11 abril 2008

Au Bonheur des Dames 120


Meu caro Zé Miguel

Resolveste hoje tomar a defesa de Jorge Coelho, putativo futuro administrador da Mota-Engil. E logo no “Público”, jornal de referência, como agora se diz.
Só te fica bem esse sentimento de Galahad em defesa da honra e bom nome de Coelho, que, segundo as tuas palavras anda pelas ruas da amargura.
Conviria porém ler com mais vagar o que escreves porquanto, vê lá ao que se chegou, o leitor comum perde-se nos meandros subtis do teu discurso. De facto, é preciso estar atento não vá a gente perder-se entre a defesa de Coelho, o alvo duma desenfreada caça de jornais, blogues e não sei que mais, e a defesa da tua própria pessoa que, pelos vistos também está com a cabeça a prémio.
Eu, no teu caso, Zé Miguel, não me poria em paralelo com Coelho. À uma. tu tens desde sempre uma vida de paisano, interessado na política, claro, mas digamos, de fora dos aparelhos. É verdade que durante algum tempo alimentaste uma tendência no PSD mas disso já ninguém se lembra, ou lembram-se com algum espanto, os que na altura te leram e agora o continuam a fazer. Grande viagem, Zé Miguel, grande viagem desde, hás-de convir, uma direita inteligente até a esta espécie de compagnon de route do PS. Nota que não te critico. Gosto de te ver aí e gostaria mesmo de ver o PS a fazer-se ao caminho sob a bandeira de Antero e do socialismo democrático. Não é assim que as coisas se passam, agora distingue-se mal, se é que se distingue, o PS do PSD (mesmo com Menezes!!!) e até isso torna mais natural a tua convergência com o partido do governo.
Todavia, tendo por certo que não é isso que te faz vir à estacada, mas tão só a reflexão sobre o direito de qualquer cidadão a levar a vida que muito bem quer, conviria, talvez, retirar-te do retrato e falar apenas de Coelho. Fizeram-te umas traquinices? Tu sabes defender-te bem. Deixa essa guerra e não metas nas tamanquinhas de Coelho. Porque o caso é diferente, Zé, substancialmente diferente.
Enquanto tu fizeste a tua inteira vida na advocacia, cá fora, ele Coelho, é de há vinte e tal anos (trinta, talvez?...) a esta parte um político a tempo inteiro. Ou seja que, devendo ele ter à volta de cinquenta e poucos anos, a sua vida adulta foi consumida sempre ou quase, nos corredores do poder e do aparelho partidário. Isto não tem nada de mal e, no caso em apreço, até podemos dizer que seria bom que houvesse mais um par de políticos assim, laboriosos, diligentes, interessados e “bombeiros para todo o serviço”. Como Jorge Coelho. Suponho que é titular de um curso de gestão de empresas e que terá, quando jovem trabalhado na Carris. Todavia, e insisto, a sua vida de adulto, passou-a não nos meandros da empresa mas nos da política, coisa apeasr de tudo bem diferente.
Está cansado? Farto do aparelho do PS? Terá sido (não me parece) corrido pelo engenheiro Sócrates? Quer reformar-se mas não se vê como pescador à linha, ou jogador de sueca ali para os lados do Príncipe Real, juntamente com outros reformados? Perfeito! Eu mesmo não pesco senão no prato, não jogo a sueca (e infelizmente tenho dificuldade em juntar mais três parceiros para o bridge, ainda agora me morreu mais um...) e também vou fazendo pela vida. Leio, traduzo, vou às compras que a minha mulher ainda trabalha, tomo conta das gatas, escrevinho neste blog, enfim vou sobrevivendo sem sobressalto e, imagina, sem tempo!
Não me apetece gerir a Mota Engil, eles também não parecem convencidos dos meus muitos méritos, sequer uma pequena empresa dessas que constroem casas segundo traço e cálculo do já citado engenheiro Sócrates. Por junto, em matéria de construção civil, prego algum quadro na parede ou invento mais uma maneira de subir uma estante dois centímetros para lá caber um livro maior. Se estiveres interessado, passa cá por casa que te ensino isso num instante.
Mas regressemos a Coelho. A Coelho que, sem especiais referencias profissionais (experiência anteriores bons resultados em empresas do ramo, ou em empresas tout court ) que se conheçam, vai assumir pesadas responsabilidades (e logo nesta altura pré-recessiva!!! Que coragem!) num dos gigantes da construção em Portugal. Claro que tem a seu favor o conhecer esse mundo opaco e pesado. Foi Ministro das Obras Públicas e isso, só isso, permitiu-lhe perceber como é que esta gente se move e trabalha. Estou certo que não foi a pensar numa futura relação de trabalho que Coelho ministro contratou com Mota empresa. Nem ele é omnisciente a esse ponto nem consta que seja um malfeitor, um aproveitador, um carreirista. Porem....
Porém, nesta Europa Ocidental, são raros estes casos de transumância entre a política os negócios. Os políticos, sobretudo os políticos tipo Coelho, gente de aparelho e de altas responsabilidades costumam estar fora do território de caça dos angariadores de trabalhadores de alto coturno. Se saem do Governo, do Parlamento e da direcção do Partido, poderão aterrar na direcção de uma empresa pública (o que, enfim, também não é exactamente saudável mas que se explica pelo interesse que há no controle estrito dessas empresas), de um banco participado, numa embaixada política ou numa agência estatal.
A transferência pura e dura para o Privado, puro e duro, costuma ser rara e, convenhamos, não é bem vista. Há mesmo países que prevêem certas proibições (algumas vezes temporárias) de modo a que não caia sobre a classe política mais lodo do que já vai sendo hábito.
Coelho, dizes, é o alvo de uma caça feroz. É verdade. Também é verdade que Coelho nunca foi meigo com os seus adversários e que ficaram famosas algumas das suas frases. Buldozzer, premonitória palavra, chamavam-lhe. Convenhamos que foi incendiário, que semeou ventos suficientes que agora eventualmente o chamuscam.
Por outras palavras: quem não quer ser coelho não lhe veste a pele.
Ninguém, caro Zé Miguel, toma Coelho, ou a maioria dos ministros de hoje e de ontem, por uns cretinos catatónicos bons só para a chicana no Parlamento. Isso são leituras apressadas de Eça, o magnífico, ou dos anti-democratas, anti-parlamentaristas, anti-modernos que, à imagem de Caetano, eram contra a democracia representativa. Em Coimbra, nos nossos anos juvenis, bem os vimos em acção, lembras-te? A rapaziada do Jovem Portugal, os leitores do “Agora”, os meninos da “Acção Académica” e de outras envelhecidas fascistices de moda entre uma certa oisive jeunesse. Mas isso passou, está nas catacumbas da história.
Voltemos a Coelho. Se me espanta moderadamente esta apetência pelo mundo empresarial, não deixa também de me surpreender a apetência da Mota-Engil por este singular e futuro ex-político. Que diabo, o homem já tem cinquenta e vários! A idade em que mandam para a reforma administradores com muito mais louros e nome! Não que eu pense que a empresa queira influenciar o Estado, mesmo este, de hoje, apesar de tudo transitório, pese embora o esforço de Meneses para o tornar definitivo. Nada disso. Outras serão as intenções do empregador, porventura inocentes, estou quase certo. Seguro mas intrigado.
Voltemos ao teu caso. Parece que pões em paralelo uma participação gratuita tua na resolução de um problema de Lisboa, onde vives, com o contrato remunerado de Coelho. Francamente! Que diabo de mosca te mordeu? Tu, um advogado de sucesso, ex-bastonário, sem grandes problemas de dinheiro, cidadão que já mostrou compromissos cidadãos (a tua acção como benfeitor da Biblioteca Nacional) vais dar algum do teu tempo à cidade. De borla! A que vem a história do teu filho (és tu que a citas) que parece um miúdo esperto e desembaraçado? Então tu pensas que alguém acredita que em troca dos teus leais serviços se vá fazer um favor ao rapaz? Que diabo! Que visão tão arrevesada das coisas!
Terminemos com o teu artigo. Tu não fazes prisioneiros, Zé Miguel! Então achas que é mesmo toda a gente que se une a conspirar contra Coelho e contra ti? Não te parece delirante uma tese tão peregrina? E todos, todos, quantos acham que seria mais curial Coelho não se meter com o patronato de choque, estão assim tão de má fé?
Coelho, uma vez, do alto de uma tribuna partidária, lançou um célebre slogan ameaçando quem se metesse com o PS. De um certo modo, Coelho, voltava à carga assumindo o partido a conhecida posição de fortaleza cercada. Não era o caso. Agora ainda não é o caso, em relação a Coelho. Mas com defesas como a tua, pode ser que de tanto chamar pelo lobo...
Vale*
mcr

