Sob o título “ Utopia ao Virar da Esquerda”, o nosso amigo José vem reflectindo no blog a Grande Loja do Queijo Limiano, acerca do papel nefasto da esquerda em Portugal no antes e pós-25 de Abril. No Incursões um pouco mais abaixo, José lançou o desafio para se entrar no debate. Admito que seria mais curial entrar na Grande Loja, contudo, para já, correspondo ao desafio no Incursões.
Seguindo o mesmo modelo simplista de análise, julgo poder afirmar, a partir do que li, que para o José o país hoje está muito pior que antes do 25 de Abril. Partindo deste princípio, José busca a causa da desgraça nacional na “esquerda portuguesa”, porque “foram eles enquanto dominadores da cena político-mediática que determinaram as políticas fundamentais para o nosso modo de viver actual”. É curioso que José não se centre nos líderes partidários nem nos principais actores políticos. que nos últimos 30 anos assumiram a governação do país, para os responsabilizar. Não, em vez disso responsabiliza “poucas dúzias de pessoas”, a que atribui o qualificativo de “principais intelectuais e mentores de opinião pública”.
Mas isto não é o mesmo que daqui a 20 anos alguém vir dizer que a acção política, nos anos de hoje, foi determinada pela opinião de Pacheco Pereira, Pulido Valente, Nuno Rogeiro, Marcelo Rebelo de Sousa ou Vital Moreira? Isto fará sentido? Será razoável amanhã imputar a estes ou outros intelectuais com opinião pública responsabilidades pelo défice orçamental, pelas políticas educativas, da saúde ou outras?
Quando fala de esquerda, José começa por identificar esta como um todo, onde inclui os que fizeram O Jornal, O Sete, o Jornal de Letras e mesmo o Expresso, “cultores da igualdade social, sustentada por teóricos marxistas-leninistas”. Terão sido estas tropas de choque intelectual que “impuseram um modelo de pensamento único”, cuja influência ainda perdura nos dias de hoje, o que faz de Portugal, no seu entender, um país acantonado e canhestro.
Numa outra parte do seu texto, observa-se que José tem dificuldade em lidar com um conceito de esquerda tão abrangente, onde cabia tudo, ou, então, apercebe-se que afinal essa coisa do “pensamento único” é capaz de ser exagerada. Para resolver o problema, recorre à geometria de modo a enquadrar as diferentes esquerdas. Assim, estipula que “a esquerda verdadeira” é o PCP “porque receptáculo perfeito da matriz original do pensamento marxista leninista”, que corresponde a “um lugar infrequentável”, sendo que todos os outros que não prescindem de se reclamar de esquerda acoitam-se noutro lugar que se “reclama de Esquerda” e que identifica com o Partido Socialista.
Uma outra ideia recorrente nos escritos do José é que “a esquerda portuguesa não se actualizou ou evoluiu...”. “ Não abandonou as referências de 1975”. E a direita, José? Recordo-me de uma altura em que se falava da necessidade de um direita inteligente, que muitos personificavam em Lucas Pires, Só que o próprio Lucas Pires terá abandonado, atempadamente, esse lugar geométrico.
Depois de ler o que tem escrito em redor da esquerda, pergunto-me se não estamos perante uma visão da nossa evolução recente um tanto ou quanto anarquista, ainda que transmitida no tom próprio de quem acredita estar equidistante ou, como diz, “sem dono ideológico”, o que não quer dizer, necessariamente, estar acima das ideologias nem deixar de optar por um dos “campos de luta” a que se refere num dos seus textos.
24 comentários:
O nosso caro amigo José anda sem imaginação: o que ele diz já foi dito pelo cónego Mello, por todos os talassas que combateram a república e por muitos retornados que viam na "pretalhada" o melhor recurso da grandeza da civilização ocidental.
Concordará o amigo José e todos os incursionistas (e ninguém se pode zangar!)que pessoalmente pense ser um desperdicio entrar numa discussão que tem o centro do problema noutro universo,não discutível.
Esclarecendo-me melhor:
O nosso amigo José recorrentemente procura “simular” uma discussão sobre a esquerda dando uma interpretação pessoal a práticas pontuais (e descontextualizadas) de certas pessoas de esquerda e atirando “pedras” sobre essas práticas (quando não sobre as próprias pessoas).
Ora, esse “truque” não serve uma discussão (no sentido de abertura aos fundamentos e valores que configura um debate sobre ideias) e, procedendo duma interpretação subjectiva, nada pode produzir de util.
