20 maio 2008

Estes dias que passam, 110


Perder bem, ganhar mal

Pior do que o chamado mau perder é o mau ganhar. E é pior porque o vencido tem uma desculpa, uma má desculpa para a cólera que sente por ter perdido.
Eu sei que é politicamente correcto afirmar que se deve guardar modéstia no momento da vitória mas de quando em quando podemos arriscar um passo desses. A vitória bebe-se lenta, pausada, descansadamente. Assim dura mais.
Todavia há sempre um quiddam que desconhece estas pequenas, vulgares verdades. São coisas que se não aprendem na escola, na universidade mesmo se se consegue um doutoramento. Fazem parte daquilo que se poderia chamar educação informal. A chamada “gente bem” fala de “tomar chá em pequeno” a propósito deste misto de bons modos, contenção e simplicidade.
Vem tudo isto a propósito de um artiguinho, mais um, de um dos comentaristas de última página de um jornal de referência. A criatura resolveu fazer um penoso exercício de ironia sobre o resultado da votação na Assembleia da República sobre a questão do Acordo Ortográfico. Pergunta aos “derrotados” se já repararam que o mundo continua igual, como se da votação naquele areópago de escassa ciência filológica e ortográfica, pudesse sair outra coisa do que a que saiu. Há vezes em que me pergunto se o homenzinho pensa o que escreve ou se dispara mais depressa do que a própria sombra.
Toda a gente sabia que o “Acordo...” ia passar na AR. Os partidos tinham dado as necessárias ordens para que a ordem reinasse. E de todo o modo a votação não se destinava a aprovar o Acordo que infelizmente fora já aprovado por uma assembleia tão competente como a actual.
O que os contrários ao acordo diziam, e dizem, é que não só nada se ganha com ele mas que é provável que se perca muito. A ridícula argumentação de que o acordo fará da língua portuguesa (notem que digo portuguesa e não brasileira ou outra coisa qualquer) uma língua importante. Primeiro porque já é falada por cerca de duzentos milhões de pessoas (que ele iça à categoria de terceira língua mais falada do ocidente, provavelmente porque o russo não lhe parece ocidental) e depois porque assim já não deixamos os brasileiros passarem-nos a perna na competição ortográfica do português. Mal sabe o pobre que quando se trata de aprender português é geralmente recomendado aprendê-lo com brasileiros porque pronunciam todas as letras. E parece não perceber que mesmo com este mau acordo continua a haver discrepâncias ortográficas. Ou seja que os estrangeiros aprenderão a variante brasileira mais depressa do que a portuguesa como é natural.
O que o autor da prosa ligeira parece não perceber é que não é o número de falantes ue determina a importância de uma língua mas a força política e económica dos países e povos que a falam. E a cultura. E aí corremos sérios riscos de estar num lugar bem mais modesto do que o simples número de falantes poderia indicar.
Mas o esforçado articulista não contente com o esmagar a oposição com esta rotunda vitória no parlamento entendeu crismar todos os anti-acordo com o facinoroso apodo de “nacionalistas”. Deve estar contentíssimo com esse subtil esquema de nos chamar reaccionários como se sequer isso fosse verdade. Convenhamos, se ser progressista é ser como o senhor Tavares então vou ali e já volto. O pobre ainda não percebeu que a defesa a outrance do acordo nos termos espúrios em que está (mal) redigido é tão só a última tentativa “imperial” de fingir que há uma ortografia una do português. Mesmo que se tenham importado letras que foram sempre desnecessárias (w, k e y) por termos outras que as substituíam. Ou seja: aboliu-se o trema porque se encontrou um modo mais fácil de conseguir o mesmo efeito mas importa-se o K quando para o efeito já cá havia o C e o Q! Eu chamaria a isto um relento de colonialismo, uma tentativa grosseira de permanecer no lombo dos colonizados mais um bocadinho...
Todavia nada disto perpassou pela cabecinha fértil do articulista . só se lembrou da voluptuosa vitória na AR. Inesperada vitória! Amarga derrota dos protestantes. Estamos varados, tristes, inconsoláveis e o mundo lá fora ri-se de nós, faz-nos caretas o que seria de fato, um feio ato se nós, sempre, incorrigíveis não trouxéssemos no bolso uns cc a mais para enfiar no meio das palavras.

1 comentário:

José Pires F. disse...

Gostei deste seu artigo. No entanto, era de facto escusado lançar de novo, no final do artigo, o exemplo irónico do “fato”. Como sabe, os tais cc que agora trás no bolso, só são necessários em palavras não cultas, o que, não é o caso.
São este tipo de exemplos que, por vezes, retiram credibilidade a um bom artigo.

Com consideração.