01 abril 2008

Farmácia de Serviço 42


Mau sinal?

Já por aí se falou da súbita concentração do sector editorial. Editoras conhecidas, estabelecidas no mercado há longo tempo, começaram, subitamente, a ser alvo da cobiça de grupos empresariais que nunca tinham mostrado qualquer sinal de se interessarem por uma actividade tão marginal.
Repentinamente dois grupos do exterior e um interno (Bertelsmann, círculo de Leitores) começaram a oferecer somas relativamente altas por pequenas casas editoras (em Portugal todas as editoras literárias são pequenas...). Prometiam dinheiro, manteriam os editores anteriores, despediriam um mínimo de pessoas, enfim, metiam o Rossio na Betesga.
Pessoalmente, o boticário desconfiou. Vender livros não é vender comida ou remédios. Os livros são objectos não essenciais para 99% dos portugas e só quem anda nisto há muito é que sabe das dificuldades de editar e vender.
A recente saída de Manuel Alberto Valente da Asa (grupo Leya) vem dar razão às desconfianças. Conheço o MAV desde os seus anos de estudante ainda em Coimbra. Segui-lhe o percurso logo que começou a dedicar-se á edição. Vi-o na D. Quixote e depois na Asa. Apreciei-lhe o trabalho, o faro, a dedicação, a cultura e sei, ou saberia, dizer-vos quantos sapos ele engoliu para poder publicar os autores que realmente valem. Traduzi alguns poucos livros para ele, temo-nos encontrado por aí e a conversa cai sempre no mesmo. A livralhada que se edita por amor, a que se edita para ganhar cacau para com isso editar os que se venderão mal e por aí fora. O Manel sai da ASA (grupo Leya) alegadamente de motu próprio. Há uns meses, no enterro do Eduardo Prado Coelho eu dissera-lhe que não acreditava que ele se aguentasse. O Manel como de costume discordou. E como de costume, enganou-se. Só queria ter as mesmas certezas quando jogo no euro-milhões.

Deixemos as tropelias das editoras nouvelle formule de lado e pesquisemos: Vamos dar uma voltinha pelos brindes dos jornais.
Anda por aí em venda um “Atlas de Portugal” de saídas semanais. Vai no 9º volume em 20 projectados. Para mim está bem, é fácil de ler, interessante e bastante completo.
Uma outra edição ligada a jornais é “Os anos de Salazar”. Vai no 5º volume e pelo andar da carruagem também deve vir a ter cerca de vinte. Iconografia excelente, artigos eficazes, fiável, colaboradores que se têm distinguido no campo da história contemporânea.
Finalmente, no capítulo do cinema, uma colecção que não sendo a minha é também a minha quanto mais não seja porque a estou a comprar: “grandes realizadores/cahiers du cinema”. Também semanal, o filme traz um livro. Não estão lá todos os grandes mas isso seria quase impossível. Escolheria um que outro filme diferente mas, quem sou eu?, a colecção é boa e vale a pena.
Sem ter nada a ver com jornais, anda por aí à venda uma colecção de “westerns”. Para maluquinhos como este vosso criado, é um petisco. Ainda agora saiu mais um Ford dos velhinhos, dos pouco conhecidos, mas uma fita das arábias. “Western” puro e duro, com a malta a morrer competentemente calçada. Ao pé do que por aí se vê, aquilo é cinema. E isso me basta.
Não há bela sem senão. A cavalo dado também se deve olhar o dente. Anda por aí uma colecção de biografias gratuitas de “personalidades” do século XX português. Percebe-se mal o critério da escolha mas isso é de somenos. Os textos são fracos, a iconografia paupérrima e nem o facto de serem de borla justifica tudo. Nota final: medíocre.
Os amadores da música clássica já devem saber que a Brilliant Classics (sempre ela!) juntou mais uma integral às de Beeethoven, Bach, Mozart, Chopin et alia: Brahms. Como de costume excelente e a bom preço. 60 discos, €58,57, na Amazon. Deve estar a chegar com o luso e habitual atraso à FNAC.
Esta edição da Farmácia leva o número 50, número redondo, e devia intitular-se Pharmacia. Por várias razões. Primeiro porque o remendado “acordo ortográfico” é, pior do que um erro, uma estupidez. Pensar que com uma ortografia diferente e facilitada vamos entrar no “mercado das grandes línguas mundiais” é uma imbecilidade catatónica e diz tudo sobre uma certa maneira de ser português: muita parra e pouca uva. Segundo porque, à semelhança de todos os anteriores acordos celebrados, vamos cedendo na ortografia mas o outro acordante vai mudando (como mudará outra vez, não tenham dúvidas) as regras do jogo até mais outro desacordo e mais outro (e pior) acordo. Terceiro porque com o novo acordo nem um só livro a mais irá ser exportado para o Brasil. Não é a grafia que os incomoda é o resto, semântica incluída. Em vez de nos gabarmos dos duzentos e tal milhões de luso falantes dos quais apenas dez são nossos deveríamos olhar para o lado e perguntar-nos porque raio de razão holandeses, suecos húngaros ou noruegueses são mais cultos, mais instruídos, mais leitores, mais escreventes e, já agora..., mais ricos do que nós.
Pessoalmente, declaro-me em estado de rebelião civil contra o acordo que obviamente não seguirei. É um gesto inútil, claro, mas menos inútil do que escrever fato por facto, ou algo do mesmo teor.

PS que não tem nada a ver com isto: quatro mortes, 4: o r(inh)o Santos, figueirense, homem de coração e de espírito, humor que se queria ácido mas acabava terno, o Zé Rita, companheiro de futebol na praia, caloiro no mesmo ano que eu e um imoderado gosto pela vida, João Taveira da Gama, do velho CITAC um social-democrata que era mesmo social democrata, viveu como quis mas a da gadanha não perdoa, Jules Dassin, um realizador de cinema talentoso e corajoso. Mc Carthy não o venceu e os “rapazes do Pireu” na voz de Melina Mercuri ainda soam aos nossos ouvidos.

Na gravura: imagem de "Never On Sunday", "os rapazes do Pireu" por cá, um filme de com DassinMelina Mercuri, grande, grandíssima actriz e mulher de coragem e de princípios.

1 comentário:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

MCR, estou consigo na rebelião civil contra o acordo ortográfico! Há por aí muita gente, meia tonta, que acha que vamos invadir o mundo, nós os tais duzentos e tal milhões de falantes, com a literatura em língua portuguesa (qual língua?).