23 outubro 2007

Au Bonheur des Dames 95


Balada de Outono

Começou o Outono, não sei se vocês deram por isso, mas, desde ontem, o tempo refrescou, caiu uma chuva ligeira, nada de importante, um aviso breve, uma gargalhada do inverno que há-de vir, uma promessa de Outono maduro como o Maio que o Zeca cantava, isto hoje vai ser assim, conversa de bica aberta, quem não se sentir bem que desande, que eu, hoje, estou que nem um cuco: saiu o segundo disco do Adriano, choraminguei na esplanada ao ler as palavras do Zé Niza que até me lembrou um festival de jazz feito em Coimbra, nos anos 60, gente: nos anos sessenta!!! Vocês conseguem perceber isto? Uma cidade fechada, o penico das Beiras, diziam, e pimba, toma lá um festival de jazz feito por meia dúzia de malucos, entre eles o Zé Quitério, esse mesmo em que estão a pensar, grande Zé, para ali perdido a caboucar nos Gerais, o mesmo é dizer na faculdade de Direito, fomos colegas de estudo, se é que se pode chamar estudo àquilo que solenemente fazíamos com o mesmo entusiasmo com que arrancaríamos seis dentes duma assentada e sem anestesia. E connosco o João Amaral, companheiro e amigo do Quitério desde os tempos da pensão Julinha e o Zé Labaredas, de Letras que chegou a Coimbra e apresentou-se: chamo-me José Labaredas e sou do Couço. Ora toma que já bebeste! Um gajo do Couço, aldeia mítica, vila, ou lá o que é, um baluarte da resistência camponesa. E o Zé que se aboletou na república “Prá-kis-tão” vinha rua fora ter connosco à republica “Baco” a do Zé Q., aos gritos “térinho...Térinho!”, Jesus que tempo aquele. Mas eu ia no festival de jazz, com americanos e tudo, naquele tempo onde ainda nem o Cascais Jazz havia! E depois digam-me que aquilo não foi uma década de ouro... Digam se se atrevem. E entretanto o Adriano trinava como saberão os que compram estes discos, esta história viva e cantada de um país inteiro no exílio. Ele e o Zeca, claro aquilo foi um mano a mano durante anos, uma amizade e um companheirismo que pede meças a muito do que hoje por aí se celebra.
Década de ouro, digo, repito e assino por baixo. Década começada com a vitória eleitoral do Carlos Candal, primeiro presidente da Associação Académica eleito numa lista da “oposição” depois de onze anos de negrume salazaroide. Os presidentes desse período eram quase sempre pagos pelo ministério com uma tenças vagamente de assessores com outro nome, enfim funcionários leais e obedientes que se encarregavam de fazer a AAC funcionar como uma câmara de eco das palavras do senhor ministro da educação. Jesus que vomitório! Com o Candal foi um tal arregaçar de mangas que nem dava para acreditar. Subitamente o Palácio dos Grilos enchia-se de gente, as actividades eram tantas e tão variadas que era preciso organizar quase um horário para poder assistir não a todas que era impossível mas pelo menos às mais interessantes. Se eu quisesse pôr aqui, preto no branco, o nome dos colaboradores da AAC escrevia um “who’s who” da política portuguesa de 70 até hoje! E da cultura! E da ciência! (eu sei que isto de separar a cultura da ciência é uma burrice mas que querem, é ainda assim que se funciona e eu não escrevo só para dois ou três iluminados mas para quem quer que se chegue a esta honrada casa de pasto chamada incursões. E recebi já o suficiente número de cartas para poder orgulhar-me de ter leitores “tous azimuts” como dizia um célebre professor meu que adorava o mar mas não sabia nadar). Coimbra, nessa década, era uma canção como se diz numa balada qualquer e é verdade. Ainda éramos poucos estudantes, a consciência de grupo era grande, as famílias estavam longe, os tempos ainda não eram estes em que todos competem com todos, o dinheiro não abundava e as praxes (ai as praxes) estavam a dar o berro. Nem percebo, ou percebo demasiado bem como é que de repente, se vêem por aí , em qualquer terra onde haja ensino dito superior, uma cambada de imbecis, vestidos (normalmente mal) de capa e batina a armarem-se em doutores e praxistas. Mas quem é que disse a estes pobres de espírito que devem burramente chatear os caloiros? Em nome de quê? Da tradição? Mas fora Coimbra, que cresceu desmesuradamente, nunca houve terra onde a tal tradição tivesse qualquer sentido. E agora, um monte de rapazolas e raparigolas imbecis andam como catatuas atrás dum bando de caloiros a dizer larachas ordinárias, a rir pacoviamente das próprias pacovices, e a chatear o indígena. Porra, que regressão!
Tudo isto vinha a propósito do Outono, do segundo disco do Adriano que se chama “e o sol préguntou à lua”, meu Deus, uma canção açoriana que ouvi pela vez primeira (adivinhem) numa casamata em Caxias, cantada pelo Orlando Silveira Bretão (que já lá está, merda de vida, o Bretão ainda tinha tanto para dar) e pelo Germano Rego de Sousa que ainda por cá anda, saravah mano! Um abraço., e por mais alguns dos Açores (o Alçada e o Jorge Ormonde) presos também no decurso da crise de 62, e enviados para Caxias “por recomendação do senhor ministro da educação” ora toma até o palerma da educação mandava estudantes para Caxias.
É Outono, é já o nosso Outono, amigos e companheiros desse tempo, mas nós somos gente nascida nos anos difíceis não é qualquer mescambilha que nos abate, estamos aqui para as curvas, um pouco mais gordos, um pouco mais carecas, algum catarro, rugas, filhos, netos até mas cá estamos. De pé! Para o que der e vier! E sobretudo para lembrados daqueles anos, podermos ainda propor uma maneira diferente de ver e fazer as coisas.
Estou aqui a dar ao dedo e a comer umas castanhas (cozidas, malta, que em casa não se podem assar, por via do fumo e dos vizinhos) à espera de um programa de televisão sobre a guerra, a “nossa” mal-aventurada guerra. Quando há pouco telefonei ao João Vasconcelos Costa, outro dessa leva, a dizer-lhe que ia até Lisboa, ele até se assustou: é que hoje não posso estar contigo, disse-me, vou ver o documentário da guerra. Só se quiseres vir até cá casa...” Calma João, eu só vou amanhã, vê a guerra descansado que vou fazer o mesmo. É o Outono, época de contas e de vinho novo. E de castanhas. E de amigos ausentes e tão presentes