Constitui uma deriva preconceituosa que se harmoniza com a que fizeram os talassas em relação à república, o Cónego Mello e os retornados em relação ao 25 de Abril.
Mas isso não resiste à história produzida de forma distanciada e sem preconceito.
Vejam se, hoje, alguém liga ao que disseram os talassas,reparem que o Cónego Mello já pensa noutros assuntos e como os retornados já refizeram as suas vidas (até para melhor do que tinham em Africa!).
Todos já perceberam que "o que tem de ser tem muita força" e que não podemos "moldar" a história (o que aconteceu)aos nossos caprichos.
Esperamos que o cansaço resolva o preconceito (um debate sobre um “preconceito” é derivar uma discussão para o não discutível); e, entretanto, deixemos que cada um que seja feliz à sua maneira (naturalmente, sem prejudicar os outros a um direito igual ao entendimento da sua felicidade).
Caro Primo:
Este meu preconceito tem muita força também. Dura há anos e foi moldando uma forma de pensar que se questiona acima de tudo.
Como já escrevi algures, nem eu próprio sei se não serei de "Esquerda". De Direita não me sinto e quanto à ideia de "Esquerda", a minha pequena incursão nada tem de pessoal ou funalizado neste ou naquele, embora aponte nomes para referenciar ideias.
Quando cito José Carlos de Vasconcelos ou o falecido EPC ou outros ainda, como vocês que aqui escrevem deste modo, não é para lhes atirar qualquer pedra, embora possa parecer. Tenho telhados de vidro feitos de diletância. Logo, o ridículo anda sempre ao meu lado e é por isso que não levo muito a sério o que posso dizer sobre isto ou aquilo. Mas...atenção! Só não levo a sério porque não tenho a certeza do que digo e procuro atingir um pouco mais de verdade ou aproximação a ela, nestas coisas que escrevo.
E isto, pensando melhor, parece-me sério.
Se partirmos para uma discussão com as certezas todas catalogadas, não vale a pena discutir nada.
E o Primo, vai perdoar a "pedra", parece que já as obteve todas. Mas, por outro lado, julgo mesmo que não será bem assim, ou não fosse um conhecedor de filosofia e um experiente viajante da cultura.
Por isso, bastaria rectrospectivar uns bons anos e ler aquilo que alguns escreveram em 1974-75 ( como é o caso do falecido EPC) , para ver que alguns já tinham outras ideias bem diferenciadas das dele, nessa época e que afinal o mesmo veio a renegar mais tarde e tranquilamente.
No entanto, ai de quem se atrevesse a pôr em causa aquelas certezas, em discussão pública nessa altura. Era delapidado. Não com uma pedra, mas com uma carroça delas.
Vou tentar continuar no outro lado, se me permitirem e fizerem o favor de acompanhar. É óbvio que o principal interessando nesta conversa sou eu mesmo, porque isto me ajuda a situar e nesta época acho que muita gente precisa disso mesmo: saber onde está e de onde veio, para perceber para onde pode ir.
Há quem saiba. Infelizmente, eu não sei, mas estou disponível para aprender e saber com quem sabe mais.
Naquilo que escrevi, há uma espécie de tese: A esquerda que temos dominou todo o panorama político-social, dos últimos 40 anos. A Direita deixou de se manifestar, logo após os primeiros meses de 74 e nunca mais levantou ideias que se impusessem à discussão.
Claro que isto precisa de metodologia para fixar conceitos. Foi o que pretendi fazer no início e consultei quem sabe mais do que eu, para o fazer e concluir que as ideias de Esquerda e Direita se confundem, actualmente e com excepção dos partidos comunistas. Logo, a esquerda, para mim, está aí bem clara.
Isto, em si mesmo, não é um preconceito. É uma afirmação que para muitos precisa de demonstração.
É essa demonstração que procuro dar com os exemplos concretos. E virão mais.
Se alguns derivam de preconceitos, pois que derivem, mas tem uma vantagem: podem ser apontados como tal, enquanto as afirmações simples e ex cathedra, já não o poderão tanto assim.
Se dogmatizarmos certas ideias, estamos como a Igreja quanto à infalibilidade do Papa: não se discute.
Além disso o que é que o cónego Melo produziu como ideias de Direita ou coisa assim? Uma ou duas entrevistas, em jornais, a defender-se das acusações de homicídio, chegam para isso?
