A história faz-se de tudo até de gestos
A quem entender que as eleições presidenciais nos EUA nada têm a ver connosco sugiro que passe em frente porque não precisa deste texto. Ou precisa mas de outra maneira, como numa segunda perspectiva poderá aperceber-se. É que aqui vai falar-se mais de ética política do que de um resultado de umas primárias.
Vamos então aos factos.
Há cerca de meio ano, um pouco mais, havia no Partido Democrata dois candidatos em liça: Hillary Clinton e Barak Obama. Tudo os diferenciava. O sexo, a idade, os meios sociais onde tinham evoluído para já não falar do currículo político. A senhora Clinton fora “primeira dama” e já é senadora (por Nova Iorque) há cerca de oito anos. Obama, distinguira-se na Convenção Democrática de há quatro anos quando com um discurso poderoso e fascinante recebera a mais prolongada ovação dessa reunião.
Alguém, na assistência, terá dito que via naquele homem o rosto do presidente futuro dos EUA. A coisa passou mais como citação da frase que consagrara há muitos anos o então jovem Bruce Springsteen, autor até à altura de um único (grande) êxito (Born to run). De facto, o eminente John Landau assegurou a quem o quis ouvir que vira “the future of rock’n’roll”. E não se enganou, convém acrescentar.
Obama, (senador por Illinois) entrou de seguida, no Senado Nacional em 2004. Nas primárias democratas para a candidatura teve sozinho mais votos que os restantes seis adversários Antes era reconhecido por uma brilhantíssima carreira universitária, numa das mais conceituadas universidades, Harvard, onde fora eleito redactor chefe da prestigiada revista de direito universitária.
A senadora Clinton, vinda de outra famosíssima universidade, Yale, aluna brilhantíssima e reconhecida como excelente advogada, viu o seu percurso ser perturbado dado ter casado com o governador do Arkansas e posterior presidente Clinton. De facto, ser primeira dama não é exactamente o ideal para quem, ao fim e ao cabo, tem aspirações de futuro político autónomo. Porém, a senadora Clinton também beneficiou desse estatuto como aliás se fartou de dizer quando alegava a sua maior “experiência política” e os seus “contactos internacionais” obtidos durante os oito anos de presidência Clinton. No meio, ficou esquecido, o desaire das suas propostas quanto à política de saúde mas isso é outro falar.
Quando esta corrida começou, a maioria das sondagens davam a senadora como vencedora. Obama era brilhante e simpático mas era preto, coisa um pouco pior do que ser mulher, apesar de tudo. E era “pouco experiente”...
Foi isso que, dizem todos os observadores, influenciou o autismo da senadora que não percebeu a tempo que estava perante uma nova maneira de fazer política e de passar uma mensagem. Obama introduzia a novidade e mais ainda lembrava as grandes campanhas democráticas de esquerda desde Stevenson até H Humphrey ou Eugene Mc Carthy. Apoiava-se numa rede de jovens universitários que estabeleceu contacto com a inteligentsia liberal sem perder de vista largas camadas de desfavorecidos. O resultado começou imediatamente a ver-se nas recolha de fundos. Para Obama vinham as pequenas mas muitas (muitíssimas!!!) contribuições de 1, 5 10 ou 20 dólares que justamente por serem tantas ultrapassavam os cheques generosos dos habituais dadores. Vinham também obviamente grandes contribuições que, desde o início, Obama também teve adeptos bem instalados (Oprah, por exemplo...).
A candidatura Clinton foi durante demasiado tempo sobranceira e conservadora. Não reparou nisto como não reparou que Obama conseguia fazer passar a mensagem em territórios e grupos que normalmente não se movem. De repente a afluência aos comícios e votações cresceu exponencialmente e Obama converteu-se num candidato credível.
Entretanto, dois Estados (Florida e Michigan) desobedecendo às instruções e aos regulamentos da Campanha Democrática adiantaram as suas primárias sendo por isso sancionados. O comité Democrata com o apoio expresso, claro e irrecusável das duas campanhas declarou nulos os resultados das primárias. E foi de tal modo assim que a candidatura Obama nem sequer apareceu nos boletins de voto entregues aos eleitores (poucos, aliás) que apareceram para votar. A senadora Clinton, candidata única viu-se vencedora de um combate inexistente. Mas como ainda esperava uma maioria confortável, sobretudo graças aos super-delegados, ela própria aceitou o castigo do comité Nacional Democrata e a invalidação dos votos ilegalmente aparecidos.
Só que... a campanha Obama ganhara força e pouco a pouco este candidato se destacou claramente (mais Estados a seu favor e o dobro das vitórias em primárias). Ganhou em todos os tabuleiros excepto nos grupos hispânico e feminino (neste todavia a derrota não foi sequer expressiva). Perdeu igualmente, há que dizê-lo em Estados onde a situação económica dos trabalhadores brancos baixara que votaram pela senadora.
