MUITOS VERÕES VIOLENTOS
Amore stanco amore d'officina,
amore che si spegne goccia a goccia
mentre corre veloce la catena
e tu perdi ogni giorno un po' di noi
Amore stanco amore che la sera
non sa più ritrovare il suo sorriso
Ci guardiamo dietro l'ultimo boccone,
ma troppo stanchi per vederci…
…..
Este é um trecho de uma canção de Ana Identici. Detenhamo-nos um minuto nesta cantora. Foi sensação em S Remo, era bonita, tinha boa voz, estava destinada a ser uma diva da canção. Todavia em pleno 68 achou que não queria ser apenas isso e começou a cantar um novo repertório. Combativo como se vê. A fama que rapidamente alcançou não era a fama que vale numa Itália que não quer sair do seu modelo. Hoje em dia, ninguém (quase ninguém) fala de Ana Identici. A mulher que cantou a condição operária, a condição feminina, a vida sem horizonte sofre o ostracismo a que foi votada pela boa consciência. Pelos que querem esquecer os anos de chumbo e, com eles, o resto, a revolta, a indignação e o medo a uma hipotética aliança DC/PCI que poderia ter mudado o destino do país.
Talvez assim se perceba o assassínio de Aldo Moro, por exemplo. Um governo claramente reformista que incluísse o PCI na área do poder afastaria duravelmente a impossível revolução com que os brigatisti sonhavam. E acabaria com os negócios frutuosos que, sob a capa complacente da direita da DC, engordavam os vários polvos, mafiosos ou não que alimentavam a crónica daquelas anos.
Entendamo-nos: as coisas não são tão simples como aqui, por economia, se apresentam, mas também não andam longe deste quadro geral. É que uma sociedade bloqueada não oferece grandes saídas e a Itália, mais do que qualquer outro país ocidental estava bloqueada. Extrema Direita e Extrema Esquerda encontram nesta situação o campo ideal de combate. E os poderes públicos alimentavam essa animosidade.
A deriva violenta da esquerda mais ou menos espontaneísta é todavia posterior à famosa e eficaz violência de direita alimentada pelos elementos mais radicais do partido de Giorgio Almirante. Foram mais de 4000 os atentados da direita, e dos cerca de cem assassinatos políticos registados entre 65 e 70 mais de oitenta trazem a marca da direita radical. Some-se a isso, que já é muito, a existência de vários complots dentro do próprio aparelho de Estado (alguns só muito tarde descobertos como o “Gládio”). A resposta não se fez esperar embora em ordem mais que dispersa. Elementos vindos do “Potere Operaio”, da “Lotta Continua” para já não falar em militantes directamente saídos da ACLI (Acção Católica Liceal Italiana) irão criar os primeiros grupos que praticam a luta armada (Esquerda Proletária, Voluntários Vermelhos, Grupos Armados Partidários – de Feltrinelli que morre aliás num atentado que preparava! ). Tudo começa por confrontos com elementos direitistas, deriva rapidamente para as zonas operárias “em defesa do proletariado oprimido”, continuará pela perseguição a elementos do PCI (aqui já são as Brigadas Vermelhas a operar) e finalmente enveredará pelas campanhas “sérias” de terror. Os anos setenta, os anos de chumbo, deixarão uma marca que ainda não desapareceu. Ainda há gente a monte, ainda há presos nas cadeias italianas, ainda há quem chore pelas vítimas que foram muitas e que, as mais das vezes nem sequer sabem porque morreram.
E há também o naufrágio dramático de um sonho de revolução e de transformação do mundo. A passagem de uma contestação saudável e necessária duma situação ingrata a uma luta em nome de um proletariado que se não reconhece nos seus pseudo salvadores, contra um “SIM” (Estado Imperialista das Multinacionais) que as Brigadas julgavam poder combater com uma revolução na Itália (com quem?), liquidando escolhidos representantes do Poder numa espécie de estratégia de acções exemplares que insurrecionaria as mais largas massas populares.
Isto que vem de ser sumariamente descrito foi elaborado em várias publicações por intelectuais universitários prestigiados e lido (mal lido) por jovens ultra-politizados com uma determinação só igual ao seu desconhecimento da vida de todos os dias. Por jovens que acreditavam, mesmo depois de Praga, numa organização ultra-leninista, num partido militarizado e na maldade intrínseca do revisionismo, do liberalismo e de mais uma série de crimes anti-socialistas constantes da vulgata em uso neste género de organizações desconectadas da realidade.
Os anos setenta verão um renascimento do terrorismo de direita (estação de Bolonha, 85 mortos mais de 200 feridos) que curiosamente apresenta motivações idênticas. Os radicais negros queixam-se do eleitoralismo do MSI, da falta de soluções salvíficas que liberte a Itália e o mundo do comunismo, reconhecem-se nas ditaduras latino-americanas do mesmo modo que Brigadas e Prima Línea se louvam nas guerrilhas, nos Tupamaros e nos Montoneros.