E os retornados que é que têm a ver com esta coisa da discussão Esquerda-Direita? Os retornados eram de Direita e fustigavam a Esquerda por causa do que lhes aconteceu? Ou será que os meus argumentos estão ao nível de ambos?
Se assim for, não se adianta nada, porque se confunde a árvore coma floresta e se mistura o que não deve ser misturado.
Esse é que me parece um preconceito.
O cónego Melo não era de Direita nem de Esquerda: era da hierarquia católica a que o arcebispo D. Francisco também pertencia e era adepto da normalidade salazarista que se opunha ao comunismo ateu. Só por isso apoiou o ELP e outros desmandos contra-revolucionários, parece-me.
No entanto, nunca lhe vi ideias que fossem para além da condenação do comunismo como força diabólica.
Escrever que aquilo que eu digo é a mesma coisa, é não ler o que escrevo e partir de outro preconceito: o de que o anti-comunismo que me move é primário e não merece atenção.
Seja. Mas continuarei no meu campo. Sans rancune, claro.
Caro JSC:
Ideias verdadeiramente simplistas, são estas:
"Toda a História e a história da luta de classes."
"De cada um segundo as suas possibilidades, a cada qual segundo as suas necessidades."
"A Religião é o ópio do povo"
Houve milhões que acreditaram e acreditam piamente nelas. Nunca acreditei nesta simplicidade explicativa do mundo e da vida.
Caro José: gostaria de ter forças para lhe responder, mas por aqui faz uma canícula terrível. Deixe-me só referir-lhe um pensamento (não sei quem o escreveu!) que representa, ainda hoje, uma importante advertência: «a quantidade de argumentos reiterados não é capaz de aniquilar um só gesto de poesia revolucionária».
Amanhã vou comemorar anos de casado. Já não sei quantos são! Casei, vivendo a Revolução dos cravos, e continuei poeticamente ligado à minha mulher e à revolução. Sou um resistente!
Vou almoçar à Cepa Torta, em Alijó. Ouço falar muito bem deste restaurante. Tenho de viver o dia poetica e revolucionariamente: tanto quanto consigo,centrando o aniversário na utopia, fugindo a estereótipos, vivendo o dia como um momento único, tal como se vive uma poesia ou uma revolução.
Viva o 25 de Abril!
Um abraço
Viva o dia 25 de Abril de 1974!
E quanto ao vosso aniversário, deixe que lhe diga que sinto inveja do que nunca poderei ter, pelo que nem é bem inveja. É mais alegria, por si. Ergo uma taça imaginária pela efeméride e desejo um bom repasto.
Quanto aos assuntos de revolução, fica a lembrança da canção de Moustaki, sans la nommer:
Je voudrais, sans la nommer,
Vous parler d'elle.
Bien-aimée ou mal aimée,
Elle est fidèle
Et si vous voulez
Que je vous la présente,
On l'appelle
Révolution permanente.
C'est elle que l'on matraque,
Que l'on poursuit que l'on traque.
C'est elle qui se soulève,
Qui souffre et se met en grève.
C'est elle qu'on emprisonne,
Qu'on trahit qu'on abandonne,
Qui nous donne envie de vivre,
Qui donne envie de la suivre
Jusqu'au bout, jusqu'au bout.
Refiro-me à liberdade que alguns entenderam chamar-se Revolução permanente. Eu também acho. Por isso escrevo o que penso.
No post não me referi a “ideias simples” mas antes a um “modelo simples de análise”, não tendo em mente qualificar o conteúdo da sua mensagem, antes justificar o meu modo corrido de também abordar esta matéria. Quanto às ideias simples que citou, em meu entender, são tão simples quanto esta: “O Homem é o lobo do próprio Homem” (Hobbes) ou esta: “Deus está morto” (Nietzsche) ou ainda esta: “Deus não joga aos dados” (Einstein). Como sabe muitas das frases acabam por tomar sentidos diferentes da que os autores lhe deram. Uma das frases que refere, “A religião é o ópio do povo”, é, seguramente, um bom exemplo da completa mudança de sentido relativamente ao que o seu autor lhe atribuiu. É a vida, simplesmente.
E quanto à matéria de facto? O que procurei foi captar o fio condutor do seu raciocínio que me permitisse encontrar “os valores que configuram um debate de ideias”, para citar o Primo de Amarante. Também deixei algumas interrogações, porque ou não entendi algumas das suas proposições ou me pareceu haver alguma dificuldade em adequar a tese que se propõe demonstrar à conclusão que já retirou.