4 comentários:

josé disse...

E o tal documentário da Guerra que lhe parece?

O 2º episódio pareceu-me um pouco melhor que o primeiro, mas a montagem deixa muito a desejar, para empolgar o espectador. Não me refiro àquele tipo de montagem sincopado, das publicidades modernas. Refiro-me ao ambiente, à música que falta, às sequências harmoniosas e ás transições entre depoimentos e imagens de acção.
Falta ali mão de artista.

Constanze disse...

M C R, si vous pouviez imaginer un moment,
le bonheur que vos écrits sur Coimbra des années 60
apporte a quelqu'un que vous avez connu …

Continuez … se n’est pas une demande, plutôt une prière
Bien à Vous
Contanze

M.C.R. disse...

Trés Chére Constanze: si vous parlez d'un certain barbu, autrefois connu a Coimbra sous le non de Forjaz Sampaio je ne peux que m'atristter sur votre sort. Ce type est um vrai Barbe-Bleu, je vous jure. Comme les marins, il a une, pardon, deux femmes a chaque port. Mefiez-vous: les portugais ne sauront etre toujours gais mais il sont toujours infideles et coureurs de jupons!!!
Et, svp, dites a ce gars la que j'aimerais avoir des nouvelles de lui.
Je continuerai si j'ai le temps et l'opportunité. nous avons vécu la-bas un sacré moment!

M.C.R. disse...

Trés Chére Constanze: si vous parlez d'un certain barbu, autrefois connu a Coimbra sous le non de Forjaz Sampaio je ne peux que m'atristter sur votre sort. Ce type est um vrai Barbe-Bleu, je vous jure. Comme les marins, il a une, pardon, deux femmes a chaque port. Mefiez-vous: les portugais ne sauront etre toujours gais mais il sont toujours infideles et coureurs de jupons!!!
Et, svp, dites a ce gars la que j'aimerais avoir des nouvelles de lui.
Je continuerai si j'ai le temps et l'opportunité. nous avons vécu la-bas un sacré moment!