Neste momento, é impossível à senadora (a menos que haja um milagre) ter mais votos e delegados que Obama. Também parece irreversível a deslocação dos grandes eleitores para este. Desde o poderoso clã Kennedy até ao senador John Edwards, o terceiro concorrente, as vozes a favor de Obama tem crescido.
A senadora entretanto jura que se manterá na corrida. Para quê? Não parece previsível que depois dos contínuos e desajeitados ataques ao adversário este a queira no ticket presidencial. É duvidoso que a sua persistência e tom de crescente acrimónia de alguns dos seus apoiantes favoreça o Partido Democrata. Aliás, Obama, tendo percebido isso, há muito que deixou sequer de responder aos ataques do campo Clinton.
Fica no ar, contudo, uma questão: não se nega a Hillary Clinton, inteligência e coragem. Tão pouco se põe em causa alguma (só alguma) da tão fantasiada e propalada experiência que ela brande. Apenas se pergunta: E a ética? Então os acordos (no caso a questão dos votos da Florida e do Michigan) já não se respeitam? Será que a senadora não vê que aquelas primárias foram mais falsas do Judas, dado nem sequer inserirem nos boletins o nome do adversário? Não vê ou não quer ver? Não perceberá que se fosse possível repetir essas primárias muito provavelmente o efeito arrasador da campanha de Obama poderia eventualmente fazer transferir muitos votos de Clinton para ele? E que por isso mesmo, o resultado final continuaria a ser exactamente o que agora se prevê?
Alguém, de um grande jornal europeu, sugeriu que a senadora está desesperada. E que o desespero é mau conselheiro. E isso leva-a a jogar no quanto por melhor, mesmo que para tal tenha, como tem, de recorrer à sua fortuna pessoal para pagar gastos de campanha porque os contribuintes já não apostam nela.
Como é que uma mulher com fama de ganhadora se arrisca a passar por “looser”?
E neste caso, a derrota não é apenas a dos votos mas também, e é isso que é dramático e triste, a da ética.
por d'Oliveira fã de Ford, Faulkner e de Ellington
* as gravuras não pretendem senão mostrar um pouco do clima que em todas as televisões se vai percebendo. eu não sou americano portanto não voto. Se votasse, votaria Obama nas primárias e, na votação nacional, o candidato democrata que saísse da convenção nacional se eventualmente fosse outro. Não tenho mau perder nem confundo as questões...
A quem entender que as eleições presidenciais nos EUA nada têm a ver connosco sugiro que passe em frente porque não precisa deste texto. Ou precisa mas de outra maneira, como numa segunda perspectiva poderá aperceber-se. É que aqui vai falar-se mais de ética política do que de um resultado de umas primárias.
Vamos então aos factos.
Há cerca de meio ano, um pouco mais, havia no Partido Democrata dois candidatos em liça: Hillary Clinton e Barak Obama. Tudo os diferenciava. O sexo, a idade, os meios sociais onde tinham evoluído para já não falar do currículo político. A senhora Clinton fora “primeira dama” e já é senadora (por Nova Iorque) há cerca de oito anos. Obama, distinguira-se na Convenção Democrática de há quatro anos quando com um discurso poderoso e fascinante recebera a mais prolongada ovação dessa reunião.
Alguém, na assistência, terá dito que via naquele homem o rosto do presidente futuro dos EUA. A coisa passou mais como citação da frase que consagrara há muitos anos o então jovem Bruce Springsteen, autor até à altura de um único (grande) êxito (Born to run). De facto, o eminente John Landau assegurou a quem o quis ouvir que vira “the future of rock’n’roll”. E não se enganou, convém acrescentar.
Obama, (senador por Illinois) entrou de seguida, no Senado Nacional em 2004. Nas primárias democratas para a candidatura teve sozinho mais votos que os restantes seis adversários Antes era reconhecido por uma brilhantíssima carreira universitária, numa das mais conceituadas universidades, Harvard, onde fora eleito redactor chefe da prestigiada revista de direito universitária.
A senadora Clinton, vinda de outra famosíssima universidade, Yale, aluna brilhantíssima e reconhecida como excelente advogada, viu o seu percurso ser perturbado dado ter casado com o governador do Arkansas e posterior presidente Clinton. De facto, ser primeira dama não é exactamente o ideal para quem, ao fim e ao cabo, tem aspirações de futuro político autónomo. Porém, a senadora Clinton também beneficiou desse estatuto como aliás se fartou de dizer quando alegava a sua maior “experiência política” e os seus “contactos internacionais” obtidos durante os oito anos de presidência Clinton. No meio, ficou esquecido, o desaire das suas propostas quanto à política de saúde mas isso é outro falar.
Quando esta corrida começou, a maioria das sondagens davam a senadora como vencedora. Obama era brilhante e simpático mas era preto, coisa um pouco pior do que ser mulher, apesar de tudo. E era “pouco experiente”...