Vejamos, num dos seus comentários anteriores explicita melhor a sua “tese”, que consiste em “A esquerda que temos dominou o panorama político-social, dos últimos 40 anos”. Creio que é isto que se propõe demonstrar “com exemplos concretos”.
Se bem acompanhei o seu raciocínio, este processo de domínio da esquerda conduziu ao apagamento da direita, de tal modo que “as ideias de Esquerda e Direita se confundem, actualmente e com excepção dos partidos comunistas”. Esta é já a conclusão que retirou, como diz.
Para fixar melhor os conceitos, quando diz que hoje “esquerda e direita se confundem” quer dizer que se fundiram, que não há mais esquerda nem direita. Ou quer dizer que todo o panorama político social português é de direita, sendo que a esquerda é o PCP? Mas deste modo não está a sobrevalorizar o papel deste partido na sociedade?
Depois, meu caro, há ainda que demonstrar que foi essa esquerda intelectual que influenciou ou tomou as decisões políticas que não puseram o país na senda do progresso. É que me parece que esta é a tese primeira.
Não. Não acho que assim seja, nem quis dizer isto.
Quero dizer que o domínio da Esquerda, em Portugal, e refiro Portugal porque noutros países isso não acontece do mesmo modo. Nem em Itália, França, Alemanha ou mesmo Espanha. Talvez por causa disso, os partidos comunistas nesses países desapareceram e por cá, o nosso continua a vicejar festas do Avante com 6 ou 7 por cento dos votos eleitorais.
O que pretendo dizer é nesse aspecto que o domínio da Esquerda, não deveria ser como é, para assegurar o pluralismo e isso prejudica a discussão pública dos assuntos e condiciona o voto popular.
No meu entender, condicionou nestes últimos trinta anos e é por isso que um Mário Soares quando concorreu( ainda agora aos 80) sempre procurou marcar a ideia que é de Esquerda. Não sei se o indivíduo acredita no que diz, mas que não pratica nada, lá isso não me parece.
A Esquerda, ainda vence votos em Portugal. Erros da Direita? Sem dúvida, mas a meu ver, condicionamente ideológico durante décadas, é a explicação mais simples.
Já anteriormente enunciou a necessidade de precisar os conceitos. De facto isso é importante para se poder seguir um raciocínio. Do que escreveu, até ao comentário anterior, podemos tirar a seguinte conclusão: A ESQUERDA VERDADEIRA É O PARTIDO COMUNISTA, TUDO O MAIS CONFUNDE-SE (“Direita e esquerda confundem-se”). Ora, como diz, se na actualidade “as ideias de esquerda e direita se confundem”, então, o que existe é uma miscelânea que deverá ter um qualificativo qualquer, mas que não pode conter a palavra “esquerda”.
Contudo, no comentário anterior, para reforçar a sua tese de predomínio e perenidade da esquerda, diz que ”a esquerda ainda vence eleições em Portugal”. Bom, de que esquerda está a falar? Não tinha já concluído que na actualidade “esquerda e direita confundem-se”? Não lhe parece existir uma contradição insanável ao tratar a “esquerda” com algo uno e indivisível? Talvez não o seja na perspectiva de tentar demonstrar, como parece ser o objectivo, a perversidade da esquerda. Talvez seja isso que o induz a meter tudo no mesmo saco, para melhor levar a água ao seu moinho. Mas convenhamos que vai por um rego muito sinuoso e cheio de buracos.
Como bem sabe não há uma “esquerda”. O que há é uma pluralidade de esquerda. O mesmo sucedendo com a direita. E é por isso que a sede do PS exibe em lugar de destaque (ou exibia) a foto do Marx. A sede do PC tinha as fotos de Marx e Lenine. Nos partidos que deram a UDP encontrava-se Marx, Lenine e Mao. O MRRP acrescentava àqueles três a foto do Estaline. Na LCI era o Trotsky.
Ou seja, só pela galeria das fotografias se intui a diversidade de discursos a reclamarem para si a esquerda, o que nega em absoluto o seu particular modo de ver e que o leva a concluir, por um lado, pelo “condicionamento ideológico” imposto pelo domínio da esquerda em Portugal e, por outro lado, pela fusão do ideário de esquerda e direita na actualidade.