Em resumo: aquilo que hoje em dia muitos assacam à esquerda como se esta tivesse sido a única responsável dos “anos de chumbo” é, de facto, fruto de uma situação muito mais complexa, protagonizada por forças muito diferentes que chegam a incluir agentes do aparelho de Estado (serviços secretos, exército e polícia), crime organizado e agentes de potencias estrangeiras. Não, definitivamente a esquerda estudantil, ou parte dela, não é ré única no drama italiano. E se isso não lhe diminui as responsabilidades próprias também as não aumenta nem elimina as alheias. Que foram muitas. É altura de começar a falar delas.
* estação de Bolonha depois do atentado.
Talvez assim se perceba o assassínio de Aldo Moro, por exemplo. Um governo claramente reformista que incluísse o PCI na área do poder afastaria duravelmente a impossível revolução com que os brigatisti sonhavam. E acabaria com os negócios frutuosos que, sob a capa complacente da direita da DC, engordavam os vários polvos, mafiosos ou não que alimentavam a crónica daquelas anos.
Entendamo-nos: as coisas não são tão simples como aqui, por economia, se apresentam, mas também não andam longe deste quadro geral. É que uma sociedade bloqueada não oferece grandes saídas e a Itália, mais do que qualquer outro país ocidental estava bloqueada. Extrema Direita e Extrema Esquerda encontram nesta situação o campo ideal de combate. E os poderes públicos alimentavam essa animosidade.
A deriva violenta da esquerda mais ou menos espontaneísta é todavia posterior à famosa e eficaz violência de direita alimentada pelos elementos mais radicais do partido de Giorgio Almirante. Foram mais de 4000 os atentados da direita, e dos cerca de cem assassinatos políticos registados entre 65 e 70 mais de oitenta trazem a marca da direita radical. Some-se a isso, que já é muito, a existência de vários complots dentro do próprio aparelho de Estado (alguns só muito tarde descobertos como o “Gládio”). A resposta não se fez esperar embora em ordem mais que dispersa. Elementos vindos do “Potere Operaio”, da “Lotta Continua” para já não falar em militantes directamente saídos da ACLI (Acção Católica Liceal Italiana) irão criar os primeiros grupos que praticam a luta armada (Esquerda Proletária, Voluntários Vermelhos, Grupos Armados Partidários – de Feltrinelli que morre aliás num atentado que preparava! ). Tudo começa por confrontos com elementos direitistas, deriva rapidamente para as zonas operárias “em defesa do proletariado oprimido”, continuará pela perseguição a elementos do PCI (aqui já são as Brigadas Vermelhas a operar) e finalmente enveredará pelas campanhas “sérias” de terror. Os anos setenta, os anos de chumbo, deixarão uma marca que ainda não desapareceu. Ainda há gente a monte, ainda há presos nas cadeias italianas, ainda há quem chore pelas vítimas que foram muitas e que, as mais das vezes nem sequer sabem porque morreram.
E há também o naufrágio dramático de um sonho de revolução e de transformação do mundo. A passagem de uma contestação saudável e necessária duma situação ingrata a uma luta em nome de um proletariado que se não reconhece nos seus pseudo salvadores, contra um “SIM” (Estado Imperialista das Multinacionais) que as Brigadas julgavam poder combater com uma revolução na Itália (com quem?), liquidando escolhidos representantes do Poder numa espécie de estratégia de acções exemplares que insurrecionaria as mais largas massas populares.
Isto que vem de ser sumariamente descrito foi elaborado em várias publicações por intelectuais universitários prestigiados e lido (mal lido) por jovens ultra-politizados com uma determinação só igual ao seu desconhecimento da vida de todos os dias. Por jovens que acreditavam, mesmo depois de Praga, numa organização ultra-leninista, num partido militarizado e na maldade intrínseca do revisionismo, do liberalismo e de mais uma série de crimes anti-socialistas constantes da vulgata em uso neste género de organizações desconectadas da realidade.
Os anos setenta verão um renascimento do terrorismo de direita (estação de Bolonha, 85 mortos mais de 200 feridos) que curiosamente apresenta motivações idênticas. Os radicais negros queixam-se do eleitoralismo do MSI, da falta de soluções salvíficas que liberte a Itália e o mundo do comunismo, reconhecem-se nas ditaduras latino-americanas do mesmo modo que Brigadas e Prima Línea se louvam nas guerrilhas, nos Tupamaros e nos Montoneros.
Em resumo: aquilo que hoje em dia muitos assacam à esquerda como se esta tivesse sido a única responsável dos “anos de chumbo” é, de facto, fruto de uma situação muito mais complexa, protagonizada por forças muito diferentes que chegam a incluir agentes do aparelho de Estado (serviços secretos, exército e polícia), crime organizado e agentes de potencias estrangeiras. Não, definitivamente a esquerda estudantil, ou parte dela, não é ré única no drama italiano. E se isso não lhe diminui as responsabilidades próprias também as não aumenta nem elimina as alheias. Que foram muitas. É altura de começar a falar delas.
* estação de Bolonha depois do atentado.
1 comentário:
Os extremos tocam-se.
Pergunta-se há anos quem matou Mino Pecorelli e o que sabia este jornalistas que o levou à morte...
Além disso, o Inossidabile, continua depositário de mais de 50 anos de segredos de Estado. Incluindo o da morte de Moro.
A série de tv O Polvo, retrata bem a situaçõe dos setenta, numa das séries.
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