04 novembro 2007

Farmácia de Serviço 38


O Natal aproxima-se. Já pensaram na vossa prenda? Na prenda que devemos dar a nós próprios para não ficar a remoer pensando que demos tudo a todos e nos esquecemos de nós que ao fim e ao cabo também mereceríamos qualquer coisinha?
Se responderam sim, ainda bem: provam que não são tolinhos desses de atar, de esconder, de esquecer.
A caridade, bonita virtude teologal pode muito bem começar ou, pelo menos, continuar, por nós mesmos.
Esta botica, cada vez mais merencórea e faltosa, abre as portas especialmente para a época festiva. Em boa verdade deveria recomendar-vos uns mimos de boca, um presuntinho dos de longa cura, o vinhito para acompanhar, não há coisa mais triste que uma bela lasca de presunto que se tem de comer a seco, ou com água que é a mesma coisa. Ou uns salpicões mimosos, desses que agora se vendem em Trás-Os-Montes a preço de oiro fino. Umas alheiras das verdadeiras dessas que são feitas em casa, de um porquinho conhecido, já sei que vão dizer que isto é uma afronta à cultura judaica mas resta saber se a alheirinha vem mesmo dos marranos ou se é coisa mais antiga. Ou se vindo, cedo incorporou o porco, daí não veio mal ao mundo, antes pelo contrário, até a terá melhorado, mas enfim, passemos adiante que atrás vem gente.
Vamos para alimento mais espiritual que agora anda tudo a fazer ginástica, jogging, pilates e não sei que mais tontices. Andem mas é a pé, mandem o pópó às malvas, e verão como perdem o pneu e o resto. Andar nesses ginásios é não perder peso e engordar a bolsa do dono.
Portanto aqui vão uns discos que além de serem baratos (porque são muitos) são bons, retintamente bons. E comecemos por uma extraordinária antologia, um cacharolete de grandes intérpretes russos: Sviatoslav Richter, Emil Gilels, Lazar Berman, Evgeny Kissin, David Oistrakh, Leonid Kogan, Viktor Tretiakov, Gidon Kremer, Mistilav Rostropovich e Daniil Shafran. Estes cavalheiros são agora editados numa caixa de 100 (cem!) discos sob o nome de Russian Legends (legendary russian soloists of the 20th century) mais uma criação da Brilliant classics (menos de 80 euros na Amazon.fr!!!!)
Por quarenta euros anda na mesma vendedora uma caixa da Harmonia Mundi com 50 cds. Alguma da melhor música barroca e montes de coisas boas, ou seja cada disco por 80 cêntimos!
Os amadores de jazz também são contemplados. Por cá nas fnac andam cinco caixas dos “trésors du jazz” produzidas por André Francis e Jean Schwart. Trata-se de uma pequena história do jazz e chama-se a atenção sobretudo para o volume 3º relativo a 1952 que ganhou todos (ou quase) os prémios possíveis e que traz dois extras relativos a outros volumes. Um auditor baba-se e goza que nem um cabinda.
Sempre nesta onda, uma caixa com 10 Milles Davis a 9, 95!!!
Finalmente, para quem quer começar a ter jazz e não está para grandes trabalhos apareceu um caixote, um caixotão com 168 cds com o título “the ultimate jazz archive” que obviamente já cá canta. (Aliás eu só excepcionalmente recomendo artigos que não tenha já. Não é por nada mas assim sei do que falo.) Ainda só ouvi os primeiros quatro discos portanto não vou além do que já disse de bem.
E para a nostalgia, tão de moda, na época natalícia? Pois uma pitada do grande folk americano: uma caixinha com três discos de Woody Guthrie, Josh White e Pete Seeger. Chama-se “american folk heroes” e é editada por uma enigmática “Soho records” ou algo que o valha. O que tem graça, ou melhor, o que não tem graça nenhuma é que perguntados por Pete Seeger nenhum de três vendedores em duas fnacs me soube sequer dizer quem era o gajo.
E alguns livrinhos, quentes a sair do prelo: A quid novi, editora atrevida, acaba de lançar uma colecção a quatro virgula tal euros, sobre campanhas militares portuguesas. Aljubarrota, guerra peninsular, guerra lusa castelhana em tempos de Afonso e João o II, rei grandioso, a par de Dinis e muito poucos mais, e as batalhas que consolidaram as fronteiras durante os primeiros anos deste país que merecia melhor governo. Ainda só meti o dente no Aljubarrota (Luis Miguel Duarte) mas o provado aprova-se. LMD escreve com desenvoltura, simplicidade e inteligência. Querem mais?
E um enorme livro reeditado: “Debaixo do vulcão” de Malcolm Lowry. Parece que se trata de uma nova tradução mas isso não deverá ter grande importância. A antiga, dos anos sessenta já mostrava um escritor genial. “Debaixo do vulcão” tem contudo um defeito e gordo: acabamos de o ler e ficamos com uma vontade horrível de mais Lowry e zás aí vai uma corrida por outros títulos só apanháveis em alfarrabistas ou em línguas da estranja. Lowry é um vício que pega de estaca e já se sabe no que isso dá: mal estar na bolsa, irritação por não se poder escrever daquela maneira, ânsias por novo livro, desespero porque a obra é escassa enfim, o costume. E à boleia do Lowry porque é que não passam por uma editora porreirinha chamada “cavalo de ferro” e se atiram a um cavalheiro chamado Haldor Laxness, um prémio Nobel antigo, islandês e interessantíssimo? Aposto que iriam gostar.

ilustrando a bíblica sentença "os últimos serão os primeiros" a gravura é um retrato de Laxness, esse islandês digno dos das sagas

1 comentário:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

O Luís Miguel Duarte é um competente professor e investigador e um amigo que ganhei nos bancos da faculdade. Quantas estórias...