Obs.: Apesar das notas “críticas” que tenho deixado, felicito-o pelo tratamento deste tema e entenda as minhas observações como eventuais contributos para o aprofundar.
Caro JSC:
Aparentemente topa-me uma contradição entre o facto de eu dizer que a Esquerda verdadeira é o PCP e a que daí derivou já não ser Esquerda ou então confundir-se com a Direita e ainda assim continuar a dizer que a Esquerda ganha eleições.
Não há contradição alguma, e passo a explicar:
A Esquerda do PCP marcou os conceitos básicos, marxistas ( e leninistas, no caso deles) da Esquerda. São estes conceitos, aprofundados, alargados e disseminados que constituem o acervo intelectual e essencial da Esquerda de que falo. É por isso que o PS guarda a foto de Marx e um partido que não se reclama de esquerda, não guarda, embora tenha a aprender com Marx ou com outros esquerdistas.
Quando o PS se reclama de Esquerda, é por apelo a esse imaginário antigo e feito de ideias feitas, bem precisas e que se podem enunciar de modo simples: a Esquerda defende os trabalhadores.
É por isso que digo que a Esquerda ainda ganha eleições. Porque apela ao sentimento básico da solidariedade entre pobres e remediados, contra os terratenentes, os capitalistas and so on.
No entanto, a única força política que continua a ser coerente com os princípios enunciados de combate efectivo ao capitalismo e burguesia é o PCP e partidos de extrema esquerda. Por isso, digo que essa é a verdadeira Esquerda e que para além dela, nada mais existe de Esquerda a não ser os partidos que se reclamam afectivamente desse lado.
Quer ver a distinção?
Acha que acabar com o serviço nacional de saúde é uma ideia de Esquerda? Acabar e reduzir sistemas de segurança social, é uma ideia de esquerda, ao sabermos que vai prejudicar efectivamente e sem horizonte de melhoria à vista, os mais pobres?
Onde é que reside a famigerada ideia de solidariedade quando um governo assim decide, mesmo que o faça em termos de melhoria futura, a qual é muito contestada pela Esquerda do PCP?
Melhor ainda:
Em que é que um partido que se reclama de Esquerda, pode distinguir-se de um que não se reclama ao agir deste modo?
Se Sarkozy aplaude as medidas de Sócrates, o PS continua a ser de esquerda? Se António Arnaut critica este PS, e outros ( Barroso, por exemplo) o fazem, será este PS ainda de Esquerda?
O partido de Blair, trabalhista, continua a ser de esquerda depois de apoiar Bush?
E por aí fora...
Penso que se ler bem o que escrevi, contextualizando com estas observações não detectará contradições, mas ainda há mais esclarecimentos que agora ficam por aqui.
PS: Espero que o Primo tenha gozado bem, à grande e à francesa este dia especial para ele e mulher e que regresse a esta discussão...
Caro José
Enquanto aguardo pelos novos argumentos que certamente me ajudarão a ver melhor o seu ponto de vista, eu até estou de acordo com muito do que diz. Por exemplo, os discursos contraditórios que encontra dentro do PS não é mais do que a manifestação tal pluralidade que eu venho apontando e que nos deve impedir de ver a esquerda como um todo.
Quanto ao PS, eu julgo que tem muito de parecido com a Igreja, instituição milenar, que alberga no seu interior muitas igrejas. Já aqui falaram do Cónego de Braga, pois bem, enquanto pregava aos elps e quejandos, em Setúbal reinava o conhecido Bispo vermelho. Veja o caso do Bispo do Porto, parece estar provado que é a própria Igreja que impede o seu regresso e o obriga ao exilio. Apesar destas forças contraditórias no interior da Igreja, esta é a instituição mais sólida dos últimos 2000 anos. Talvez o PS lhe queira seguir o exemplo.
O PS como a Igreja? E quem seria o papa? E os bispos?
Neste momento, vejo alguns purpurados que já foram cardeais de outras igrejas e credos. Credo!
A sério:
A pluralidade de correntes no PS e na esquerda em geral não pode ser de tal ordem que permita dizer que o PS é igual àqueles que se rivindicam da Direita. Em Portugal não sei bem quem são, aliás. O CDS? Poupem-me. O PSD? Igualzinho ao PS sem tirar nem por, a não ser os nomes de figuras cardinalícias.
