras, mas não há volta a dar-lhe: o Eduardo era um tipo talentoso, alegre, inteligente e bem humorado. Amava a vida e não escapava a nenhum dos seus pequenos prazeres, era guloso, gostava de comer, perdia-se por mulheres e tentava dignificar os seus leitores nunca abandalhando as crónicas que escrevia.
Seja bem aparecido Raimundo Narciso: já lhe respondi nio seu blog mas se achar que vale a pena aqu, no inc., anda o meu endereço. electrónico