*como em tempos se dizia lá por Coimbra.


1 comentário:

josé disse...

A amizade tem destas coisas: não permite avançar nas críticas, porque se torna incómodo, afrontar desnecessariamente aqueles que alguma vez prezamos.

Também sinto assim. Por isso, é que prezo a liberdade de poder dizer mais além, em relação àqueles que estranho ou com quem nunca me cruzei em amizades. A partir do momento em que tal acontece, paralisam-se-me as faculdades de contundência crítica.

Assim, no caso concreto do Zé Miguel, ando há um ror de tempo, à espera que o tipo nos elucide a todos, sobre o negócio que a sua sociedade de advogados( o título de propriedade, foi ele quem o atribuiu), fez com o Estado-Parpública e que o deputado do PS António Galamba, pediu em tempos no Parlamento fosse explicada publicamente.

O Zé Miguel, nunca o fez e agora anda a dizer que o andam a caluniar.

Quanto a mim que não sou amigo nem conhecido, acho que não tem vergonha e deveria explicar o que se passou, incluindo o papel do sócio de indústria,que estece no Governo, nessa área chave e depois disso se tornou sócio de capital, na tal sociedade que é dele.

É muito dinheiro em jogo. Milhões de euros. Públicos. E não sabemos como foi efectivamente aplicado. E temos o direito de saber.

Enquanto não soubermos, o Zé Miguel não tem o direito de se queixar de nada.