Assim, quando o PS alberga correntes ou pessoas que defendem políticas que não são de esquerda, estão a renegar essa esquerda. Se por qualquer modo renegam tudo o que seja de esquerda, como me parece que estes agora fazem, conservando apenas o discurso, onde é que se pode dizer que o PS é de Esquerda?
Aliás, militantes destacados do partido, já o dizem abertamente. A corrente Manuel Alegre, já o diz, parece-me.
Assim, como é que o PS pode conjugar a esquerda e so seu contrário dentro do mesmo programa, sem desaparecer a sua identidade?
Ou será que a identidade se faz apenas pela enunciação afectiva?
Se assim for, como me parece, isso provará que tenho razão e afinal a Esquerda actual, fora do PCP, não se distingue da Direita.
Reparo agora que as minhas ideias sobre a Direita em Portugal são parecidas com as de José Miguel Júdice a acreditar no que ele diz hoje ao jornal Diário Económico.
Quem diria...ll
Meu caro José
Por muito que isso custe à sua tese, a esquerda não teve qualquer importância real antes do 25 A.
E depois?
Depois, tirante a confusão natural (a que nunca em momento algum da história houve país que escapasse) o domínio político-social não foi da esquerda, mesmo quando o ps teve alguma influencia. Não o foi com os governos só do ps e muito menos na vaga coligação que este teve com o CDS.
Em segundo lugar´só V. é que seria capaz de afirmar que o pcp é a verdadeira esquerda. O pcp, José, por muito bolchevique que pareça herdou uma tradição da 3ª Internacional e ateve-se a ela. Deixou assim a riquíssima teoria da 1ª e 2ª internacionais, locais mais seguramente matriciais.
ao optar pelo esquema leninista, o pcp deixou para umas calendas futuríssimas a prossecução de qualquer coisa semelhante à esquerda.
Mas o que mais me espanta é a sua obsessão quanto aos intelectuais de esquerda. dá-me a ideia que os não leu, ou leu enviesadamente e sobretudo não consegue explicar as razões do tal predomínio destes na formação da mentalidade política do país.
nem sequer vou discutir a ideia peregrina de um qualquer paraíso do Estado Novo. Vê-se que V. apanhou o 25 A muito novo e desconhece completamente o quotidiano de chumbo, cultural, político social e económico da época que "começou" a terminar com a revolução. E digo começou porquanto as estruturas político-económicas não se foram abaixo como não foram abaixo boa parte das entidades e pessoas colectivas que caracterizavam a anterior situação. Até os erros se repetiram (como os pequenos crashes da bolsa que se verificaram nos anos 80.) O fenómeno de concentração industrial e económico bancária estão aí para mostrar -se preciso fosse - que a tal importancia da esquerda é muito relativa.
V encanta-se com a projecção mediática de um par de pessoas para pensar que em vez de árvores escassas está diante de uma floresta. E mesmo que assim fosse, porque é que a direita não foi capaz de suplantar a tal hegemonia da esquerda?
Meu caro José: a situação em que nos encontramos é a manifesta prova da falência de uma direita, esgotada, sem ideias, sem política e com uma única dinamica: aproveitar-se da máquina do estado e enriquecer-se.Que a esquerda possa, também ela, estar numa posição débil, deve-se apenas ao facto de não ser de facto hegemónica.
Num pequeno comentário no seu post já lhe tinha dito que a esquerda é plural e que não se pode usar uma rasoira que eleimine as diferenças, esconda as virtudes, evidencie os defeitos e finalmente obnubile o passado, bem mais rico do que aquele que V citando dois ou três jornais e o mesmo número de revistas, reduz fortíssimamente.
Meu caro MCR:
Parafraseando a frase assassina de CLinton:
É a linguagem, meu amigo!
A linguagem portuguesa que se usa para narrar, descrever e contar ocorrências, deve tudo a uma esquerda que fixou os termos.
Fascismo, para si, já sei que não significa o mesmo que para o PCP.
Sobre educação, já se deu ao trabalho de ler alguma coisita sobre pedagogia? Basta entrar na Porto Editora, ir ao sítio da pedagogia, pegar à sorte num livro qualquer e folhear.
Sobre Justiça, sabe de onde provêm todas as ideias básicas do Código Penal de 1982?
Quanto á economia e ideias sobre desenvolvimento, lendo os programas dos governos, o que poderemos dizer?
Acima de tudo isto, a pérola:
Portugal é um país a caminho do socialismo e da sociedade sem classes. Está na Constituição de 1976! Claríssimo.
