30 abril 2008

Diário Político 83

Lá vamos marchando e rindo

O Senhor Presidente da República parece preocupado com a ignorância dos jovens quanto ao 25 de Abril. Que aquilo é uma maçada, que eles não sabem o quanto custa a democracia, como era a vida antes etc... etc...
Jornais e políticos pegaram-lhe gozosamente na palavra e glosaram-na sempre em tom afirmativo. Que sim, sim senhor!; que era preciso dizer à juventude como é que as coisas eram, são ou devem ser; que patati, patata!
Lamento mas não dou para esse peditório. E não dou porque o que os jornais, Sª Ex.ª e os senhores deputados, ministros et alia deveriam ter já dito e reconhecido era esta coisa simples e fácil: a miudagem não sabe porque ninguém a ensinou. E ninguém a ensinou porque na Escola é a balda que se vê. Ninguém ensina coisas que possam prejudicar a memória das criancinhas. A história pátria passa-lhes leve, leve levemente como a neve do Augusto Gil (que os meninos também não conhecem).
Dir-se-á que Gil não é exactamente Camões, o que é verdade. Mas os meninos de Camões também têm uma ideia nebulosa. E que lhes não perguntem o século, o rei, ou sequer as endechas à Bárbara escrava.
A literatura em uso nesses horrendos “Stalag-läger” a que chamam “Escolas” sejam básicas, secundárias, terciárias, universitárias, ou sempre ordinárias, é uma treta. Como a Geografia. Perguntem-lhes que terras são banhadas pelo Mondego que já vêem...
Trinta anos de reformas e reformecas, encavalitadas umas sobre as outras destroçaram professores e alunos. A Escola em uso por cá é uma coisa aberrante que nem sequer ensina ortografia. Nem a velha nem a nova, de mau agouro. Tentem perguntar a um rapazinho de 14 anos algo sobre as guerras fernandinas! Ou sobre a Restauração. Ou sobre a implantação da República. Peçam-lhe dois mil caracteres sobre a aventura colonial ou a orografia portuguesa. Pior do que isso é só pedir-lhes o telemóvel, ou apenas que o desliguem, que estejam sentados nas carteiras, que não gritem, que não agridam os colegas. Não se pede aqui que respeitem as professoras porque isso seria realmente pedir demais.
Sª Ex.ª pode discursar mais vinte vezes sobre a data que, garanto, obterá os mesmos aplausos, as mesmas vénias, as mesmas citações, e a mesmíssima inércia.
A menos que uma lei constitucional garanta que reformas da educação só de doze em doze anos e por maioria de três quartos do total dos deputados.
O que o Senhor Presidente deveria ter dito é apenas isto: Portugal à falta de marinha mercante, agricultura, indústria moderna, bons serviços, produz leis, decretos, regulamentos, posturas e outras cabronadas em número tal que dava para vinte países. Um partido chega ao poder e a primeira coisa que faz é novas leis orgânicas para ministérios e serviços. Ministérios e serviços que mudam mais vezes de nome do que de funções. Já calcularam quanto isso custa? Já perceberam o que é viver sobre a permanente ameaça de um novo quadro orgânico que demora um, dois ou mais anos a sair? Já perceberam que esse novo quadro se destina as mais das vezes a criar condições para correr com uns tantos funcionários com cargos dirigentes e a meter em seu lugar outros mais fieis e mais do serralho político do novel responsável?
E depois queixam-se da “funçanata” pública? Ponham-se na pele desses desgraçados a quem, agora, deram a possibilidade (???!!!) de “contratualizar” tarefas e objectivos. E o SIADAP! E mais três merdas que tiram tempo, fora cursos de formação dados pelos amigotes do novo poder, cursos que se frequentam mas de que não há posterior avaliação (!!!), reuniões para tudo e para nada, mais para nada, claro.
É neste quadro sinistro que caiem as palavrinhas do Augusto Chefe de Estado, como dantes se dizia. E do Venerável Presidente do Conselho de Ministros como depressa se voltará a dizer. E das Excelências todas que em magote ruidoso vão ao beija-mão do Paço e se queixam da juventude ignorante. Como se não fossem responsáveis primeiros e quase únicos do Estado A Que Isto Chegou” (EsAquiChe, fixem esta sigla.)