Foi isso que, dizem todos os observadores, influenciou o autismo da senadora que não percebeu a tempo que estava perante uma nova maneira de fazer política e de passar uma mensagem. Obama introduzia a novidade e mais ainda lembrava as grandes campanhas democráticas de esquerda desde Stevenson até H Humphrey ou Eugene Mc Carthy. Apoiava-se numa rede de jovens universitários que estabeleceu contacto com a inteligentsia liberal sem perder de vista largas camadas de desfavorecidos. O resultado começou imediatamente a ver-se nas recolha de fundos. Para Obama vinham as pequenas mas muitas (muitíssimas!!!) contribuições de 1, 5 10 ou 20 dólares que justamente por serem tantas ultrapassavam os cheques generosos dos habituais dadores. Vinham também obviamente grandes contribuições que, desde o início, Obama também teve adeptos bem instalados (Oprah, por exemplo...).
A candidatura Clinton foi durante demasiado tempo sobranceira e conservadora. Não reparou nisto como não reparou que Obama conseguia fazer passar a mensagem em territórios e grupos que normalmente não se movem. De repente a afluência aos comícios e votações cresceu exponencialmente e Obama converteu-se num candidato credível.
Entretanto, dois Estados (Florida e Michigan) desobedecendo às instruções e aos regulamentos da Campanha Democrática adiantaram as suas primárias sendo por isso sancionados. O comité Democrata com o apoio expresso, claro e irrecusável das duas campanhas declarou nulos os resultados das primárias. E foi de tal modo assim que a candidatura Obama nem sequer apareceu nos boletins de voto entregues aos eleitores (poucos, aliás) que apareceram para votar. A senadora Clinton, candidata única viu-se vencedora de um combate inexistente. Mas como ainda esperava uma maioria confortável, sobretudo graças aos super-delegados, ela própria aceitou o castigo do comité Nacional Democrata e a invalidação dos votos ilegalmente aparecidos.
Só que... a campanha Obama ganhara força e pouco a pouco este candidato se destacou claramente (mais Estados a seu favor e o dobro das vitórias em primárias). Ganhou em todos os tabuleiros excepto nos grupos hispânico e feminino (neste todavia a derrota não foi sequer expressiva). Perdeu igualmente, há que dizê-lo em Estados onde a situação económica dos trabalhadores brancos baixara que votaram pela senadora.
Neste momento, é impossível à senadora (a menos que haja um milagre) ter mais votos e delegados que Obama. Também parece irreversível a deslocação dos grandes eleitores para este. Desde o poderoso clã Kennedy até ao senador John Edwards, o terceiro concorrente, as vozes a favor de Obama tem crescido.
A senadora entretanto jura que se manterá na corrida. Para quê? Não parece previsível que depois dos contínuos e desajeitados ataques ao adversário este a queira no ticket presidencial. É duvidoso que a sua persistência e tom de crescente acrimónia de alguns dos seus apoiantes favoreça o Partido Democrata. Aliás, Obama, tendo percebido isso, há muito que deixou sequer de responder aos ataques do campo Clinton.
Fica no ar, contudo, uma questão: não se nega a Hillary Clinton, inteligência e coragem. Tão pouco se põe em causa alguma (só alguma) da tão fantasiada e propalada experiência que ela brande. Apenas se pergunta: E a ética? Então os acordos (no caso a questão dos votos da Florida e do Michigan) já não se respeitam? Será que a senadora não vê que aquelas primárias foram mais falsas do Judas, dado nem sequer inserirem nos boletins o nome do adversário? Não vê ou não quer ver? Não perceberá que se fosse possível repetir essas primárias muito provavelmente o efeito arrasador da campanha de Obama poderia eventualmente fazer transferir muitos votos de Clinton para ele? E que por isso mesmo, o resultado final continuaria a ser exactamente o que agora se prevê?
Alguém, de um grande jornal europeu, sugeriu que a senadora está desesperada. E que o desespero é mau conselheiro. E isso leva-a a jogar no quanto por melhor, mesmo que para tal tenha, como tem, de recorrer à sua fortuna pessoal para pagar gastos de campanha porque os contribuintes já não apostam nela.
Como é que uma mulher com fama de ganhadora se arrisca a passar por “looser”?
E neste caso, a derrota não é apenas a dos votos mas também, e é isso que é dramático e triste, a da ética.
por d'Oliveira fã de Ford, Faulkner e de Ellington
* as gravuras não pretendem senão mostrar um pouco do clima que em todas as televisões se vai percebendo. eu não sou americano portanto não voto. Se votasse, votaria Obama nas primárias e, na votação nacional, o candidato democrata que saísse da convenção nacional se eventualmente fosse outro. Não tenho mau perder nem confundo as questões...
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