12 março 2008

AU Bonheur des Dames 117


Fado corrido
à sombra do
Empire State Building


Eu gosto da América, palavra que gosto. Gosto dos western, do jazz, dos musicais de Times Square, da Declaração de Direitos, de Benjamin Franklin, de Nova Iorque, ai, Jesus, Nova Iorque... Gosto de Poe, de Emily Dikinson, de Faulkner e de Hemingway, de John Ford, de Dashiel Hammet e de Raymond Chandler, enfim gosto de quase tudo excepto do senhor Bush, da KKK, da American Riffle Association e dos mac’donald. Tenho um belo grupo de amigos americanos, alguns dos quais, são exactamente o que se espera deles. Como o Zingarelli. Ah o Zingarelli, de N.I. melhor dizendo de Brooklyn, este Z. era um rapaz que foi meu colega no Goethe Institut em Berlin. Vale a pena conhecê-lo.
Z., quando chegou a altura de escolher uma profissão, foi honradamente a um desses institutos de orientação profissional. Não confiava demasiadamente em si, coisa que, com dezassete anos é compreensível, sobretudo se se nasceu em Brooklyn e se tem manias culturais. O instituto ponderou tudo o que Z disse, escreveu, desenhou em múltiplos testes e entrevistas e ditou uma sentença sóbria e assaz conveniente para quem vive daquele lado do East River: Z., ítalo descendente tinha forte queda para electricista. Algumas manias ligadas à leitura, à especulação teórica e ao ensimesmamento eram meras brotoejas juvenis.
Z., paciente e disciplinado, tirou o respectivo curso de electricista, montou oficina, ou empregou-se numa, disso já não me lembro e, durante seis ou sete anos, compôs fusíveis, montou appliques, cabos, rebobinou peças, enfim o trivial. Entretanto casou-se com uma bonita rapariga, professora de literatura.
Ia Z no sexto ou sétimo ano desta pacata e maçadora existência, quando, recebe uma carta urgente do Instituto de Orientação Profissional a que tinha recorrido. Em poucas palavras mas com um gordo cheque, o instituto lamentava informar que houvera uma troca de fichas e que Z., doravante Zingarelli, afinal tinha era vocação para filosofia e respectivas adjacências. Os fartos dólares que acompanhavam a carta eram uma tentativa de evitar maiores chatices e escândalo.
Zingarelli acolheu a carta e a massa com estóica paciência. Com a mulher fez planos e descobriu que aquele dinheirinho caído do céu de Manhattan dava mesmo para ir passar uns anos à Alemanha, frequentar uma universidade respeitável e teutónica, o mais filosofante possível.
E assim foi: chegaram a um Berlin dividido pelo execrável muro nos idos de 70 e matricularam-se no “Goethe Institut” para aprenderem alemão, depressa e bem. Aí nos encontrámos, partilhámos a sua história e largas cervejas aqui e ali.
Não era obviamente do Z que eu vinha falar mas deu jeito metê-lo ao barulho porque agora trata-se de arriar noutro tipo de “américas”. Falo claro, do actual (se é que ainda não se demitiu) governador de Nova Iorque, um impoluto cruzado que de há anos a esta parte fustigava com inclemência, o vício citadino e estadual. O homem apresentava-se como um poço de virtudes, mais branco que o OMO, um azorrague de infiéis e de lascivos. Tinha esposa amantíssima e três filhas exemplares.
E tinha, algures, um tapete para onde varria pequenos pecadilhos que isto de ser um modelo de virtudes da manhã à noite cansa. Ou seja, o admirável paladino da moral pública, frequentava, via internet e similares um bordel de alto standing, enfim uma casa de putas de luxo, e preços a condizer.
O esquema ao que parece era simples, contratava-se a “pequena” e para evitar algum paparazzo mais expedito, pernoitava-se em Washington, capital do mundo e dos encontros lascivos. Parece que isso, a mudança de Estado, acrescenta ao forte crime da lascívia outro ainda pior cuja exacta definição desconheço. Às tantas é como o rapto, um crime federal. “Man Act” chama-se a lei violada que prevê castigo pesado para o transporte de uma pessoa entre dois estados com o fim de a prostituir.
Esta história parece tirada a papel químico de uma outra em que um senador, arauto da virilidade, da heterossexualidade e dos bons costumes foi apanhado num urinol a deitar o olho desejoso e a mãozinha pecadora aos “genitalia” de um agente da polícia! Horrível!
Voltando ao cruzado Eliot Spitzer parece que pagou a uma certa Kristen 4.300 dólares, quase 3.000 euros, por uma prestação sexual heterodoxa. Que quererá isto dizer desconheço mas que não é barato, não é!
Temos aqui uma das contradições americanas. Podem publicar-se revistas tão explícitas como a “Hustler” (ao pé da qual a “Playboy” é uma piedosa publicação). Podem ter bordeis cotados em bolsa no Nevada. Podem ter a mais florescente industria de cinema hot do mundo mas ali mesmo ao lado, enfim, perto, uma escapadinha fora de casa é cara e dá cadeia. No mesmo país onde qualquer um(a) pode ter um arsenal em casa ( e quando digo arsenal significo mesmo um canhão, uma metralhadora pesada ou qualquer outra arma parecida) o pagar um serviço de natureza sexual, algo bem dentro das melhores normas da “free enterprise”, cai sob a alçada da lei, da condenação pública e arruína uma reputação. Também é verdade que se a dita reputação se fez em nome do combate ao vício não podemos deixar de ver nisto uma deliciosa ironia que, convenhamos, faz sorrir ou mesmo rir a bandeiras despregadas qualquer um.
E, entre nós, europeus, velhos e decadentes? Pois por cá as coisas correm noutra direcção pesem embora alguns esforços do politicamente correcto que, como se espera, vêm no sexo não a origem da vida (Courbet) mas a da desordem. Não há muito, uma primeira ministra francesa (Édith Cresson) acusava os ingleses de mariconsos, coisa que apesar de tudo me parece um pouco excessiva. Não menos verdade é que a França considera como herói, o seu presidente da república Félix Faure, morto aos 41 anos no cumprimento do seu dever. De facto a honorável criatura encontrou-se nesse dia com uma jovem de 30 anos, Marguerite Steinheil, apelidada a partir desse fatídico dia “la pompe funébre” (os leitores mais dentro das francesises apreciarão a finura do “sobriquet”.)
Em Portugal não temos momentos destes. Pelo menos oficialmente. Em matéria de presidentes da república, ressalvando um autor de romances tenuemente licenciosos, Teixeira Gomes, algarvio morto no exílio, desconhecem-se aventuras heróicas entre lençóis de todos os restantes. E no que respeita a presidentes do conselho a coisa foi mesmo aflitiva. E nem falo do Dr Salazar, incorrigível misógino digam o que disserem alguns saudosos que queriam dar dele uma imagem menos austera. Com uma excepção que não citarei, os nossos primeiros ministros são uma espécie de baldes de água fria. Gelada!
E convenhamos que dava jeito, um político dado à coisa. Se festiva, evidentemente. E podia ser mesmo com uma meretriz. De rua ou de hotel de luxo que as há e cada vez mais, basta ler os anúncios dos jornais ou folhear a internet.
É por isso, e só por isso, que o escriba, não querendo abusar da política doméstica se viu forçado a viajar até ao outro lado do mar, terra de vícios privados e públicas virtudes ou vice-versa.

a fotografia foi pilhada em www.fotolog.com Porreirinho!

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