Quanto à linguagem correnta nas crónicas, elas são o reflexo de quem as escreve e quem as escreve são na esmagadora maioria indivíduos que se lhes for a perguntar se são de Direita, olham-no com o estupor de quem julga estar a ser insultado.
Isto não mata uma democracia. Mas mói.
Se ler o Ramognet ( e sei que lê) o que pode esperar dali? Um discurso de Direita? Que nenni!
Se ler o Revel, espera encontrar ideias de esquerda como programa?
A linguagem do Le Monde, espelha uma realidade idiossincrática que não é a mesma do Figaro, como sabe.
A linguagem de todos os jornais portugueses, com a excepção de um ou outro obscuro, era mais esquerdista do que o Le Monde, na sua matriz originária.
Discorda?
Ramonet, Ignacio, pois claro.
E outros poderia acrescentar. Esta problemática foi analisada já há uns tempos por JEan-François Khan, na Marianne que aliás pensa o mesmo que eu, sobre a hegemonia da Esquerda. E vive em França...
Esquerda, aqui, neste conceito significa algo alargado, um pathos social,se isto se pode dizer.
Suponho ainda que quem se sente na Esquerda, como é o seu caso e o de outros, não se dará facilmente conta do que pretendo exactamente dizer.
Quem nunca lhe passou estas ideias pela cabeça, achará estranhíssimo que coloquem dúvidas sobre a normalidade do respirar social a que está habituado.
Mas eu ponho essas dúvidas, do modo exposto.
Caro José: agradeço-lhe a sua felicitação pelo aniversário do meu casamento. Na Cepa Torta almocei razoavelmente, mesmo sem o vinho que Duarte Lima mandou vir, mesmo ao meu lado.
Obrigado, amigo.
Na polémica que levantou há uma intervenção (comentário) curiosa e que transcrevo: «Por muito que isso custe à sua tese (do José) a esquerda não teve qualquer importância real antes do 25 A.»
Acho curioso que se diga isso e, porque me formei ideológicamente no trabalho em grupos de esquerda e estive e estou muito ligado ao 25 de Abril, pergunto: a ideia de autonomia dos povos, da liberdade, da democracia e do desenvolvimento (por oposição à ideia de crescimento) donde veio?!... A quem estava ligado Mello Antunes e muitos dos Capitães de Abril?!...
O papel desenvolvido desde o MUD, ao PC, ao MDP, aos católicos progressistas, etc., não foi nenhum na preparação ideológica dos capitães de Abril?!...
Estou-me “marimbando” para os que acusam a esquerda de ser a causadora de todos os males. Penso que isso é um disparate de todo o tamanho. Sou de esquerda (nunca precisei de um partido para me afirmar de esquerda)e penso que é à esquerda, (a esquerda que sempre esteve com o 25 de Abril sem se arrepender) que se deve a luta pelo progresso, pela dignidade da pessoa humana, por uma sociedade mais justa e mais humana.
Naturalmente, em nome da esquerda se fizeram muitos erros, como em nome de Cristo, da Santa Madre Igreja, de Maomé e até da própria RAZÃO.
O que nunca serei é um arrependido de esquerda. Penso que essa posição é duma baixeza insuportável. Sobretudo, quando me lembro de muitos que se aproveitaram do estatuto de esquerda para ocuparem cargos (se não fosse esse estatuto nunca os teriam!) e agora parecem desprezá-la.
Estou à vontade, porque nunca tive nenhum cargo político, muito embora tivesse sido para alguns convidado. Os meus amigos, os que me conhecem bem, sabem que é verdade o que digo.
Penso que não se pode separar a liberdade da fraternidade, da igualdade e da justiça social e esta foi sempre a posição da esquerda. A direita fala em liberdade, mas não a quer ligar aos factores que tornam um homem livre e, por isso, não compreende o desenvolvimento de todos os processos históricos orientados por uma ideia de esquerda.
Não vou voltar a este debate. Já não tenho paciência!!!
Caro Primo:
Antes do mais e por falar nos gostos requintados de Duarte Lima, tenho por aí uma crónica de Batista Bastos do tempo em que Duarte Lima era apontado a dedo por causa de uma quinta em Nafarros e uma casa no Campo Pequeno.
A crónica é de antologia e só não a coloco porque passou o tempo e Duarte Lima poderia levar a mal...