Esta terra, que é a nossa, a minha (e daqui não saio senão morto ou em perigo de morte) não merecia esta diarreia legislativa, esta verborreia inútil, este sacudir de responsabilidades, este desperdício de dinheiros públicos, nossos, pagos por todos quantos não conseguem escapar ao fisco, à ASAE (que tem de proceder a X prisões, N autos, Y multas, tintim por tintim para cumprir os objectivos fixados por um senhor que deve pensar-nos como um rebanho fora do redil, a balir por autoridade e erva fresca), aos concursos imbecilizantes da televisão, à deputadagem voraz, ao patronato envelhecido que só pede desregulamentação, aos bancos que coitados são obrigados a ganhar menos e a levar-nos mais por piores serviços.
No meio disto tudo, um comentador político de um jornal de referência vem hoje dizer que não lhe repugna dar o direito de voto aos maiores de 16 ou 17 anos que o requeiram. Que os jovens (e o diabo da criatura enche a boca com isso) até mostram muito interesse pela vida em sociedade, que são mais participantes, menos insatisfeitos com a política etc...blá, blá, blá... Mas em que mundo se moverá esta aventesma? Que óculos ideológicos usará (não vou falar de antolhos, credo!) para ver o invisível, dizer o indizível e concluir o incrível?
Concluamos com mais uma digna do guiness: uma das mais antigas Ordens profissionais portuguesas entendeu, em Conselho Geral, proibir que os candidatos à profissão que ela tutela a situação de empregados por conta alheia. A Ordem acha que depois de 12 anos de borrada básica, secundária e terciária, de 5 de indiscência (isso exactamente) universitária, os estagiários deverão aturar mais dois anos de aulas inúteis e repetitivas e de trabalho não remunerado. Ou seja, o Governo faz o que pode para que os adultos através de exames ad hoc entrem para as universidades para se valorizarem, e as (des)Ordens ameaçam qualquer jovem estagiário se este tiver um pequeno emprego que o habitue a ser menos dependente da família e a trabalhar!
Uma pessoa inocente e ingénua ao ver isto pergunta-se se o 25 A existiu, e em caso afirmativo, se serviu, e para quê. E pergunta se o Presidente da República se queria referir a isto e, novamente em caso afirmativo, porque é que o não disse em quatro palavras bem puxadas e simples.
E já agora: será que os tais jovens, vendo o que vêem, apanhando no lombo com o desemprego, dito qualificado, com as Ordens profissionais e com esta gente, terão algum interesse em saber do 25 de Abril, do 5 de Outubro , do 1 de Dezembro ou sequer do 28 de Maio. Responda quem souber (e não tiver pecado).
De um Primeiro de Maio luminoso, o vosso correspondente em Sírius
d’ Oliveira

* o título roubei-o à inditosa Marcha da MP
** a fotografia é a de uma mulher lixada pelo establishment e fica aqui melhor do que uma fotografia de uma pasionaria qualquer.

1 comentário:

josé disse...

Estranho esta ideia feita que vai fazendo caminho, a de que as criancinhas não aprendem estas coisas, na escola, hoje em dia.

Vejamos. A minha pequena de doze anos, anda a fazer uma bandeira em papel, formato bem visível, da...Letónia. Foi o país que lhe calhou, na turma.
Os outros 26 países que ela conhece como os demais também, estão a cargo dos colegas.

Há tempos, para um teste, falamos no 25 de Abril, no Estado Novo, no que seguiu ao 25 de Abril, etc.
Li o manual e achei-o razoável, embora resumido. Equilibrado ideologicamente. Não refere uma única vez a palavra "fascismo". E contextualiza a ditadura com o advento da democracia.

Parece-me por isso que o problema será outro: o dos professores. Sabem pouco, parece-me. E como é sabido ninguém pode dar o que não tem...