07 dezembro 2007

Au Bonheur des Dames 103



Jamais? Jamais! Nevermore...


O senhor Ministro das Obras Públicas não é um poliglota. Se o fosse perceberia que jamais é mesmo jamais e que dizer que nunca (jamais) disse “jamais” é uma tolice que se paga caro. Basta para o efeito uma televisão ter gravado esse jamais agressivo e tonitruante sobre um putativo aeroporto na margem sul. No deserto, para sermos mais precisos e mais próximos do fraseado sempre pitoresco do senhor Ministro. Sª Exª disse jamais e parece até que bisou a palavrinha francesa. De facto ele pronunciou jámé num francês alusitanado e fadista.
Dizer na Assembleia que não tinha dito o dito é um tiro (outro...) no mimoso pé (pied) de Son Excelence. Dizê-lo em tom agressivo e desafiante é uma (como diremos sem correr o risco de ofender a augusta personagem e arriscarmos o pescoço tenro mas não tolo?) bizarria. É isso: uma bizarria. O senhor Ministro é uma criatura bizarra de memória curta a quem a conversão recente aos prodigiosos encantos do mercado não mudou o exagero na apreciação da realidade. Ou de como um converso é apenas o reverso da mesma medalha. Autoritária!....

Outro a quem o voto de silêncio faria um bem inominável é o dr Santana Lopes, o renascido. Alguém conhece o trabalho do senhor deputado? Alguém me pode dizer que é que ele fez ao longo destes últimos trinta e tal anos? Alguém tem constância da produtividade do dr Santana Lopes? O dr Santana foi deputado e enfant terrible durante demasiados anos. Lembram-se de alguma lei interessante, de alguma proposta arrojada e benéfica para o bem geral ou para a felicidade de algum outro português que não se chamasse Santana Lopes?
Da passagem dele pelos jornais como empresário, subsiste alguma grata recordação? E de quando foi deputado europeu? Comentador televisivo? Uma palavra, uma frase, uma anedota? Dirigente desportivo, o tal que descobriu mil malefícios em Canal Caveira? O clube que o elegeu ganhou algum título, ou, pelo menos, algum dinheiro? E da sua passagem pela Secretaria de Estado da Cultura? Bem sei que ele é o imortal descobridor desse tesouro musical que são os jamais ecoutés concertos para violino do falecido senhor Chopin. O mundo ouviu estarrecido a boa nova e espera ansioso desde há anos os concertos. E como Primeiro Ministro? Foi Sª Exª produtivo? De concreto produziu para o partido que agora, já reformado, o ampara e elege para a Assembleia, a maior derrota eleitoral de que há memória nos últimos sessenta anos (número que é mutável mas que se usa apenas para compreender todos os anos produtivos de Santana desde o primeiro vagido até à mal inspirada charla sobre a produtividade). O senhor Santana Lopes nem sequer produziu, no pais que o ouve assombrado, a monumental gargalhada que eventualmente mereceria. As pessoas ouvem-no e assobiam para o lado. Já não lhe ligam. Para produtor de frase sobre a produtividade dos trabalhadores portugueses é pouco. Muito pouco. Quase nada.

1 comentário:

josé disse...

Sempre que por aqui passo, o que faço de modo assíduo, reparo por vezes, nestes frontespícios que me fazem alguma espécie e me resignam a aceitar que é só para le bonheur des Dames. Or.. je suis pas dame, monsieur, mais je voulais aussi en parler. Du sujet - pas des dames, bien entendu. Pas ici, en tout cas. Alors...on y va:

A caracterização da atitude negacionista do ministro converso e que afinal é apenas um reverso, está de truz. Catrapuz.
O que se lhe apanha para o apodar de bizarro, porém, será idêntico em intenção, a um outro qualificativo qualquer que por ser mais contundente, levasse o pescocito ao cadafalso da acção...judicial.

É nisto que assesto as baterias.
Sobre os famigerados crimes de ofensas à honra e consideração alheias, há uma margem de manobra legal que permite as mais sérias dúvidas acerca dos termos admissíveis para apodar alguém, cuja figura e atitude públicas indignam ou apenas incomodam.

Quando se chama "bizarro" a um cromo deste calibre, ( e cromo, não vai além da semântica bizarra que acompanha as colecções de figurinhas), ainda não se transpôs o limiar do verrinoso vernáculo atentatório da honra pessoal de outrém. Ninguém o negará.
Mas...como atingir, ainda assim, o posto fronteiriço, ficando do lado de cá?

Que adjectivos serão permitidos para qualificar as acções de um ministro que se atinge de modo ad hominem, porque é assim que deve ser?

Não sei bem, mas adianto um palpite:

Já li por aí que se pode atingir o Homem e não a Pessoa.
Segundo os entendidos, parece que foi mesmo Schopenhauer quem distinguiu, para dizer que ad Hominem, atinge-se alguém que diz o que diz e porque o diz. Ad persona, atingir-se-á o reduto pessoal da intimidade cognitiva de quem o faz.
Neste caso, o insulto só poderia situar-se no domínio da persona. Intuito persona, por isso.

Mesmo que a diferença seja um pouco ilíquida e evanescente, a verdade é que ainda há esse reduto antigo e já explorado, para explicar, tomando de empréstimo as palavras de outros:
"

o "argumentum ad hominem", também conhecido por "ex concessis". Schopenhauer, no seu tratado erístico, até o denomina por Estratagema 16 e descreve-o da seguinte maneira: «se o oponente faz uma afirmação, deve procurar saber-se se ela não estará de algum modo, nem que seja aparentemente, em contradição com algo que ele disse ou admitiu anteriormente, ou com os princípios de uma escola ou seita que ele haja aprovado e elogiado, ou com os actos dos adeptos de tal seita, quer sejam sinceros ou não, ou com os próprios actos e pretensões dele. Por exemplo, caso ele defenda o suicídio, deve bradar-se logo: "Por que não se enforca?" Se ele sustentar por exemplo que Berlim é um local inóspito, diz-se-lhe: "por que é que não parte na primeira carruagem?"»

O chamado argumentum ad personae, é descrito assim: "quando percebemos que o oponente é superior e que não iremos ganhar, tornamo-nos pessoais, insultuosos, grosseiros. Tornar a questão pessoal consiste em passar do tema da disputa (uma vez que se perdeu a partida) para o próprio oponente, atacando a sua pessoa de todas as maneiras possíveis: poderia chamar-lhe argumentum ad personae para o distinguir do argumentum ad hominem (...)"

Fica aqui, à consignação.