24 abril 2008

O leitor (im)penitente 37


O 25 A já o comemorei: de facto os encontros literários de Matosinhos com o nome de “Literatura em Viagem” realizam-se precisamente nesta altura para ficarem (como diz o Presidente da Câmara, Guilherme Pinto) encostados à data. Ora aqui está uma ideia interessante. E participada, como se comprovou pelos magotes de gente que apareceu durante os quatro dias de discussão, apresentação de livros e actividades conexas.
Este ano a chuva baralhou um pouco as coisas, convenhamos. Parece que o Vereador do pelouro do Ambiente ainda não conseguiu chegar a acordo com o boletim meteorológico e, pasme-se - que falta de qualidade! -, com o grande Manitu senhor das chuvas e dos ventos. Pelo menos pareceu-me ser isto o que ouvi ao Fernando Rocha, Vereador do pelouro da Cultura.
Intrigas municipais à parte, inventadas por quem não consegue encontrar um defeito naquela impecável organização, há que dizer, pela terceira vez, que foram quatro dias muito bem passados.
À uma, isto de umas dezenas de maduros se reunirem para falar de livros já tem muito que se lhe diga. E se lhes juntarmos, como é de inteira justiça, umas centenas de leitores que acorreram para ouvir e interpelar a rapaziada então parece que a aposta de Matosinhos está ganha e com futuro.
Este ano foi dado mais um passo: começou a publicar-se a revista do LeV. Chama-se “Itinerâncias” promete um belo número por ano e a CMM entra com os cacaus. Conhecendo como se conhece a política cultural da maioria das câmaras municipais um cristão fica de cara à banda. Será que Matosinhos está no mesmo pais que, por exemplo, o Porto do dr. Rio?
Como acima já deveria ter dito mas não disse, isto foi um reencontro com um largo par de amigos de há muitos anos alguns, recentes outros, mas todos tocados pelo feio vício solitário da escrita ou da leitura. Alguma vez contarei como aos nove ou dez anos de idade, na confissão que precedia a comunhão, à pergunta se praticava o “vicio solitário”, confessei a leitura às escondidas, e durante as intermináveis horas de sesta que me eram impostas pela minha mãe, de inúmeros Salgaris, Walter Scott, Verne, London, Twain e assimilados. E de como o senhor prior de Buarcos, ao fim de um acidentado percurso de perguntas oblíquas, se convenceu que eu, fremente de piedade e de reino dos céus, o estava a gozar, coisa que retrospectivamente me enche de alegria mas que, na altura, me mortificou terrivelmente. E, aqui para nós, muito à puridade, o verdadeiro e perigoso vício solitário não está essa inocente e juvenil libertação de algum esperma buliçoso, e consequente apaziguação, mas estoutro de ler sabe-se lá o quê.
Mas, regressando ao tema, foi bom reencontrar Fernando António Almeida que veio apresentar o seu “Fernão Mendes Pinto” digressão erudita mas ao alcance de qualquer um da vida e obra do grande viajeiro; o Luis Carlos Patraquim, poeta e critico talentoso, de quem aqui já falei; o António Cabrita que lançou nestes dias de festa “Tormentas de Mandrake e Tintim no Congo” (Teorema); a Isabel da Nóbrega, autora inolvidável de “Viver com os Outros” que já vai em 6ª edição; o Bandeira de Faria que no ano passado aqui apresentou “As Sete Estradinhas de Catete” que me impressionou vivamente; o Nuno Júdice de que também já por aqui falei e que é indubitavelmente uma das mais inovadoras vozes da poesia que se vem fazendo desde os anos sessenta (uma leitora censurou-me há meses por não ter lido o seu “Salomé” – Teorema – que ela entendia ser o melhor romance publicado em 2007. Não garanto que o seja pois faltaram-me muitos mas é definitivamente um excelente texto que não fica atrás da sua obra poética); Jorge Sousa Braga, já por cá citado.
Fora estes quatro primeiros contactos que me encheram de satisfação: conheci o Villa Matas de que sou habitual leitor e que veio apresentar (sempre na Teorema, isto parece publicidade!) “Exploradores do Abismo”, a Adriana Lisboa, o Mempo Giardinelli e o Pedro Mota (autor de "quatro ventos e sete mares" (corre meio mundo, pinta-se de cores esquisitas e trás fotografias e recolhas de histórias e tradições de toda a parte) : Nem sempre se devem conhecer ao vivo os autores que lemos e apreciamos mas com estes quatro não se corre nenhum risco. Espero que voltem mais vezes e que rapidamente se publiquem cá mais livros dos três últimos. Tinha cá em casa, à espera de vez, “Final de novela en Patagónia” e não resisti: estou a lê-lo a meias com as Tormentas de Mandrake... esperando que a cabeça não expluda pelo gozo que ambos me estão a proporcionar.
Nota final desta reportagem atrasada: o perigoso Vereador da Cultura de Matosinhos proporcionou-me uma visita às caves da Biblioteca Municipal para vermos como se tratavam as reservas e os espólios. Já pouca coisa me impressiona mas desta vez tenho de dar o braço a torcer: há ali muito trabalho, excelente trabalho!, gente que gosta do que faz e uma coisa absolutamente essencial para quem quer que lhe prestem um bom serviço público: há ali excelentes, quase únicas, condições de trabalho. Tenho sérias dúvidas que haja cinco bibliotecas melhores do que esta pelo pais fora. E digo cinco porque estou bem disposto e pronto a dizer aos meus camaradas de blog “o meu olhar” e JSC que em Portugal nem tudo é mau, medíocre ou, vá lá, sofrível. E, já agora, dizer ao José Carlos Pereira (JCP) que encontrei uma câmara socialista que fora eu seu munícipe teria sempre o meu voto. Sempre ou quase, depende de quem lá está e de quem lá continuará... É que às vezes a história repete-se e, como dizia Marx (ou como diria eu), nem sempre com bons resultados... E as autárquicas estão à porta coisa que remexe com muitos cavalheiros a quem ficaria melhor ficarem quietos no seu cantinho e perceberem que o seu tempo passou.
Verifico que comecei a falar de livros e acabei a falar de outra coisa: Os leitores contumazes são assim: viciosos e com a mania da política.
Termine-se todavia de modo mais alegre: Manuel Alberto Valente, um dos grandes editores deste país (D. Quixote e depois ASA) fartou-se de aturar as criaturas do grupo LEYA e bateu com a porta. Os amigos gabaram-lhe o gesto mas afligiram-se. Depois dos sessenta anos de idade estes arreganhos têm custos. No caso concreto, o desemprego de MAV durou pouco: é o novo editor literário da Porto Editora. Se isto não é uma boa nova então não há novidades boas em parte alguma. Os da Leya que se ponham a pau que a concorrência dos editores que gostam de livros começa a crescer.

* a belíssima fotografia de cima representa Matosinhos e foi pilhada à Starmoon. Uma beijoca ó Estrela da Lua, quem quer se sejas e onde quer que estejas...

2 comentários:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Meu caro, a foto pode ter sido tirada da praia de Matosinhos, mas o que se vê mesmo é o Castelo do Queijo e as árvores no início da Avenida de Montevideu, no Porto, certo?

M.C.R. disse...

Tem carradas de razão, JCP. Se quer que lhe diga nem liguei. A Starmoon tinha mais umas fotos que me distrairam, incluindo uma dela ou de alguém por ela se me entende.