Mas esse debate, de que se afasta, é que seria interessante. Porque não subscrevo o que diz, mas compreendo a matriz de onde provém.
Antes de 1789, havia esquerda e direita?
Será que o progresso e a fraternidade e a solidariedade começaram com o corte da cabeça de Maria Antonieta e as conspirações de Robespierre?
E a perseguição à Igreja, foi muito diferente da Inquisição?
Mas se assim for, que adianta andar a ler e estudar Aristóteles e Platão? E já agora, Kant.
Subscrevo o que o MCR expõe no seu comentário, excepto na parte em que retira qualquer "importância real" à esquerda no antes do 25 de Abril. Os argumentos que o Primo de Amarante apresenta e muitos outros poderiam ser somados para mostrar o peso e a influência da esquerda nesses anos. A existência de uma polícia política e de uma forte censura era para atacar e controlar o quê?
É muito difícil tratar com objectividade o tema proposto pelo José, tarefa dificultada quando, como ponto de partida, se pretende demonstrar que a esquerda teve um papel nefasto na sociedade portuguesa.
Sobre a importância dos media e dos respectivos actores, José Gil escreveu o seguinte, "Consideremos uma realidade mal definida a que se acordou chamar «espaço público». Durante o salazarismo, foi reduzido ao mínimo, mutilado, até acabar por desaparecer sob os golpes da censura e dos interditos à liberdade de expressão e de associação. (...) Mais do que tudo o salazarismo foi uma doença que pôs de rastos o povo português. Doença do espírito.... “
"Trinta anos depois do estabelecimento da democracia, como funciona o espaço público em Portugal?
"A constatação imediata é a de que não existe.
...
"Não há debate político, nem sequer na televisão que cria um espaço artificial, com regras predeterminadas que limitam a espontaneidade das intervenções, o acaso, e a participação desse «fora» que faz toda a riqueza da expressão pública. Nos jornais e na rádio, os debates confinam-se a troca de opiniões e argumentos entre homens políticos, sempre de um partido, visto que no mundo da política não há lugar para os independentes, ou entre comentadores, pretensos «opinion makers» que dialogam constantemente entre si, em círculo fechado. Muitos dos políticos são também comentadores, fazem o discurso e o metadiscurso, o que suscita um circuito abafador e redundante: sempre as mesmas vozes e a mesma escrita nos mesmos tons, com os mesmos argumentos, com o mesmo plano de sentido, como se as ideias políticas se reduzissem a um empirismo sociológico de estratégias partidárias..." (José Gil, "Portugal, Hoje", Ed. Relógio d'Água, pág. 24,25).
Provavelmente é também esta realidade que o José não suporta. Só que trata-se de uma dinâmica em que a esquerda, como refere MCR, se apresenta cada vez mais numa "posição débil". Tão débil que "socialismo" foi adjectivado de "socialismo moderno" e este, para alguns, passou a "democracia liberal".
Meu caro :
é um pouco mais do que isso. Repare nesta prosa interessante:
"Nas sociedades contemporâneas o conhecimento constitui um princípio de hierarquização social tão importante como a propriedade, pelo que o poder de informar representa um poder enorme. Os jornalistas e as suas fontes contribuem, conjuntamente, para articular e definir os contornos da sociedade do conhecimento, reproduzindo as estruturas do poder e do saber.[1]
Através de processos de selecção e de enquadramento, e ao fazerem circular as informações, os media orientam a opinião pública e estabelecem a agenda dos consumidores de notícias. O público fala dos assuntos de que falam os media.
As notícias são versões da realidade baseadas, em grande parte, em normas e convenções profissionais dos jornalistas. Ao realizarem o trabalho informativo, os jornalistas estão implicitamente a construir significados que dão sentido ao mundo. É a ordenação e o enquadramento dos factos que permite o seu reconhecimento e lhes atribui significado. Como refere Gaye Tuchman, os media são o braço da ordem cultural da qual procedem. "
Sabe de quem é? Estrela Serrano. Diz o que eu digo, de outra maneira. Diz pior do que eu digo, porque ainda acho que há uma margem para o livre arbítrio que não é condicionada pelos media.
Aliás, os media, influenciam muita gente, as elites sobretudo, mas deixam indiferente muitas mais, nomeadamente as que votam em massa.
Daí a surpresa que às vezes acontece em eleições, embora cada vez menos e também será por isso que o PCP nunca passou os dois dígitos durante muito tempo...
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